Espetáculo causou grande incômodo entre professores e alunos negros da UFBA
Texto / Lucas Veloso I Imagem / Divulgação I Edição / Pedro Borges
“A prática do racismo é uma constante na escola de teatro da UFBA, uma universidade com uma comunidade em mais de 40 mil pessoas, não consegue evoluir para o século XXI. Ainda enxerga o nosso povo preto em posição de subalternidade, marginalidade e servidão”.
As críticas são dos estudantes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (ETUFBA) que, no dia 1º de junho, interromperam a apresentação da peça “Sob as Tetas da Loba”, no Teatro Martim Gonçalves, campus da instituição no Canela, em Salvador.
Os alunos fazem parte da Organização Dandara Gusmão. Quatro dias antes, o grupo já havia divulgado uma nota de repúdio contra o espetáculo, por considerar a apresentação racista. No dia da apresentação, tentaram impedir a exibição.
A principal reivindicação é a de que os papéis reservados a mulheres e homens negros reforçam estereótipos e não dialogam com os valores citados pelos envolvidos com a obra, como a Democracia.
“O sadismo de quem se debruça numa teatralidade como essa só reserva para a mulher preta os papéis em que ela está disposta a ser estuprada, assediada, enxotada, estereotipada e a mesma estrada para o homem preto”, critica o coletivo. “Depois essa mesma gente cinicamente faz discursos a favor da democracia. Que justiça social é essa que favorece apenas o povo branco?”, interroga.
O espetáculo nomeado como “Sob as tetas da loba”, com adaptação e direção do professor Paulo Cunha tinha em cena quatro personagens negros e 22 personagens brancos.
No palco, o enredo girava em torno das histórias daquela minoria, onde a redenção, a esperança, a boa estrutura de vida, a humanidade favorecida, e a linhagem histórica só podiam ser encontradas nas pessoas brancas.
Sob o título “O racismo tem que ser interrompido”, os professores Adalberto Santos, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Samuel Vida, Faculdade de Direito e a docente Denise Carrascosa, Instituto de Letras, também escreveram artigo onde descrevem o acontecido e afirmam a necessidade de continuar a militância contra a força do racismo institucional.
“É flagrante a desproporção da representação demográfica de negros e negras em certos espaços sociais, mais especificamente no contexto das artes da cena, bem como a presença negra à frente de seus processos formativos”, apontam.
“Muito embora a performance do dia 01 de junho possa ser tratada como um fato isolado, está conectada a um enredo dramático que se inicia com o surgimento da Escola de Teatro da UFBA há 63 anos e a hegemonia dos currículos e encenações eurocentradas”, reforçam os docentes.
“Na contracorrente desse processo, estão as ações antirracistas promovidas por diversos grupos e iniciativas negras, responsáveis por criar na Bahia um Teatro Negro, num flagrante combate às perspectivas racistas infiltradas na cena teatral baiana”, completam.
O Alma Preta entrou em contato com a assessoria de imprensa da Universidade Federal da Bahia (Ufba), mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Organização Dandara Gusmão
Formada por alunos da Universidade, em 2016, Dandara Gusmão tem o objetivo de enfrentar e gerar compromissos coletivos contra o racismo institucionalizado na instituição, além de se colocar contrário a representações teatrais de cunho racista.
“Erguemos os nossos punhos e começamos aos poucos com várias atividades que fossem capaz de fazer nosso povo ser representado. Mantendo esse compromisso, e já conhecendo a prática racista da instituição, nós integrantes da Organização Dandara Gusmão sempre pontuamos que a luta não seria mais diplomática, pois a mesma já foi durante anos e nunca deu em nada”, reafirma o grupo.
Entre as demandas exigidas e conquistadas pela organização está a literatura negra para prova do vestibular. Antes apenas obras literárias brancas eram exigidas. Hoje, nomes como o de Abdias Nascimento fazem parte das opções de leitura.
Algumas montagens também foram encenadas com atrizes e atores negros, em sua maioria, nas posições de protagonismo e poder, como “Mário Gusmão – O anjo negro e sua legião” (2017), direção de Tom Conceição, e “Pele Negras e Máscaras Brancas” (2019), dirigido por Onisajé. Ambos escritos por Aldri Anunciação. Todos ex-estudantes da instituição.