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Mulher negra é presa por furto realizado em Minas Gerais sem nunca ter saído de Pernambuco

A autônoma Gislayme Elizabete dos Santos, 45, foi surpreendida com um mandado de prisão em sua residência por um furto de celular cometido em 2007 e passou 11 dias presa

Imagem mostra mão de mulher negra com unhas pintadas de preto segurando grade de cela

Foto: Imagem: Unsplash

19 de abril de 2022

“Sensação de desespero”. É assim que Gislayme Elizabete dos Santos, 45, define um erro da justiça que a colocou na prisão. Mulher negra, ela foi presa por suposto crime de furto cometido em Minas Gerais, em 2007, mesmo sem nunca ter saído de Pernambuco. Surpreendida com um mandado de prisão em sua casa, no bairro Vila Dois Carneiros, em Jaboatão dos Guararapes, no último dia 4 de abril, a autônoma ficou detida por 11 dias na Colônia Penal Feminina Bom Pastor, no Recife. 

“Nunca esperei passar por uma situação tão difícil. Eu e minha família fomos pegos de surpresa. Acredito que quem deve algo à justiça já espera a hora de pagar pelo que cometeu, mas uma pessoa que não cometeu delito algum jamais espera. Achei que fosse infartar. A sensação, para mim, era como se fosse um tapa dado na minha cara de surpresa”, relata a vítima. 

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Era uma manhã de segunda-feira quando a angústia passou a tomar conta da vida dela, do marido e dos seus três filhos. Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, Gislayme conta que duas viaturas cercaram a sua residência e, em seguida, cinco policiais, à paisana, desceram para intimá-la. O que nem ela e eles esperavam eram as inconsistências das informações dispostas pela justiça. 

De acordo com a autônoma, em sua defesa, o ano em que consta o delito, além de não estar em Minas Gerais, foi marcado por uma época que cumpria plantão em dois hospitais. Com formação como técnica de enfermagem e laboratório, Gislayme prestava serviço para as unidades com o intuito de trazer mais renda para casa. Época que trabalho não faltava, despesas também, a ponto de nem pensar na possibilidade de sair do estado.

Mesmo em conversa amistosa junto aos policiais, que reconheceram o possível erro, não houve saída para que ela não tivesse que comparecer à justiça para prestar depoimento. A mulher foi encaminhada para o 6º Batalhão da Polícia Militar de Pernambuco, onde conta que não foi ouvida pelo delegado responsável, que pediu sua prisão imediatamente, a colocando em uma cela.

“Lembro de um dos policiais ainda sair em minha defesa, tentando argumentar com o delegado, mas não teve outra. O delegado responsável saiu de sua sala falando ‘joga ela no xadrez’, sem nem me ouvir. Quando ele disse isso, quase desmaio. Tenho fobia de lugares fechados, mas não tive como me defender. Fui colocada em uma cela escura, cheia de mosquitos, com comida estragada em uma vasilha e com o odor de urina por toda ela”, lembra. 

No mesmo dia, a família contou que a chefe de família foi encaminhada à Colônia Penal Feminina Bom Pastor, na Zona Norte da capital. Para a surpresa dela e da advogada que acompanhava o caso, mesmo com o mandado de prisão expedido, o direito de uma audiência de custódia também foi negado, impossibilitado-a, mais uma vez, de ser ouvida. 

Gislayme relata que passou constrangimento desde a entrada na unidade prisional. Como norma, teve que tirar a roupa que estava para ser revistada e, em seguida, encaminhada à cela 15 que, segundo ela, era um espaço um pouco mais organizado que os demais da colônia, onde passou a dividir cama e banheiro com mais 12 mulheres em regime fechado. Mesmo recém chegada, ela relata que a chefe da cela a recebeu da melhor forma, acreditando na sua inocência e disponibilizando uma das quatro camas disponíveis. 

“Fiquei surpresa com a recepção e de como elas viram que eu não havia cometido o crime que estavam me acusando. Estávamos todas em um ambiente quente, com escorpião e baratas. Inclusive, no dia que cheguei, uma das detentas responsável pela limpeza havia sido picada. Além da angústia de não saber quando iria sair, só conseguia dormir com uma sandália do meu lado. Era noite e dia chorando e com medo, mas sendo amparada por elas”, detalha. 

Enquanto seguiu sem respostas, a advogada que acompanha o caso, Tássia Perruci, enviou um alvará para Minas Gerais para que o caso fosse revisto e a autônoma fosse, o quanto antes, liberada. A falta de retorno do juiz responsável, que durou mais de uma semana, colocou em questão a possibilidade da não liberação da autônoma no tempo em que a família esperava. 

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“Foram dias horríveis. O que nos preocupava, principalmente, era o fato da justiça do nosso país ser falha. Existem outros casos de pessoas que passam anos e anos na prisão, pagando por crimes que não cometerem. Esse era o meu maior medo. Mesmo com as divergências no mandado, não quiserem saber. Fora que o racismo é rotineiro e nós sabemos que existe”, desabafa o filho de 23 anos da vítima, Sterfferson dos Santos, que ajuda a mãe no negócio da família, por áudio.

Ele, os irmãos, pai e mãe só conseguiram descansar no último dia 14 de abril, quando a justiça de Minas Gerais reconheceu o erro e retirou a denúncia contra Gislayme. Às vésperas do feriado, que tradicionalmente passa em almoço com a família, de religião católica, a autônoma foi liberada. 

“Em vários momentos achei que fosse ficar um tempo a mais e passar o final de semana e feriado sem a minha família me deu muita ansiedade. Só consegui sair da unidade prisional por volta da meia-noite. Para a minha surpresa, as mulheres com quem dividi cela se emocionaram comigo, quando souberam que eu iria ser solta. Agradeceram a minha presença ali naqueles dias e tiveram esperança de liberdade com a minha saída. Momentos que jamais esperei experienciar. Elas e até os agentes penitenciários diziam que nunca tinham visto um caso como o meu”, revela. 

Dias de prisão geraram sequelas 

Após ser recebida pela família e poder voltar, aos poucos, à sua rotina, a mulher reitera que as sequelas do tempo em prisão vão permanecer. Além da angústia e dos traumas – da roupa do dia em que foi detida e das viaturas que passam em seu bairro -, agora, a autônoma tem que lidar com a falta de dinheiro para retomar com o negócio que sustenta a família.

Em setembro e outubro do ano passado, ela havia pedido demissão dos hospitais que trabalhava para investir em um pequeno empreendimento que divide com o filho Sterfferson. Com os custos que teve de arcar, desde a advogada até os mantimentos durante o período que passou detida, ela não tem dinheiro para comprar mercadorias. 

“Me deixaram em um buraco, emocional e financeiro. A minha renda sai toda da nossa lojinha. Meu filho, que trabalha comigo, recebe um salário mínimo meu para cuidar dele e da sua família. Porém, depois de pagar a advogada e os custos na unidade prisional, com ventilador, compra de água, faxina, entre outras coisas, não temos capital para nos manter. Para se ter uma ideia, estou tendo que contar a ajuda das pessoas que, de fato, me conhecem e acreditam em mim. Saí de lá sem honra e devendo aos meus fornecedores, situação que jamais esperarava passar”, desabafa. 

Agora, mesmo com a denúncia retirada, a advogada que acompanha o caso informou que o Ministério Público ainda tem um prazo para apresentar a sua posição sobre o caso, afirmando ser favorável à decisão do juiz responsável ou não. Ainda em silêncio sobre a decisão que Gislayme e sua família irão tomar, Tássia Perruci afirma que há, sim, um desejo por justiça e reparo aos danos mentais e financeiros causados pelo erro judicial.

Para Gislayme, a atuação da justiça com ela é fruto de um racismo estrutural, que não quer, ao menos, ouvir pessoas negras. 

“Será que se eu fosse rica, branca, eles teriam me detido antes mesmo de terem me ouvido? Acredito que não. Teriam, por receio, investigado primeiro. Ao que parece, na nossa sociedade, rico não comete delito, já nós, negros, sim. Por isso, quero, em breve, correr atrás dos meus direitos. Mexer com eles ao pedir justiça não só por mim, mas por outras pessoas que também foram presas injustamente e que sequer foram ouvidas”, finaliza. 

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