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Modo de agir das polícias do Rio de Janeiro expande ciclo de violência

25 de junho de 2018

Uma face da segurança pública do Rio de Janeiro que vitimiza favelados e negros, incluindo crianças iguais a Marcos Vinícius, 14 anos, foi atingido por uma bala perdida a caminho da escola em 20 de junho

Texto / Monique Cruz
Imagem / UOL / Coletivo Papo Reto / Guilherme Prado

O Rio de Janeiro, a cidade (nada) maravilhosa, vem sendo mantida ao longo das últimas décadas como um grande laboratório de políticas públicas que serão replicadas por todo país, principalmente no campo da (in)segurança pública.

Nesse tempo, recursos públicos foram investidos de forma massiva na aquisição de armamentos de grosso calibre, como carros e helicópteros blindados, os conhecidos caveirões, tecnologia de vigilância, armamento menos letal, entre outros.

Como estratégias gestadas e desenvolvidas nesse grande laboratório, podemos citar os Decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs), que garante o uso das forças armadas em meio urbano – baixados na cidade desde a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (ECO 92) –, os formatos de policiamento de proximidade, como o Grupamento de Aplicação Prático-Escolar (GPAE) com a colocação de bases comunitárias, implementado também na década de 1990 com a colocação de bases, e as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas em 2008.

Podemos citar ainda as estratégias de criminalização pelo judiciário, materializado pela Súmula nº. 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que condena pessoas – como fez com Rafael Braga – apenas com o depoimento de policiais. Tem ainda quem invista no legislativo para acabar com os direitos de pessoas privadas de liberdade, como é o caso do PL 1919/2016, de autoria da Deputada Lucinha (PSDB) e dos Deputados Luiz Paulo (PSDB) e Luiz Martins (PDT), que visa proibir o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS).

As crianças e “os suspeitos” que podiam morrer

Na cidade de paisagens mundialmente conhecidas, crianças são assassinadas por policiais a caminho da escola ou dentro dela. Foi o que aconteceu com Marcos Vinícius, de 14 anos de idade, morto em uma favela da Maré, e com Maria Eduarda, morta aos 13 anos, em Acari.

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Mãe de Marcos Vinicius com a bolsa e a blusa que o filho estava quando foi alvejado (Foto: UOL)

Importante notar que a despeito da dor que não cessa, mas aumenta a cada notícia, são casos que se repetem. Muitos de nós sequer soubemos do caso de Alana Ezequiel, morta aos 13 anos no Morro dos Macacos, ou de Christian de Andrade, morto na favela de Manguinhos, em 2015.

Todas as crianças citadas foram mortas atingidas pelas costas.

A vida negra e favelada vale pouco ou nada em um país que amarga mais de 60 mil homicídios por ano, de acordo com o Atlas da Violência de 2018. A vida das crianças vale pouco. As fake news apareceram imediatamente para justificar as mortes; já no caso dos “outros mortos”, os “suspeitos”, a vida vale nada, nem uma linha com seus nomes.

Tanto no caso de Marcos Vinícius, quanto no de Maria Eduarda, e de outros jovens negros foram executados: na Maré foram seis; em Acari, dois; neste caso, a execução foi filmada e o registro circulou em rede nacional. Além disso, houve confirmação de que os policiais envolvidos tinham juntos 37 registros de homicídios realizados em serviço e, ainda assim, nada! Nenhum dos “outros mortos” de ambos os casos citados fora identificado nas matérias de jornal ou TV. Esses seriam “suspeitos” e, portanto, se “bandido bom é bandido morto”, eles não seriam dignos de comoção por terem sido executados.

A democracia racial não existe

Neste recente e quase morto Estado Democrático de Direito construído sobre a mentira da democracia racial não há comoção com os corpos negros ensanguentados carregados em lençóis pelos agentes da lei, tampouco há indignação quando agentes públicos se tornam comentaristas de TV e anunciam a caçada a pessoas nas favelas.

Marcus Amin, delegado de polícia e comentarista de segurança em um programa policialesco, em duas ocasiões diferentes publicamente – 10 de agosto de 2017 e 14 de junho de 2018 – disse que “não tem medo dos direitos humanos” e que iria “caçar os responsáveis” pelos assassinatos de seus “irmãos de farda”. Na publicação do dia 14 de junho, ele disse “não adianta botar em Facebook, dizendo que foi criança baleada… mentira!”

 

Legenda: Marcus Amin, delegado de polícia e comentarista, fala sobre vingança dias antes da morte de Marcos Vinicius (Imagem: Coletivo Papo Reto)

Mesmo sem tempo hábil para uma resposta pericial, em ambos os casos, horas depois das mortes, o poderio bélico da força policial de dezenas de delegacias fora mobilizado. O resultado: na favela do Jacarezinho, os moradores contabilizaram oito mortos, entre eles Seu Tião, que teria sido executado com três tiros disparados por um policial.

As operações de vingança se tornaram a principal forma de atuação da polícia civil no Rio, altamente militarizada, ou como dizem os mais velhos, “armada até os dentes”. A polícia, constitucionalmente responsável por investigar crimes, hoje é responsável por grande parte dos autos de resistência, homicídios “por oposição à intervenção” policial, registrados no estado.

Exemplo da inoperância da polícia do Rio de Janeiro no que tange à elucidação de casos de homicídios é o completo silêncio em relação ao assassinato, de notoriedade global, da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março.

As estratégias de “segurança” são genocidas

O que estamos acompanhando no estado do Rio de Janeiro é a implantação de um caos urbano e ações letais das polícias e forças armadas (não esqueçamos os oito mortos que “ninguém matou” no Salgueiro em novembro passado), que somente aprofundam o quadro de barbárie instaurado por via da circulação de armas legal e ilegalmente.

O uso da dita guerra às drogas como estratégia genocida vem vitimando não somente crianças e adultos com tiros, mas também vem adoecendo as mães, aumentando os riscos das doenças preexistentes, piorando quadros de hipertensão e outras enfermidades físicas e mentais.

A violência letal do Estado direcionada às favelas e periferias, nossa velha conhecida, está em escalada crescente com a intervenção (militar) federal. Afinal, temos um Estado Democrático de Direito que aprofunda desigualdades baseadas no racismo sobre o qual se construiu essa nação e usa o poderio bélico das grandes indústrias para conter as possíveis revoltas que possam ser gestadas no corpo negro cansado da chibata, sujando o ambiente com nosso sangue como prometeu, na TV, o delegado Marcus Amin.

Monique Cruz é pesquisadora em Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global.

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