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“Negritude de jaleco”: Conheça a mineira que descomplica a medicina com criatividade

“Sendo mulher preta e pessoa com deficiência, muitas pessoas criam um apagamento da minha condição e eu venho para reafirmar o quanto nós somos plurais”. Estudante de medicina, Isabella Maria virou referência nas redes sociais com conteúdos bem humorados relacionados com a área da saúde

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Reprodução/Negritude de Jaleco

medicajaleco

15 de abril de 2021

“Descomplicando a medicina com amor, humor, empoderamento e ativismo”. É assim que a universitária Isabella Maria se identifica nas redes sociais. Há pouco mais de um ano, a mineira decidiu acessibilizar os conteúdos que aprende na Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), com intuito de conscientizar os seguidores pautando também, questões raciais. Hoje, a influencer conta com quase 34 mil seguidores, que interagem e a questionam sobre os mais variados temas na página ‘Negritude de Jaleco’. 

Natural do município de Bom Sucesso, na região Sul de Minas Gerais, há três anos, Isabella partiu para a região Centro-Oeste do Estado. Atualmente moradora de Divinópolis, ela divide a sua rotina entre os estudos e o trabalho com as redes sociais. Em Abril do ano passado, ainda no início da pandemia pela COVID-19, a universitária encontrou na internet um caminho para compartilhar suas vivências enquanto mulher negra atuando em um campo onde corpos negros não são a maioria. 

Após comentários publicados sobre o caso do assissnato de George Floyd, nos Estados Unidos, e a movimentação política contra as práticas de truculência nas abordagens policiais com pessoas negras, Isabella viu sua conta no Instagram aumentar ativamente o número de seguidores. A audiência serviu de estímulo para cruzar seu conhecimento em medicina com as questões raciais. “Percebi que falar de racismo, apenas, era falar de uma dor coletiva, de uma luta constante, em que as pessoas, por muitas vezes, se fazem dispostas para atuarem na linha de frente, mas, na verdade, estão em busca de aprovação. Por isso parti, em uma linguagem mais simples e acessível, a cruzar meus conhecimentos, abordando temas tabus, como sexualidade, um tema que não chega facilmente em mulheres de perfil como o meu, pretas e periféricas”, explica Maria. 

Por não encontrar este tipo de conteúdo nas páginas que acompanhava, a universitária também conseguiu colocar como meta facilitar o entendimento sobre temas que seus seguidores apresentavam nas caixinhas de perguntas. Sempre ligada às matérias do corpo humano, no ensino fundamental e médio, Maria, desde que nasceu, precisou lidar com uma deficiência motora no braço direito. Essa experiência pessoal elevou sua sede por conhecimento. “Eu ficava insatisfeita com os acompanhamentos médicos que tive e como eram feitas as abordagens e os pareceres. Sempre saía das consultas com vontade de pesquisar mas, de entender mais sobre mim e sobre a complexidade da funcionalidade do corpo das pessoas. Com isso, coloquei em mente que o que não estavam fazendo por mim, eu mesmo iria fazer”, explica. 

Para a produtora de conteúdo, ter escolhido medicina foi e é um ato político. “Através dessa produção de conteúdo, de todo esse trabalho que faço, tenho em minhas mãos o poder de conscientizar as pessoas e de mostrar meu posicionamento diante das questões relacionadas à saúde, que é de diminuir as problemáticas geradas pelas disparidades raciais. Tudo isso para que os espectadores e as pessoas que me acompanham, entendam a medicina não como àquela área de diagnóstico, apenas, mas como uma ferramenta que se preocupa com as vivências, as histórias e os sentimentos de cada um”, pontua Isabella.  

Mesmo na luta de contar a história e conquistar respeito por sua vivência, Isabella relata que, no ambiente acadêmico, já passou por situações de preconceito com sua condição. Em um espaço extremamente elitizado, a universitária passou a perceber e entender o racismo institucional e batalhar para seguir com seu sonho de sair graduada. “Lembro de dias de prova que fui colocada para sentar com cadeiras marcadas para o lado direito, desconsiderando minha condição motora ou em apresentação de trabalho que, docentes de Sociologia desvalidar a minha vivência e davam a entender que sabiam mais de recorte racial e as problemáticas envolvendo raça do que eu’, relembra. 

Situações como essa a fizeram lutar para promover mais acesso à informação e inspirar outras pessoas negras e com deficiência que sonham com o curso superior. A universitária ainda afirma que encontrou nas redes sociais uma maneira oportuna de fortalecer a sua carreira e de dar voz aos seus. “Sendo mulher preta e pessoa com deficiência, muitas pessoas criam um apagamento da minha condição e eu venho para reafirmar o quanto nós somos plurais. A acessibilidade, por exemplo, não está na construção de uma rampa. A sociedade tem o costume de reduzir as nossas pautas e de nos condicionar ao que elas pensam sobre. Somos mais e podemos falar sobre tudo”, pontua Isabella. 

Como reconhecimento ao seu trabalho, o ‘Negritude de Jaleco’ passou a integrar uma plataforma de estudantes e profissionais de medicina que criam conteúdo para democratizar o acesso sobre os conhecimentos em saúde. Idealizado pela dermatologista negra, Monalisa Nunes, o ‘MedCreators’ realiza um trabalho de assessoria e desenvolvimento de carreiras na área. “Uma porta aberta e de reconhecimento. Uma forma de me ajudar e muito na tentativa de consolidar minha posição nessa área”, explica Isabella.

Leia também: Qual o impacto da má condução da pandemia na saúde da população negra?

Fã da medicina de família e comunitária, realizada nos postos de saúde em todo o país, Isabella pretende deixar um legado que mostra a importância da comunicação como um instrumento para empoderar e informar a população negra. A expectativa pela tão sonhado diploma é grande, mesmo sem ter decidido ainda a especialidade que deverá seguir. Nesse percurso, um lema a acompanha desde os primeiros passos na área: “Saúde não é ausência de doenças e, sim, a relação do indivíduo com o meio que ele vive”, finaliza. 

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