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“Não é possível dizer que ali existia alguém que estava em processo de adoecimento”, afirma especialista sobre o caso William

27 de agosto de 2019

Em entrevista, psicólogos reafirmam a motivação racial na execução de William Augusto da Silva, morto na Ponte Rio Niterói na semana passada

 Texto / Edda Ribeiro | Edição / Pedro Borges | Imagem / Reprodução

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Depressão, surto psicótico, loucura e outros termos relacionados a estado mental foram proclamados durante a manhã de terça-feira, 20, para justificar a ação do jovem William Augusto da Silva, de 20 anos.

Após declaração do governador Wilson Witzel sobre um parecer médico de William, supostamente feito durante as negociações, especialistas da área de psicologia, segurança pública e rede de saúde mental pública questionam o espaço da segurança pública, em detrimento da saúde mental no momento do sequestro. Além disso, afirmam que a motivação para executar o jovem também foi racial.

“No momento em que se entendeu como surto psicótico, a decisão tomada foi matar. A questão a ser pesar é o fato de ser um rapaz jovem e negro. O foco na segurança, que prioriza ‘matar os loucos e procurar os próximos’, intensifica o genocídio da população, e assim, o discurso do viés manicomial, de prender e matar. Essa relação também colabora para associar loucura e violência”, critica a psicóloga Luiza Santiago, que atua na rede de atenção psicossocial na zona oeste do Rio.

Em coletiva de imprensa, o comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), coronel Maurílio Nunes, afirmou que William tinha o perfil de “lobo solitário”. “A ação dele pode startar outras ações. É importante a gente verificar isso pra gente identificar outros loucos”, disse.

“Aqueles que estão nos cargos executivos, como Witzel e Bolsonaro, usam recorrentemente o termo ‘abate’. Isso reforça uma política de morte, e de uns, que são os mais vulnerabilizados. Ela não é só autorizada pelo Estado, mas também efetuada por ele, com discursos de ódio, marcados racial e socialmente”, explica a pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFRJ Roberta Brasilino.

Segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, nos primeiros sete meses, a Polícia Militar do Rio já matou 1.075 pessoas. A instituição é responsável por 40% das mortes na cidade.

Luiza questiona ainda o parecer feito pelo psicólogo que estava na ponte. “O diagnóstico deve ser feito na presença da pessoa. Não sei como ele (psicólogo) tratou isso, e entendo que possa ser ferramenta para o trabalho da polícia, mas não considero a mais segura e confiável. Não é 100% confirmada”, defende.

O membro colaborador do Conselho Regional de Psicologia (CRP-RJ), Micael Castagna, crê que o uso antecipado da ideia de loucura durante o sequestro está inserido sistematicamente na sociedade.

“Ainda se entende muito a saúde mental baseada em modelos de normalidade. Há movimentos que tentam colocar uma diversidade em prática. O trabalho não é necessariamente de inclusão de um ‘diferente’, e sim de conviver com condições diferentes. Tudo que não se explica, como uma atitude que se supôs suicida, se coloca na loucura, ou psicose, ou qualquer outra palavra para interpretar esse tipo de situação”, esclarece.

Repercussão internacional

Após a repercussão do caso nas redes sociais, como o Twitter, também teve destaque na imprensa internacional. O Clarín, jornal espanhol, escreveu que “o sequestrador não explicou os motivos de seu ataque”, e mencionou que este tinha problemas psicológicos. O francês Le Figaro publicou a fala do Coronel Nunes descrevendo William como “psicótico”.

Outra crítica apontada pelos especialistas foi em relação ao pouco empenho em falar da saúde mental nas reportagens relacionadas ao ocorrido.

Para Roberta, a reprodução dos termos usados na cobertura, antes ou depois da declaração oficial do governador, evidenciam a produção histórica de inimigos. “O louco perigoso já foi usado historicamente para uma série de violações de direitos. O uso “surto”, “louco” ou semelhantes diz de uma maneira de se entender o adoecimento mental hoje. William não teve acompanhamento na rede de atenção psicossocial. Afirmar esse suposto surto foi bom como justificativa apenas para o próprio processo de abate”, endossa.

“Essas matérias trazem viés da segurança, e não da saúde. Por quê não se fala sobre o SUS e os desmontes da atenção psicossocial? Assim como a sociedade, a imprensa também facilmente vai chamá-lo de louco, psicopata, e pouco vai se falar da importância dos tratamentos pelo SUS, por exemplo”, cita Luiza. E completa: “Se entende que ele (William) não responde por si, mas o primeiro pensamento é que tratar violentamente é a única solução”.

Roberta acredita que a política reforce os tradicionais métodos de internação na saúde mental. “Tivemos recentemente casos em que a justificativa foi o adoecimento. Isso está sendo usado como política de justificativa de internação, retirada de circulação e convívio social, enquanto aumenta o sucateamento das políticas da rede pública de saúde”, reitera.

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