A Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público (MP) de São Paulo entrou com uma Ação Civil Pública contra a atuação violenta e os abusos da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na região da Luz e Campos Elíseos, no centro da capital paulista. A região conhecida como ‘Cracolândia’ concentra uma grande população em situação de vulnerabilidade social, com uma parte considerável de dependentes químicos.
Na ação, o MP destaca o problema da repressão violenta ao consumo de drogas que acontece no chamado ‘fluxo’. Os depoimentos apresentados denunciam o uso do ‘corredor polonês’, ‘espancamentos’ e ‘guardas jogando a viatura em cima de pessoas’ na região. Segundo os promotores, a atuação da GCM na cracolândia é uma violação dos princípios administrativos e, por isso, os cerca de 200 agentes da guarda que atuam na Cracolândia deveriam deixar a região.
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“A brutalidade, a truculência, a violência, a exclusão, a humilhação. Enfim, o popularmente conhecido ‘esculacho’. Essa ‘não política pública’ fica a cargo, em geral, da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana”, diz o documento.
Segundo o Ministério Público, a complexidade social, sanitária, econômica, urbanística, política e cultural da Cracolândia desafia os administradores públicos, que não conseguem, decorridos os anos, articular eficientes políticas públicas de saúde e assistência social.
Falta de continuidade
Os diversos programas lançados pelos prefeitos da capital, como ‘“Nova Luz”, “Braços Abertos”, “Redenção”, “Redenção Fase II” e “Redenção Fase III”, para o MP, sofreram com a falta de continuidade.
“Os projetos da municipalidade vão se sucedendo em tentativas de acerto e erro, e muitas vezes são substituídos e têm o nome alterado para atender aos caprichos político-eleitorais do administrador de turno”, diz um trecho do documento que propõe a Ação Civil Pública.
De acordo com o MP, a prefeitura falhou na condução dos programas adotados nos últimos anos para a Cracolândia. “Projetos voltados fortemente aos interesses urbanísticos (Nova Luz) são substituídos por projetos de forte caráter humanístico e de busca de autonomia (Braços Abertos); que acaba substituído por projeto que se pretendia excludente e autoritário (o início do Redenção), até se chegar à versão repaginada do Braços Abertos (Redenção, Fase II). Do Redenção Fase III ainda não se sabe suficientemente”, avalia o documento.
Militarização
“Desde 2017, o Ministério Público de São Paulo investiga por meio de inquérito o desvio de função e a ação violenta da GCM, mas ainda não tinha uma ação. Após a publicação do dossiê da Craco Resiste, eles entraram com a ação e a Prefeitura deve se manifestar com as suas justificativas. O sindicato da GCM quer a saída dos guardas de lá”, disse Daniel Mello, jornalista e membro do coletivo Craco Resiste.
O dossiê “Não é confronto, é massacre”, da Craco Resiste, lançado em maio deste ano, mostra imagens de agressões ocorridas entre dezembro de 2020 e março de 2021.
O coletivo Craco Resiste é um movimento social autônomo criado em 2015 que atua com políticas de redução de danos e monitoramento da violência das forças de segurança na região de Campos Elíseos.
“Durante anos houve um processo de militarização da GCM no território da Cracolândia com o uso cada vez maior de armamento. Em 2017, os guardas não usavam armas menos letais, mas a PM sim. A partir dos anos, isso vai se invertendo, as ações com uso de armamento menos letal são feitas mais pela GCM e menos pela PM. Os policiais militares estão atuando no apoio ao que os guardas fazem, as abordagens e revistas. Porém, nos últimos anos, os dias em que a PM aparece são de ações com uso de força desproporcional e muita violência”, disse Mello.
Ele também suspeita que as operações na região servem como treinamento para que a GCM atue em outros territórios para dispersão de multidão e distúrbios públicos.
A ação civil pública contra a brutalidade policial na Cracolândia foi proposta pelos promotores Eduardo Valério, Arthur Pinto Filho e Anna Trotta Yaryd. A prefeitura tem um prazo de 60 dias para dar uma resposta. Segundo os promotores, a pretexto de combater os traficantes de drogas, as forças de segurança atacam os usuários.
A Alma Preta entrou em contato com a prefeitura com perguntas sobre a ação do MP, a brutalidade da GCM e a suspeita de que as ações também são treinamento para operações de dispersão de multidão e distúrbios públicos, mas a prefeitura não respondeu.