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Novo ensino médio pode aumentar desigualdade no acesso às universidades, avaliam educadores

Uma das maiores preocupações apontadas por estudantes e educadores é como as diferenças entre escolas com mais e menos recursos e estrutura podem impactar no acesso ao ensino superior

Foto mostra vários alunos reunidos e ilustra texto sobre o novo ensino médio.

Foto: Imagem: Zoey/ Nappy

14 de fevereiro de 2022

O Novo Ensino Médio passou a ser implementado neste ano nas redes de ensino de todo o país e tem dividido a opinião de especialistas e profissionais da educação sobre os prejuízos ou benefícios de sua aplicação. Dentre as maiores preocupações dos educadores e estudantes, sobretudo de escolas públicas, está no quanto o acesso às universidades será impactado pela acentuação das desigualdades.

O novo modelo é composto por um currículo básico com disciplinas obrigatórias que vão ocupar 60% do total do ensino e que tem 1.800 horas divididas entre os três anos dessa etapa da educação básica. O restante da formação do aluno será preenchido pelos chamados Itinerários Formativos, que tem 1.200 horas no total e em que o estudante escolhe as áreas de conhecimento que vai estudar a partir de seus interesses, o que inclui também a possibilidade de formação técnica.

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Cada escola deve oferecer de dois a cinco itinerários em áreas como matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagens. Uma das críticas apontadas sobre esse modelo é o fato de que as opções de itinerários formativos vão variar em cada unidade de ensino, dependendo das possibilidades de oferta dessas escolas, o que pode propiciar mais desigualdades entre escolas com mais e menos recursos.

De acordo com Yasmim Farias, diretora da Associação dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro e estudante do 3° ano do ensino médio, o novo modelo se propõe a ser uma solução para os problemas encontrados na educação hoje, como a evasão escolar, o baixo desempenho educacional e a dificuldade da inserção de jovens no mercado de trabalho, mas é permeado de muitos problemas.

“Como será possível implementar um novo ensino médio se não temos verba nem para o ensino médio de hoje? Então, se avaliamos as condições com sinceridade, rapidamente podemos perceber que esse novo ensino médio é excludente e prejudicial aos alunos. Sem contar que não houve nenhuma consulta com os estudantes, a maioria deles nem sabia da existência dessa reforma. Foi um processo extremamente autoritário”, questiona a estudante.

Mais desigualdade no acesso às universidades

De acordo com Tania Pacífico Hreisemnou, pedagoga da rede pública estadual e dirigente sindical do Núcleo Curitiba/Sul da Associação dos Professores do Paraná – Sindicato, o novo modelo de ensino médio pode contribuir com o aumento das desigualdades no acesso às universidades devido à falta de professores, de estrutura, de formação e descaso com os profissionais da educação. De acordo com a pedagoga, esses problemas acabam prejudicando, principalmente, os alunos da escola pública.

A reforma do ensino médio é uma discussão antiga, principalmente, diante do cenário de que essa é a etapa do ensino com muitos desafios, como os menores índices de desempenho e o alto número de evasão e abandono escolar. A taxa de abandono na rede pública de ensino médio é de 6,9% frente ao índice de 2,9% de evasão nos anos finais do ensino fundamental, de acordo com dados de 2018 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Em 2014, o Brasil incluiu a renovação dessa etapa final do Ensino Básico entre as estratégias do Plano Nacional de Educação e, em 2017, a Lei n° 13.451/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio, foi aprovada pelo governo Michel Temer com aumento de carga horária e currículo mais flexível. Em 2018, a aprovação da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio definiu o que seria ofertado nessa etapa do ensino.

“A reforma do ensino médio é extremamente necessária, porém a escola precisa ser estruturada fisicamente e pedagogicamente. A reforma é necessária, mas não como foi feita e por um governo que não valoriza a educação e as profissionais e os profissionais da educação. Não adianta ter a reforma sem estrutura. Na verdade, a reforma não se consolidará dessa forma”, destaca a pedagoga.

O educador, jornalista e escritor Alexandre Sayad acredita que o novo ensino médio traz proposições benéficas ao ensino, com uma transformação curricular em torno de deixar a educação mais interessante e dinâmica para o aluno, aproximando também o mercado de trabalho, mas tem pontos que precisam ser resolvidos.

“A primeira coisa é a formação dos profissionais, gestores e dos professores para esse modelo de currículo flexível. Enquanto a formação do professor, tanto inicial como contínua, não for transformada, ele não vai conseguir dar conta do que propõe o novo ensino médio na rede de escolas públicas que o Brasil tem”, complementa o educador.

Além disso, ele destaca que questões de desigualdade anteriores ao novo modelo, como problemas estruturais presentes nas escolas, falta de banheiros, acesso à internet e salas de aula bem equipadas, por exemplo, também é um fator básico a ser resolvido.

“O estudante da escola pública já sofre muito com menores desempenhos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e outros índices de avaliação. Eles vão ser prejudicados na entrada da faculdade sem dúvida alguma. Se o ensino médio não tiver uma bela implementação de formação de educadores e gestores em um nível igualitário no Brasil, dentro da educação pública, se gera desigualdade, sim”, ressalta Alexandre Sayad.

Com uma aplicação que começa neste ano, o novo ensino médio chegará nos três anos finais em 2024. Ainda não se sabe como o Enem e outros vestibulares serão adaptados para comportar a nova realidade. O educador Alexandre Sayad, acredita que sistemas de ação afirmativa como cotas precisam ter também uma atenção especial às discrepâncias que serão geradas com o novo modelo.

“Acredito em mecanismos de democratização de acesso do ensino superior e que eles funcionem também nesse caso e que também sejam usados”, complementa.

A pedagoga Tania Pacífico destaca que vivencia hoje problemas e dificuldades no exercício da profissão com a implementação do novo ensino médio na escola em que trabalha, como estruturas que não correspondem à realidade pensada e também falta de professores, o que deixa alunos sem aulas e atividades. “O novo ensino médio só dará certo, com uma estrutura física adequada, profissionais bem remunerados e tempo adequado para preparação de aulas com conteúdos bem sistematizados”, ressalta.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que adia a implantação total da reforma do ensino médio para 2024. Além disso, a reforma prevê flexibilização da grade curricular, articulação com educação profissional e o regime integral.

“É temerário dar prosseguimento a uma reforma que altera de modo estrutural a última etapa da educação básica no País, sobretudo se considerarmos que em 2022 as escolas retornarão de um período bastante conturbado devido à pandemia de Covid-19”, afirmou a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) em matéria da Agência Câmara de Notícias.

Leia também: Racismo e educação: estudantes negros relatam os desafios de permanecer no ensino superior

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