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“Nada vai trazer minha filha de volta”, lamenta Elizângela, mãe de Lorenna Muniz

Elizângela e Washington, respectivamente, mãe e companheiro de Lorenna Muniz, que morreu por falta de socorro em incêndio numa clínica  de estética, estão em São Paulo para liberar o corpo da cabelereira, que deve ser sepultada em Pernambuco

 Texto: Roberta Carmargo e Victor Lacerda | Edição: Lenne Ferreira | Imagens: Redes Sociais/Erica Malunguinho

23 de fevereiro de 2021

A tristeza e o inconformismo estavam expressos no rosto da dona de casa Elizângela Muniz, mãe da cabeleireira Lorenna Muniz, que morreu após sofrer negligência médica durante procedimento para aplicação de prótese mamária numa clínica de São Paulo. Ao lado do genro, Washington Barbosa, ela participou de uma reunião na Assembléia Legislativa do Estado com representantes do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública. Com o apoio dos mandatos da deputada estadual Erica Malunguinho e da vereadora Érika Hilton, Elizângela falou sobre a personalidade alegre da filha e expressou sua revolta em lágrimas e apelo: “Queremos justiça”. 

O encontro aconteceu na manhã desta terça-feira (23), e representa mais uma estratégia de pressão para que o caso seja investigado e a clínica responsabilizada.  “Esse meu cabelo vermelho eu pintei por causa dela. Lorenna era muito vaidosa”, contou. Elisângela, estava acompanhada do genro, Washington Barbosa, responsável pela visibilização do caso por meio de um vídeo que postou pedindo ajuda, quando Lorenna ainda estava internada. A cabelereira foi atendida no Hospital das Clínicas, onde deu entrada como indigente enquanto a família buscava, sem sucesso, informações com a Clínia Saúde Aqui, onde acontecia o procedimento. Com a confirmação da morte na última segunda-feira (22), a família, que foi até São Paulo cuidar da liberação do corpo, agora, prepara o sepultamento de Lorenna. 

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“A doação de órgãos já foi feita. Nós ainda estamos acompanhando quais serão os próximos passos para levar o corpo para o sepultamento na cidade onde morávamos juntos”, declarou Washington, que também não conteve as lágrimas. Os dois viviam na região do Fragoso, em Olinda, onde Lorenna matinha um salão de beleza, e vieram para São Paulo com as passagens pagas pela Clínica Saúde Aqui. Durante a reunião, que também contou com a presença da imprensa, ambos, mãe e companheiro, pediram apoio para que a Justiça seja feita.

A defensora pública que acompanha o caso, Isadora Silva, destacou a importância do resultado dos laudos que serão apresentados pela perícia e que vão fornecer mais informações sobre o estado do imóvel e quais eram as medidas de segurança para os pacientes que a clínica acusada apresentava. Como adiantamento, a defensora afirmou não haver pelo menos um extintor de incêndio no local. Dados sobre o estado da fiação elétrica da clínica ainda não foram levantados, mas os encaminhamentos indicam falta de manutenção, o que pode ter sido vetor do incêndio. Segundo a defensora, o caso foi registrado no 1º DP, na Sé, e que um inquérito foi aberto para investigar o caso.

Érika Hilton e Érica Malunguinho salientaram que o caso de Lorenna não pode ser considerado apenas como um erro de procedimento estético. As gestoras afirmaram a importância de se levantar quais as clínicas que estão fazendo esse tipo de cirurgia, se suas estruturas estão em bom estado para receber pacientes transexuais e se levam as etapas dos procedimentos com seriedade. 

Em entrevista exclusiva para a Alma Preta Jornalismo, minutos antes da coletiva, Hilton e Malunguinho ilustraram algumas questões que foram reacendidas com a perda de Lorenna, como as falhas do sistema público ao que diz respeito às melhorias na qualidade de vida das pessoas transexuais. 

“Esse caso demonstra a urgência de construção de políticas públicas voltada à saúde que atenda e trate a nossa população como uma população plural, com as mais variadas demandas, como a do próprio silicone, que para muita gente pode parecer uma questão estética, mas não é. Para nós, isso está ligado à qualidade de vida, ao pertencimento da identidade, a qualidade da vida sexual, a como eu me relaciono com a sociedade. Tudo isso precisa ser debatido, seja no âmbito municipal, estadual ou federal”, afirma Érika Hilton. 

A deputada ainda respondeu à discussão gerada sobre o porquê de Lorenna ter recorrido ao procedimento. Para Érica, o debate não é esse. “O debate tem que ser o motivo do porquê pessoas trans não podem contar com serviço de qualidade mesmo de forma privada. Nem todas nós sentimos a necessidade de recorrer aos procedimentos cirúrgicos, mas as que desejarem devem contar com um lugar adequado para a realização. Isso faz parte do direito sobre nossos corpos”, pontua a gestora.

Uma representação foi encaminhada ao Ministério Público de São Paulo para provocar ações do órgão na investigação criminal da morte de Lorena Muniz. A ação chegou ao Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância e à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, ambos do MP-SP. No documento, o alerta de que o trágico desfecho de Lorena soma-se às estatísticas sobre a expectativa de vida da população transexual no Brasil.

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