O 13 de maio é lembrado como o data da assinatura da Lei nº 3.353, a Lei Áurea, que em 1888 aboliu oficialmente a escravidão no Brasil. No entanto, pouco se fala sobre o período anterior à abolição, marcados por articulações e revoltas, e o pós-abolição, que manteve a população negra refém das consequências sociais, econômicas e políticas herdadas do regime escravocrata.
A pedagoga Luiza Mandela, mestre em Relações Étnico-Raciais e doutoranda em Educação, destaca que o processo de abolição foi resultado de uma longa trajetória de resistência protagonizada pela população negra em diferentes regiões do Brasil.
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“Esse 13 de maio que a gente aprendeu na escola, que a princesa Isabel assina, não é o 13 de maio que realmente aconteceu. Antes de 1888, várias revoltas já estavam acontecendo por todo o Brasil, inclusive a revolta liderada por Dragão do Mar de Aracati fez com que o Ceará fosse liberto em 1881. Nós tivemos também a revolta dos Malês em 1835, que ali, por mais que tenha sido uma revolta de um dia, foi considerada a maior rebelião urbana de escravizados no Brasil, liderada por Luísa Mahin”, aponta, em entrevista à Alma Preta.
Outros movimentos também foram considerados importantes para o processo de abolição, como a Revolta da Sabinada, ocorrida entre 1837 e 1838, liderada por Francisco Sabino.
“Tivemos também a Sabinada, Balaiada, entre outras revoltas que foram articuladas e organizadas por pessoas escravizadas, mostrando que nossos ancestrais sempre foram organizados. Esses movimentos foram resultado de organizações negras no período colonial e que pressionaram a princesa Isabel para que ela fizesse esse movimento de abolição”, complementa.
Letramento racial e desigualdade
Mesmo após 137 anos da assinatura da Lei Áurea, as narrativas de lideranças negras são pouco abordadas e valorizadas na educação. Para Luiza, a forma como a história é contada contribui para o apagamento da história negra e indigena no país.
“É importante a gente sempre trazer a narrativa que a escola não nos contou e a gente precisa cada vez mais trazer esse letramento racial para mais pessoas que não conhecem a verdadeira história do povo negro, que acham que realmente começou na escravização e não é verdade”, avalia.
As consequências do período escravocrata ainda são vividas pela população negra e se refletem nas estatísticas de desigualdade racial no Brasil.
Luiza Mandela destaca que é fundamental refletir também sobre o 14 de maio, o dia seguinte à abolição, quando as pessoas que deixaram de ser escravizadas ficaram sem estrutura e recursos básicos como educação, moradia e emprego.
“Não se fala do 14 de maio, em que as pessoas que ‘deixaram de ser escravizadas’ ficaram sem acesso à saúde, educação, moradia, emprego, sem uma vida digna, sem condições de se reerguer. E por isso nós sofremos as consequências até hoje. A população negra é a maior em taxas de desemprego, analfabetismo, encarceramento em massa e é consequência desse passado colonial escravocrata que a gente não pode esquecer, que a gente não pode deixar de lembrar que é por consequência desse processo de 388 anos de escravização”, reforça.
O sociólogo Tadeu Kaçula, formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP), também reforça a importância de refletir sobre o processo da abolição a partir do dia 14 de maio.
“É fato que esse foi o dia em que mais de 5 milhões de homens e mulheres negros foram condenados a viver subordinadas a uma República escravista, racista e excludente que inviabilizou a inclusão da população negra nas política pensadas para estruturar o Estado brasileiro”.