O relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), registrou um aumento de 26% no número de pessoas envolvidas em conflitos por terra no país. Ao todo, 336.790 pessoas foram impactadas, número que supera o de 2023 (266 mil). O total de conflitos por terra se manteve estável: 1.768 casos em 2024 contra 1.766 no ano anterior. Trata-se do maior número da última década.
Esse crescimento reflete maior escala nos conflitos, com aumento de casos de ocupações, retomadas e disputas envolvendo comunidades inteiras, incluindo indígenas, quilombolas, camponeses e outros grupos rurais.
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O total de 2.185 conflitos no campo registrados em 2024 — somando disputas por terra, água, trabalho e resistência — representa a segunda maior marca da série histórica da CPT, iniciada em 1985. O número só é superado pelo de 2023, que teve 2.250 registros.
A CPT destaca a persistência de um padrão de violência estrutural contra os povos do campo, com presença constante de grilagens, ameaças, despejos e omissão de autoridades.
Conflitos por água e contaminação por agrotóxicos também aumentam
Além dos conflitos por terra, o relatório chama atenção para o crescimento das disputas por água: 266 ocorrências, um aumento de 16% em relação a 2023. A maior parte das disputas envolve resistência contra a apropriação privada de recursos hídricos e construção de barragens.
Outro dado em destaque é o número de ocorrências relacionadas à contaminação por agrotóxicos, que alcançou 276 registros — o maior da década — com 17.027 famílias afetadas, aumento de 763% no número de conflitos e 582% no número de famílias atingidas em relação ao ano anterior. O Maranhão concentrou 228 dos casos, com pulverizações aéreas frequentes.
Trabalho escravo e violência contra a pessoa
Em 2024, a CPT identificou 151 ocorrências de trabalho escravo, com 1.622 pessoas resgatadas, incluindo 38 crianças e adolescentes. Embora esses números representem uma queda em relação a 2023, a CPT alerta que a redução pode ter sido influenciada pela greve dos auditores fiscais do trabalho, que limitou ações de fiscalização.
As violências contra pessoas no campo totalizaram 455 ações contra 1.165 vítimas, entre elas 222 mulheres e 182 menores de idade. Embora os números representem uma queda de 20% em relação a 2023, o relatório destaca que as tentativas de assassinato aumentaram 43%, com 103 casos registrados.
Grupos organizados e questão ambiental
O relatório também chama atenção para o avanço de grupos como o “Invasão Zero”, fundado na Bahia e ligado a grandes proprietários rurais. Em 2024, o grupo protagonizou ações violentas contra ocupações e acampamentos em várias regiões do país e influenciou projetos de lei para criminalizar movimentos sociais ligados à luta pela terra.
O material relaciona os conflitos agrários com a expansão das fronteiras do agronegócio e da mineração, principalmente em regiões como a AMACRO (área entre Amazonas, Acre e Rondônia), onde houve aumento de desmatamento ilegal e incêndios. Segundo a CPT, trata-se de um modelo de desenvolvimento que avança sobre florestas e territórios tradicionais, resultando em violência, expulsões e degradação ambiental.
A edição de 2024 marca o cinquentenário da CPT, que também celebra os 40 anos do seu setor de documentação. Segundo a entidade, a sistematização dos conflitos visa não apenas a denúncia, mas o fortalecimento das lutas populares por terra, água e dignidade no campo.