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Mulheres negras são as mais negligenciadas no acesso à licença-maternidade

Para beneficiar mãe e filho recém-nascido, proposta aprovada na Câmara dos Deputados quer aumentar o período de 120 para 180 dias; dados mostram ausência no cumprimento da lei

23 de dezembro de 2019

O aumento do período de licença-maternidade de 120 para 180 dias traz benefícios para a mãe e o filho recém-nascido, mas pode aumentar o número de trabalhadoras demitidas, principalmente as negras. É o que destaca a obstetriz e doula Nathalya Camargo.

“Grande parte das gestantes negras são demitidas após a licença-maternidade, pois são maioria em cargos de submissão ainda nos dias atuais. Eu já vi muitas auxiliares de limpeza e caixas de supermercado, por exemplo, serem demitidas até mesmo durante a gravidez”, explica a profissional, que atua no processo de bem estar materno durante o período gestacional e puerperal.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou no dia 17 de dezembro a legalidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) 158/19, que amplia a licença-maternidade de 120 dias para 180 dias para todas as trabalhadoras.

Ao apresentar a proposta, a deputada federal Clarissa Garotinho (Pros-RJ) disse que a ampliação da licença é uma recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e segue uma tendência mundial. Em 2020, a PEC será analisada por uma comissão especial e seguirá pelo Plenário, onde deve ser votada em dois turnos.

Demissão após a licença-maternidade chega a 10%

Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com 247 mil mulheres entre 25 e 35 anos aponta que metade das que tiveram filhos perderam o emprego até dois anos após a licença-maternidade. No segundo mês depois do retorno ao trabalho, a probabilidade de demissão chega a 10%.

O percentual é considerado impactante pela pesquisa, especialmente quando se considera a insegurança emocional que muitas mulheres vivenciam em relação ao trabalho quando engravidam. De acordo com a obstetriz e doula Nathalya Camargo, grande parte das mulheres abrem mão da licença-maternidade por medo de perder o emprego.

“As empresas não se importam com a lei da licença-maternidade. Muitas de nós nos submetemos ao não cumprimento da licença com medo de perder o emprego. As mulheres que sofrem aborto também têm direito a 120 dias de licença para se recuperarem do trauma, mas dificilmente usufruem desse benefício”, conta.

Negligência também no sistema de saúde

O artigo 196 da Constituição Federal estabelece que a saúde é um direito de todos e dever do estado e que cabe ao serviço público – Sistema Único de Saúde (SUS) – atender sem violência, coerção ou qualquer tipo de discriminação. A pesquisa Nascer no Brasil, realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), revela que as mulheres negras são as mais negligenciadas em relação ao pré-natal.

O estudo realizado entre 2011 e 2012 é a mais recente análise sobre o impacto da desigualdade racial nos serviços de parto e nascimento. Os dados mostram que 41,4% das mulheres negras não foram alertadas sobre complicações na gravidez, o mesmo aconteceu com 33,8% das brancas.

O percentual de mulheres negras que não tiveram um pré-natal é de 1,7%, quase o dobro em relação às brancas, que foram 0,8%. Entre as que tiveram assistência no período gestacional, 67,9% das negras consideraram o pré-natal inadequado.

Segundo a obstetriz e doula Nathalya Camargo, a ausência de rede de apoio e acesso a direitos básicos como o pré-natal é resultado da forma como a mulher negra é vista pela sociedade.

“Há um estereótipo herdado do período oficial da escravidão e que permanece no subconsciente de profissionais de saúde brancos. Eles disseminam o racismo por meio de suas práticas de saúde inadequadas com justificativas como ‘não precisa de anestesia, ela não sente dor’ ou ‘sofrer durante o parto faz parte, ela já está acostumada’.”, ressalta.

Para Nathalya Camargo, é um desafio mudar esse quadro de negligência contra as mulheres negras no país, mas a situação pode ser amenizada através do conhecimento.

“As mulheres que tem maior informação sobre seus direitos sofrem menos esse tipo de violência. Precisamos melhorar o acesso ao pré natal, fortalecer as redes de apoio das mulheres, procurar entender o contexto e ver de quais formas esse conhecimento pode chegar à gestante considerando sua realidade. Somente com denúncias movimentos as estruturas”, analisa.

  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Passagens por UOL, Estadão, Automotive Business, Educação e Território, entre outras mídias.

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