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Neurodivergentes: a luta de pessoas negras para além do racismo

Pessoas negras com condição neurológica diferente do que é considerado padrão pela sociedade enfrentam ainda mais preconceito
Getty Images

Foto: Getty Images

23 de novembro de 2022

A estudante e maquiadora baiana Laís Guimarães, 19, tem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Ela descobriu a doença neurobiológica ainda na adolescência. “Descobri que tinha TDAH com 17 anos, meus pais não deram atenção especial”, lembra.

Guimarães relata que nesse período ficou um ano fazendo exames até fechar um diagnóstico. “Quando descobri o TDAH foi meio que normal, pois já desconfiava do transtorno, porém como o psiquiatra me disse que, além do TDAH, eu também tenho TAG [Transtorno de Ansiedade Generalizada] e Discalculia [transtorno de aprendizagem que se manifesta em crianças em idade escolar], isso foi meio que um choque pra mim”, afirma.

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Ela fazia terapia na rede pública no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas precisou parar o atendimento porque essa rede foi cancelada em sua cidade. Hoje toma apenas remédios para diminuir a ansiedade e melhorar o sono.

Diferente da estudante, o jornalista paulista Cleberson Santos, 29, descobriu que tinha TDAH já adulto, entre 27 e 28 anos, no momento em que começou a terapia. “Minha psicóloga começou a pensar nessa possibilidade por conta de alguns comportamentos meus e sugeriu que eu fosse ao psiquiatra para confirmar”, recorda.

Assim como no caso de Laís e Cleberson, o TDAH afeta cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com dados da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). Eles são neuro divergentes, que consiste em uma pessoa que possui um desenvolvimento neurológico atípico. O termo foi criado ainda na década de 1990, sendo adotado pela comunidade autista e, logo após, passou a ser utilizado por outras comunidades.

Ele faz tratamento em uma rede particular que oferta atendimento a um preço acessível e usa o medicamento Cloridrato de Metilfenidato, conhecido como Ritalina. “Desde então faço tratamento, mas é engraçado que a sensação que eu tive foi mais de ‘agora tudo faz sentido’ do que de rejeitar o diagnóstico ou coisa do tipo”. Como o remédio não faz parte dos medicamentos gratuitos ofertados pela lista do Sistema Único de Saúde (SUS), Santos costuma procurar farmácias que oferecem a medicação com desconto.

Para além do racismo

Para driblar o preconceito e a falta de informação, Laís criou uma página no Instagram chamada TDAH Memes, que já conta com mais de 200 mil seguidores. “O que me motivou foi porque eu estava me sentindo triste pelo TDAH, e ao mesmo tempo tinha pouca informação sobre, então decidi fazer uma página de memes para amenizar a tristeza pós diagnóstico e fazer as outras pessoas se sentirem melhores”, recorda.

Já Cleberson afirma que por ser jornalista e ter acesso à informação, a profissão o ajudou na aceitação do diagnóstico. “Minha geração não teve um diagnóstico, uma percepção dos professores como é feita com as crianças hoje em dia, eu era apenas o menino que apesar da inteligência falava demais. Acho que o acesso à informação ajudou um pouco nisso também”.

O jornalista ainda relata não sofrer preconceito de maneira direta, nem por conta do racismo, nem por causa do TDAH, já que a consciência racial, de se entender como um homem pardo, também aconteceu na mesma época em que descobriu ter a doença.  “Entendi como algumas broncas que eu levava, como de interromper as pessoas durante uma conversa ou de fazer as coisas sempre em cima da hora, tinham total relação com essa condição”.

Estigma: obstáculo no tratamento psiquiátrico

As graduandas em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Bárbara Borges e Francinai Gomes, são pesquisadoras e criam conteúdo na página do Instagram Pra Preto Ler, sobre acolhimento para pessoas negras, com o intuito de que individual e coletivamente esse grupo possa lidar com os impactos da violência racial na saúde mental. Além de ministrar cursos e rodas de conversas, elas também criaram o Pra Preto Psi, um projeto que conecta pessoas negras a profissionais de psicologia de todo o país.

Borges e Gomes explicam que pessoas neurodivergentes costumam enfrentar estigma e preconceito. “Não à toa as pessoas negras que possuem transtornos como ansiedade generalizada e fibromialgia sofrem cotidianamente com a confusão entre a vivência dos sintomas característicos do adoecimento e rótulos como agressivo e preguiçoso, respectivamente”, explicam.

Elas ressaltam que assim como os pacientes que têm depressão, esse público é constantemente confrontado e cobrado sobre a exigência da força e da superação, classificada pelas criadoras de conteúdo como típicos estereótipos às pessoas negras. “Falar de saúde mental da população negra e os impactos psicossociais do racismo é fundamental para que os profissionais, mas também os indivíduos em sociedade, saibam lidar com um sujeito adoecido sem recorrer a estes estereótipos, visto que eles produzem mais violência”, pontuam.

A luta por direitos

A luta das minorias é constante no Brasil, assim como as pessoas neuro divergentes. A pauta da saúde mental, segundo as pesquisadoras, em muitos momentos da história do país se aproximou da população. Além de destacar as produções de intelectuais negros que prepararam o terreno para a produção acadêmica. “Neusa Santos Souza, Frantz Fanon, Vírginia Bicudo, Juliano Moreira, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e tantos outros intelectuais negros pautaram a saúde mental, buscando fazer conexões entre a colonização racista e a produção de adoecimento do sujeito negro”.

Elas afirmam que essa população tem direitos e que a maioria das pessoas negras não estão em um consultório clínico, mas sim, tendo acesso aos cuidados necessários via Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “Se falamos de SUS [Sistema Único de Saúde] e do projeto político de desmonte e privatização de direitos fundamentais, precisamos situar este plano como sendo, em essência, parte da necropolítica, posto que aproximadamente 60% das pessoas atendidas exclusivamente pelo SUS são negras”, defendem.

Para Borges e Gomes, o fortalecimento da atenção básica passa por maiores investimentos em políticas públicas, além da ampliação das discussões para a qualificação desse atendimento. “É através da RAPS que podem ser feitos encaminhamentos multidisciplinares que garantem dignidade e acesso à direitos básicos”, afirmam. E reforçam que “o projeto de desmonte, desampara um sujeito já abandonado pelas instituições, como a família, escola e Estado e, ao invés de acolhê-lo e informá-lo sobre os seus direitos, produz mais abandono, violência e desesperança”.

Essa reportagem faz parte da campanha #BemAmarelo:

O Instituto SulAmérica promove o movimento #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio – não apenas no Setembro Amarelo, mas em todos os meses do ano. Reforçando a mensagem de que saúde emocional importa e é um direito de todas as pessoas, a campanha oferecerá para quem mais precisa o acesso gratuito por 6 meses a teleconsultas psicológicas e conteúdos educativos.

Leia também: Pandemia contribui para aumento de busca por assistência psicológica

  • Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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