Estudos mostram que homens negros apresentam maior chance de diagnóstico de câncer de próstata, inclusive com riscos de evolução mais agressiva da doença. Pesquisa publicada no jornal científico Jama Network Open aponta que homens negros, nos Estados Unidos, têm de 60% a 80% mais chances de receber um diagnóstico de câncer de próstata e mais chance de esse diagnóstico ser em estágio mais avançado ou incurável, em relação aos homens brancos.
No Novembro Azul, campanha que tem como objetivo conscientizar os homens sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata, a oncologista clínica Abna Vieira, especialista em disparidades raciais no câncer, diz em entrevista à Alma Preta que a vulnerabilidade social, as barreiras no acesso à saúde e as falhas nas campanhas de prevenção podem estar associadas a essa maior incidência.
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“Os fatores de risco do câncer de próstata são obesidade, falta de atividade física, tabagismo, exposição a metais pesados e poluição, etc. E o que se sabe é que a população negra, de modo geral, está mais vulnerável a essas condições”, destaca a médica.
Confira a entrevista completa
Alma Preta: A maior incidência de câncer de próstata em pessoas negras tem algum fundamento biológico?
Abna Vieira: Não há nada estabelecido em relação à questão biológica para explicar a maior incidência de câncer de próstata em homens negros. Muito se interroga se seriam fatores genéticos, mas não se pode afirmar isso, até porque homens negros têm menos acessos a estudos de avaliação genética.
Os homens negros têm risco maior a essa doença, isso é um fato, e quando diagnosticada, ela é ainda mais agressiva e até avançada. Mas será que não é por causa de outros indicativos de risco em detrimento de genética? Os fatores de risco do câncer de próstata são obesidade, falta de atividade física, tabagismo, exposição a metais pesados e poluição, etc. E o que se sabe é que a população negra está mais vulnerável a essas condições.
Um indicador recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é a autoavaliação em saúde, que é quando o paciente reconhece alterações no próprio corpo que podem indicar alguma doença, e a população negra em geral tem pior autoavaliação. Isso é um risco porque as neoplasias são silenciosas e até a manifestação dos sintomas, elas já podem ter se desenvolvido. Por isso, campanhas como o Novembro Azul chamam atenção para os exames.
Acaba que fica muito estigmatizado. Os homens negros estão mais propensos ao câncer de próstata sim, mas por quê? Isso não surge do nada. É por causa de todos os fatores de riscos a que eles estão expostos. Coisas que dependem do acesso à saúde e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra está aí, e precisa ser aplicada.
Existe alguma prevenção específica para a população negra, considerando que os riscos para ela são maiores?
Ainda não há uma indicação específica que mude, por exemplo, a idade de pessoas negras para realizar o exame do câncer de próstata, que hoje é de 50 anos para todos os públicos. Mas é importante que essa população esteja atenta e procure o serviço de saúde.
As campanhas precisam se direcionar também para a prevenção. Ou seja, homens negros precisam saber que exercício e controle de peso auxiliam na prevenção, principalmente se ele já tiver fatores de risco, como tabagismo e histórico familiar em primeiro grau, por exemplo.
As campanhas de alerta sobre a doença têm conseguido chegar até o público-alvo?
A academia, assim como as pesquisas, falham muito em conseguir falar com a população, principalmente minorizada. É preciso entender que a prevenção começa na atenção primária, por isso, a gente precisa de um serviço de saúde que funcione em seu nível básico e que tenha representatividade.
Estudo de abril deste ano, da revista Jama Network Open, avaliou os condados norte-americanos e concluiu que, para cada 10 médicos negros na atenção primária, a expectativa de vida da população negra aumentava em 31 dias. Esses médicos não precisavam atender, só de estarem lá já aumentava a expectativa de vida do paciente. Isso levanta uma série de hipóteses.
Será que os homens negros não procuram o serviço de saúde porque não se veem representados nas equipes médicas das campanhas de Novembro Azul?
Outro ensaio clínico publicado na mesma revista, sugere que as informações sobre o câncer de próstata foram consideradas mais confiáveis quando fornecidas por um médico em concordância racial do paciente adulto negro. Isso destaca a importância do aumento da diversidade racial entre os médicos e equipe assistencial em geral na divulgação pública de informações de saúde, para atingir o público almejado.
Sem falar na falta de representatividade nos estudos clínicos. Na maioria dos estudos clínicos de oncologia realizados nos Estados Unidos, apenas de 3 a 5% de todos os participantes são negros. Se a população não está representada, como posso afirmar que aquele tratamento é tão bom para a população negra como para as demais populações representadas? Essas discussões passam muito por isso.