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“O cenário apresentado pela piauí é reflexo do racismo estrutural”, afirma professor da USP

1 de agosto de 2018

Divulgação da equipe de colunistas da piauí, com sete homens brancos e duas mulheres brancas, sem a presença de um único negro, reacendeu a discussão sobre representatividade negra; depois da repercussão, revista acrescentou duas mulheres negras ao time

Texto / Pedro Borges
Imagem / Pexels

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No dia 14 de julho, a piauí divulgou o time de colunistas para comentar as eleições de 2018 no Brasil. Entre os convidados, que colaborarão com textos semanais e quinzenais, havia sete homens brancos e duas mulheres brancas. Nenhum negro.
No texto de abertura, o diretor da redação da revista disse: “Os colunistas têm diferentes orientações políticas, o que é saudável.”
Depois de publicar o anúncio nas redes sociais, muitos foram os comentários questionando a ausência de negros e a baixa presença de mulheres entre os convidados.

Duas semanas depois, em 27 de julho, a piauí acrescentou ao time de colunistas Suellen Guariento, doutoranda em ciências sociais na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e Fabiana Moraes, docente do curso de comunicação social da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Apesar das mudanças, Fernando Barros, diretor da piauí, concorda que mesmo com a inclusão da pesquisadora e professora negras, ainda há uma grande diferença de representatividade negra e feminina entre os colunistas.

Ricardo Alexino, jornalista e professor livre-docente de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), acredita que a discrepância e a superrepresentação de homens brancos seja um espelho da sociedade.

“O cenário apresentado pela piauí é reflexo do racismo estrutural e da hegemonia masculina branca em relação a gênero.”
Por isto, Helaine Martins, idealizadora do projeto “Entreviste um Negro”, diz não se surpreender com a discrepância existente entre negros e brancos no time de comentaristas da piauí.

“A ausência de diversidade, infelizmente, não é novidade. O jornalismo brasileiro é um caso-modelo de reprodução das nossas relações, sejam raciais ou de gênero. E é sempre dessa mesma forma: invisibilizando e silenciando negros e mulheres.”

A equipe de colunistas, dedicada a acompanhar as eleições no Brasil, preocupa pesquisadores, porque, ao não representar a sociedade brasileira, também não permite uma análise consistente da realidade a partir das perspectivas de raça, classe e gênero.

“Eu não consigo enxergar a possibilidade de se falar em política no Brasil sem haver perspectiva de raça ou falar de racismo. E eu nem falo em ‘recorte’ porque é preciso se entender que somos uma minoria social que é maioria, estatisticamente falando. Portanto, não dá para tratar as questões raciais como um conteúdo de nicho, como se fôssemos exceção”, afirma Helaine.

Quadro geral

Diversas pesquisas e levantamentos foram feitos no Brasil para apresentar aquilo expresso na imprensa brasileira: a desproporcional representação de negros e brancos.

Levantamento feito pela Revista Vaidapé, entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017, checou 204 programas de TV, de sete emissoras (Cultura, SBT, Rede Globo, Rede Record, RedeTV!, Gazeta e Bandeirantes), e traçou o perfil de 272 apresentadores.

O resultado mostrou que apenas 3,7% dos apresentadores são negros, o que equivale ao número absoluto de 10 pessoas, contra 261 brancos. Outro dado que chamou atenção é que os negros estão distribuídos em 80% em programas de entretenimento e 20% em religiosos. Nenhum negro apresentava um programa jornalístico, educativo ou infantil, de acordo com o levantamento.

Ricardo Alexino acredita que a discrepância na mídia, de maneira geral, se trata de reafirmação ideológica da supremacia branca e masculina.

“Marilena Chauí, professora sênior da USP, diz que ideologia é a transformação das ideias dos grupos dominantes como sendo de toda a sociedade. Por esse motivo, é muito comum ver os grupos das diversidades colocados na voz passiva e não na voz ativa, em matérias veiculadas”.

O jornalismo também foi objeto de estudo do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas), da UERJ, que analisou os colunistas dos três principais jornais brasileiros (Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo) a partir de perspectiva de raça e gênero. O material é referente ao ano de 2016.

As mulheres, maior parte da população brasileira, são entre 26% e 28% dos colunistas dos jornais. Do ponto de vista racial, os negros são 9% dos colunistas de O Globo, 4% da Folha de S. Paulo e 1% do Estadão.

Helaine Martins, diante do fato acerca da piauí e do quadro geral da mídia brasileira, destaca a necessidade de se desenvolver no país uma ação afirmativa dentro de imprensa.

“Por isto mesmo, eu acredito que ações afirmativas são urgentemente necessárias para que absurdos como o da piauí não se repitam”, afirma.

Outro lado

Fernando Barros, diretor da piauí, conversou por telefone com a equipe do Alma Preta e afirmou que a segregação social à qual estão expostos negros e negros é um dos principais problemas do país.

“A exclusão dos negros é um dos principais problemas do Brasil. Mesmo as pessoas de esquerda nunca tiveram isso como problema central.”

Fernando Barros relatou que esperava pela confirmação das participações de Suellen Guariento e Fabiana Moraes, as duas mulheres negras que completaram a equipe de colunistas, mas a divulgação do time foi antecipada pela vontade de apresentá-lo ao público. Além disso, ele acredita que haver maior diversidade no quadro de colaboradores é importante para os leitores.

“Estas questões estão entrando na revista não porque se trata de concessão. Isto é necessário e quem ganha é o jornalismo”.

Lista de indicações

O Alma Preta preparou uma lista com 10 pessoas negras que poderiam compor a equipe de comentaristas sobre as eleições de qualquer veículo de mídia.

Rosane Borges

Jornalista, pós-doutora em ciências da comunicação, professora universitária, integrante da COJIRA-SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial), autora de diversos livros, como “Esboços de um Tempo Presente” (2016), “Mídia e Racismo” (2012) e “Espelho Infiel: O Negro no Jornalismo Brasileiro” (2004).

Kabengele Munanga

Referência no debate sobre relações raciais no Brasil, Kabengele Munanga é professor aposentado da (USP) e professor da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).

Nathalia Oliveira

Cientista social, coordenadora da INNPD (Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas), articuladora da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e presidenta do COMUDA-SP (Conselho de Drogas e Álcool de São Paulo).

Silvio Almeida

Filósofo, um dos principais tributaristas brasileiro, Silvio Almeida é presidente do Instituto Luiz Gama.

Sueli Carneiro

Filósofa e feminista negra, Sueli Carneiro é uma das fundadoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra e é uma das principais referências do feminismo negro no mundo.

Dennis de Oliveira

Chefe do Departamento de Jornalismo da USP, Dennis de Oliveira é um dos fundadores da Rede Quilombação, colunista da Revista Fórum e autor da obra “Jornalismo e Emancipação”.

Cida Bento

Coordenadora do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), Cida Bento foi considerada em 2015 pela revista “The Economist” uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no tema da diversidade.

Juarez Xavier

Juarez Xavier é professor de jornalismo da UNESP (Universidade Estadual Paulista) e coordenador do NUPE (Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão).

Juliana Gonçalves

Jornalista do Brasil de Fato, Juliana Gonçalves é integrante da COJIRA-SP e uma das articuladoras da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.

Hélio Santos

Hélio Santos é presidente do Instituto Baobá Diversidade e um dos principais intelectuais do movimento negro brasileiro.

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