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O homem negro e o assédio no mercado de trabalho

Imagem representa tristeza por ter sofrido assédio

Foto: Imagem representa tristeza por ter sofrido assédio

15 de fevereiro de 2018

Em 2017, denúncias de assédio sexual a homens negros no mercado de trabalho geraram reflexões sobre o tema no Brasil e no mundo. Por aqui, as violações ganharam força depois da participação do artista Emanuel Araújo no programa Roda Viva, quando expôs o processo trabalhista da ex-funcionária Renata Felinto

Texto / Pedro Borges e Runan Braz
Imagem / Alma Preta

Situações de violência sexual no cotidiano são comuns e costumam ser apresentadas como provas da sociedade machista e LGBTfóbica contemporânea. Embora a maioria dos casos tenham mulheres como alvo das agressões, recentemente, o público negro masculino tem relatado alguns casos nas redes sociais sobre os incidentes criminosos.

O famoso ator de Hollywood, Terry Crews, seguiu a onda de denúncias sobre violência sexual nos bastidores do cinema norte-americano para desabafar por meio do seu twitter, em Outubro de 2017. O ator disse ter tido seus órgãos sexuais agarrados por um produtor de cinema durante uma festa.

Terry Crews contou que, mesmo bravo e chateado com a situação, preferiu se calar porque pensou na repercussão do caso.

“Eu ia acabar com ele ali mesmo, mas pensei duas vezes e sabia como isso ia parecer. ‘Homem negro enorme bate em chefão de Hollywood’ seriam as manchetes no dia seguinte. Só que eu provavelmente não poderia lê-las, porque estaria na cadeia. Então nós simplesmente fomos embora da festa”.

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Terry Crews foi um dos atores de Hollywood a denunciar um caso de assédio sexual (Foto: Reprodução)

Em dezembro de 2017, os ex-colaboradores do Museu Afro Brasil, Felinto dos Santos, Newman Costa (ambos negros) e Raphael Arruda (branco) decidiram publicar no Facebook os assédios sofridos no período em que trabalhavam lá.

Eles acusam o diretor do espaço, Emanuel Araújo, de praticar abusos sexuais e morais contra os funcionários.

O primeiro a se pronunciar foi Felinto dos Santos. Ele disse ter acompanhado uma série de casos de assédio por parte do diretor do Museu Afro Brasil, que se escondia por detrás do seu prestígio profissional.

“Araújo se investe do poder conferido por sua posição de prestígio. É atrás dessa cortina que o mesmo encobre as encoxadas, as passadas de mão, os dizeres invasivos, as ameaças de demissão sem causa justificável, as vexações contra as equipes de profissionais que trabalham na instituição.”

Newman Costa também levou as denúncias a público, o que pegou de surpresa amigos e familiares, que souberam dos fatos via redes sociais. Newman trabalhou na instituição em 2006, quando tinha 21 anos. Em sua postagem contou como foi assediado no final do expediente ao sair do banheiro.

“Ele se colocou na minha frente, obstruindo a passagem. Desviei e ele deu um passo pro mesmo lado. Fui desviar de novo e a mesma coisa. Até que, ele me segura pela cintura, me põe contra parede, encosta a barriga dele na minha e vem chegando com o rosto perto do meu. No instinto, eu o empurrei e xinguei. Não sei ao certo o que disse, mas guardei o “cê ta louco” e o “vai tomar…”. Em resposta, ele começou a me xingar e berrar muito mais alto pedindo por socorro e invertendo a situação. Umas quatro pessoas da equipe chegaram correndo. Uns o afastaram rapidamente dali e outros me puxaram em direção oposta.”

O terceiro relato foi do ex-colaborador Raphael Arruda, que trabalhou no Museu entre 2014 e 2016. Ele se motivou a contar suas experiências por conta dos relatos de Felinto e Newman. Raphael alega que foi tocado nas genitais, teve a orelha lambida e fotos tiradas dele, sem o consentimento. Segundo ele, Emanuel dizia que essas fotos eram para se masturbar depois.

“Alguns funcionários me alertaram sobre ele, mas por um tempo não tive problemas. Até que um dia, mão na cintura aqui, uma palavra mais obscena ali e era daí para baixo”.

As denúncias

As denúncias vieram à tona depois da participação de Emanuel Araújo no programa Roda Viva da TV Cultura, que ocorreu no dia 18 de Dezembro de 2017.

Durante a conversa, o diretor do Museu contou sobre a sua trajetória, os desafios de gerir o espaço, e ao ser questionado sobre a participação de mulheres negras na obra “A nova mão afro-brasileira”, ressaltou a presença de quatro no projeto.

Perguntado sobre a artista plástica, Renata Felinto, disse: “eu não gosto dessa tal Renata Felinto. Ela foi arte educadora no Museu Afro Brasil, teve uma péssima atitude com o Museu sendo negra, pôs o Museu em uma situação de justiça, e o Museu teve que pagar a ela mais de R$ 120 mil”.

Renata Felinto coordenou o Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil de 2004 a 2008. Ela, em entrevista ao Alma Preta, se posicionou sobre as declarações de Emanuel, que “em rede nacional, me depreciou, como se eu tivesse processado o espaço por qualquer oportunismo, mas na verdade foi um processo trabalhista”.

Ela diz que trabalhou horas extras sem receber, aos domingos, foi contratada enquanto pessoa jurídica e sem a garantia dos direitos trabalhistas, e que enquanto foi coordenadora do espaço, não era remunerada como tal. O processo se materializou quando a entidade se transformou em Organização Social (OS) e tinha as condições de arcar com os direitos trabalhistas dos funcionários do espaço.

“Os R$ 120 mil, que ele menciona como se fosse um presente, se referem às férias, 13°, FGTS, e todos os outros direitos trabalhistas que dos quatro anos que trabalhei sem registro”.

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Ex-funcionária do Museu Afro Brasil, Renata Felinto é uma renomada artista no país (Foto: arquivo pessoal)

O caso na Justiça

No dia 28 de Dezembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu documento que poderia multar aqueles que denunciaram o curador, ativista e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo.

A decisão, assinada pelo Juiz de Direito Dr. Fábio Aguiar Munhoz Soares, ordenava a exclusão das postagens no Facebook por parte dos ex-funcionários, e o material previa multa de R$ 1 mil por dia, em caso de descumprimento da ordem.

O assédio sexual contra homens

As denúncias também chamaram atenção pelo fato do assédio não ser uma prática tão comum entre homens. Sintoma de uma sociedade patriarcal, as violências sexuais costumam ser direcionadas de homens contra mulheres.

Pesquisa feita pelo Think Olga mostra que, em um universo de 7,7 mil mulheres entrevistas, 99,6% disseram já ter sido assediadas na rua e 64% no transporte público.

Os dados referentes ao assédio sexual com relação a homens são difícil acesso.

Em Portugal, pesquisa feita com homens e mulheres pôde comparar os números e apresentar os diferentes padrões de violência no espaço profissional contra o público feminino e masculino. De acordo com o material averiguado, 14,4% das mulheres foram assediadas no ambiente de trabalho, contra 8,6% dos homens.

Para mulheres e homens, quem costuma promover o assédio são os chefes, ou aqueles acima na hierarquia dentro do trabalho. 44,7% para as mulheres e 33,3% para os homens.

Julia Drummond, advogada e pesquisadora das relações de raça e gênero, participou da construção do decreto que regulamenta a lei de combate ao assédio sexual para os servidores públicos em São Paulo, afirma que mais do que uma possível atração, o assédio se configura como uma demonstração de poder.

“O assédio vem da ideia de subordinação, do exercício de poder”.

Diferença também existe na resposta ao assédio entre os portugueses. 52% das mulheres costuma responder de imediato o desagrado, enquanto 31% dos homens fazem o mesmo.

O machismo, elemento que também silencia homens quando assediados no espaço de trabalho, somado ao racismo, geram um impacto significativo na posição de homens negros diante do assédio, como explica Haydee Paixão, advogada formada pela PUC-SP e coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

“Pouquíssimos conseguem se abrir em relacao a isso e pouquíssimos conseguem fazer um acompanhamento psicológico, um tratamento, uma ajuda terapêutica de alguma forma de cuidado e pq ha esse estereotipo do homem negro, da masculinidade forte, como dominadora. No homem negro machão, viril sexualmente, que tem um penis grande e satisfaz na cama durante horas”.
O sociólogo Túlio Custódio traz dois elementos que podem justificar o assédio de um homem negro sobre o outro, uma das características do caso em questão.

“O homem negro que opera promovendo tal assédio opera sob dois eixos: re-definição de sua existência baseada no ideal de masculinidade do homem branco, sendo assim performando os elementos de agressividade e controle sobre outros corpos; e reproduzindo o reconhecimento de outro corpo negro como um objeto, que pode ser alvo de controle e abuso”.

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O Museu Afro Brasil é um importante espaço para a preservação da memória da população negra (Foto: Museu Afro Brasil)

O outro lado

Emanoel Araújo criou em 2004 o Museu Afro Brasil, instalado no Parque Ibirapuera, em São Paulo. A instituição tem um acervo de mais de 5 mil obras, algumas delas doadas pelo próprio fundador do museu, que é também colecionador e escultor.

A respeito do caso, Emanoel nega todas as declarações sobre si. Em resposta à Folha de S. Paulo, disse que “essa questão de falar sobre assédio sexual está na moda”. Ele acionou seu advogado, Belisário Santos, para tratar da situação e cuidar das denúncias.

No dia 26 de Dezembro, por volta das 18h50, o diretor do museu divulgou a seguinte nota à imprensa:

“Eu, Emanoel Araújo, Diretor Executivo do Museu Afro Brasil, ante matérias com declarações mentirosas publicadas na imprensa, venho a público para esclarecer. Reitero o desmentido categórico em relação a cada uma das acusações de assédio sexual a mim atribuídos. O espaço de convivência no Museu Afro Brasil é público, sempre ali havendo colaboradores e visitantes. Pública é também a minha vida e minha militância em favor do movimento negro, sua cultura e seus valores.

Essas acusações só se iniciam após minha crítica à ex-colaboradora, Renata Felinto, feitas no programa Roda Viva. Ali, declarei ser uma incoerência a aceitação na participação de um projeto carente de recursos e, muito depois, uma reclamação trabalhista contra a instituição, ícone maior da cultura negra. A crítica foi um mero desabafo. Os trabalhadores da cultura devem, sim, ter seus direitos sociais e trabalhistas respeitados. A crítica foi política. A partir daí, ouvi censuras à minha declaração, o que minha formação democrática me obriga a entender.

Não entendo, porém, as invencionices do irmão da criticada e de seus amigos. Jamais pratiquei o crime de assédio sexual por eles torpemente afirmado, anos depois de supostamente praticados…Ideias combatem-se com ideias, não com falsa imputação de crime.

Tomarei as providências jurídicas que entender cabíveis para atalhar essa campanha difamatória, caluniosa e covarde contra minha pessoa.”

Em nota, a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo informou que iria apurar se houve comportamento inadequado por por parte de Emanoel Araujo e que tomará as “providências cabíveis”.

A equipe de reportagem do Alma Preta tentou novo contato com o Museu Afro Brasil e não teve retorno até o fechamento desta reportagem.

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