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“O respeito aos indígenas no Brasil sempre foi imposição de instituições internacionais”, destaca ativista

Lideranças indígenas marcaram presença na 27° Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm El-Sheikh, no Egito, e reivindicaram direitos básicos e essenciais para os povos originários

Imagem de um painel com a presença indígena no estande da sociedade civil na COP27.

Foto: Imagem: Eduardo Carvalho/ Brazil Hub

23 de novembro de 2022

“As organizações indígenas estão buscando um diálogo com as cortes internacionais, porque, na história do Brasil, o respeito à vida da população indígena sempre foi imposição das instituições internacionais que obrigam o nosso país a tomar medidas que possam proteger o nosso povo e o nosso território”. É o que afirma Vanda Witoto, professora indígena e profissional da saúde que esteve presente na 27° Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm El-Sheikh, no Egito.

A indígena do povo Witoto do estado do Amazonas, que também foi candidata a deputada federal nas últimas eleições, destaca que, dentro do Brasil, há uma negligência dos governantes em enxergar os povos indígenas enquanto cidadãos dotados de direito, cultura e pluralidade.

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“A gente vê uma presença mais efetiva e maior número das mulheres, sobretudo indígena, nesses espaços da COP, reivindicando direitos básicos e essenciais para garantir a vida da nossa população no Brasil. Nós, indígenas, também população negra e periférica, somos os mais impactados dentro da temática de mudanças climáticas e de racismo ambiental. Ter a voz dessas pessoas nesse espaço como a COP é muito importante, porque há um diálogo com vários representantes políticos aqui”, explica Vanda.

Vanda Witoto

Vanda Witoto | Imagem: Fernanda Rosário/Alma Preta

Ativista indígena também presente na conferência climática deste ano, a gestora pública do Pará Val Munduruku explica que a maior visibilidade internacional às demandas dos povos indígenas, como diante de eventos como a COP, é conquistada a partir do princípio de coletividade existente entre essas populações. “A gente sabe que, se eu sair do território, eu não vou estar falando só por mim. Eu vou estar trazendo toda a luta e a resistência do meu povo”, conta a ativista indígena.

Val Munduruku também confirma que os povos indígenas podem até ter uma visão e uma visibilidade mais internacional como protetores das florestas, mas esse reconhecimento não acontece de fato no Brasil.

“A gente foi vendo a necessidade de se mobilizar enquanto território, independente dos biomas. Então nossa luta partiu muito da necessidade de ver as nossas próprias políticas sendo aplicadas como a gente queria. A maioria das políticas públicas que acontecem nunca são direcionadas para as nossas realidades. A gente se mobiliza para garantir o acesso à saúde e à educação”, explica a ativista.

Vozes indígenas na COP27

Durante a COP27, ocorrida entre os dias 6 e 18 de novembro, os povos originários brasileiros marcaram presença no evento com a participação em conversas com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, sobretudo, em painéis de discussão no estande da sociedade civil, o Brazil Climate Action Hub. Além desse espaço na conferência, este foi o primeiro ano em que as discussões sobre os desafios e demandas do Brasil diante das mudanças climáticas estiveram distribuídas em mais dois estandes durante o evento: um do governo federal e outro somente dos estados da Amazônia Legal.

Evento perdas e danos na COP27

Participação indígena em painel sobre perdas e danos em estande da sociedade civil | Imagem: Ellen Monielle/Iyaleta

Conforme noticiado anteriormente pela Alma Preta Jornalismo, o espaço oficial do governo federal na COP27 não teve uma atividade sobre comunidades quilombolas e povos indígenas ou a participação desses representantes nas discussões.

“O movimento indígena no Brasil tem enfrentado nos últimos quatro anos um governo que tem atuado para a retirada de direitos dessa população e de ataque aos corpos indígenas. É uma tristeza ver o estande do Brasil nesse momento sem nenhuma autoridade indígena, mas que bom que a gente está aqui também. São as nossas vozes, da sociedade civil, reivindicando o seu direito também”, ressalta Vanda Witoto.

Paulo Tupiniquim, coordenador geral da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), explica que, desde a Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), há uma presença dos povos indígenas nas discussões climáticas globais. Ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, a Eco-92 estabeleceu a criação da COP com o estabelecimento da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima. A partir de 1995, a conferência passou a ser realizada anualmente.

“A Eco-92 não foi uma discussão tão participativa igual acontece agora, mas conseguimos estar e conseguimos pautar algumas questões relacionadas a populações indígenas”, conta Paulo Tupiniquim.

De acordo com o coordenador geral da Apoinme, a organização nacional dos povos indígenas é importante para a maior mobilização em torno de um reconhecimento da necessidade de justiça climática e proteção aos territórios indígenas. Ele explica que anteriormente, principalmente no período da ditadura, havia algumas organizações indígenas já constituídas, mas que não estavam unidas em uma unidade nacional.

“Com o passar do tempo, os povos indígenas foram criando organizações a nível regional. Saiam do local que ficava só ali no seu território e passaram a ocupar o regional. As regionais entenderam que era importante se organizar a nível nacional também”, ele explica.

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) foi criada em 2005 pelo movimento indígena no Acampamento Terra Livre (ATL), mobilização nacional anual desde 2004 para visibilizar a situação dos direitos indígenas e reivindicar o atendimento de suas demandas. Atualmente, a Apib tem representação em todas as regiões do Brasil através das organizações que a compõem: Coiab, Apoinme, Conselho Terena, Aty Guasu, Comissão Guarani Yvyrupa, Arpinsudeste e Arpinsul.

Paulo Tupiniquim

Paulo Tupiniquim | Imagem: Pedro Borges/Alma Preta

“A Apib conseguiu dar um foco internacional. Então a gente saiu do nacional e partiu para o internacional para denunciar as violações dos territórios, os assassinatos e conseguimos mostrar para o mundo o que a população indígena brasileira vinha sofrendo. Quando nós começamos a participar [dos encontros internacionais], nós mostramos a realidade de descaso, de invasão, de massacre, de perseguição e de criminalização das lideranças indígenas”, explica Paulo Tupiniquim.

A ativista Val Munduruku também destaca a crescente das mulheres indígenas nas mobilizações e lutas por mais direitos dos povos originários.

“As mulheres indígenas não eram tão vistas e a gente tem um papel fundamental dentro dos territórios e das comunidades, mas elas não tinham essa vez e voz à frente. A gente começou a ocupar esses espaços muito recentemente, por saber que também as nossas demandas, como mulheres indígenas, não estavam sendo atendidas de forma mais direcionada. Tanto é que a gente tem políticas que falam sobre as mulheres, como a Lei Maria da Penha, mas que não são direcionadas realmente para as nossas realidades”, explica.

De acordo com Vanda Witoto, nos últimos dez anos, as políticas voltadas para a educação e para a entrada e permanência nas universidades foram importantes para que as mulheres estivessem em espaços de formação política.

“Isso foi nos construindo para chegar hoje nesses últimos anos com essa presença nos espaços discutindo as questões do território. A política de cota garantiu que nós indígenas e negros fôssemos para a universidade e esse ir pra universidade também nos abre um questionamento sobre o nosso nosso papel enquanto cidadão indígena de reivindicar e de conhecer seus direitos”, explica a liderança.

Encontro de Lula com sociedade civil

Encontro de Lula com sociedade civil durante a COP27 | Crédito: Pedro Borges/ Alma Preta

O fim da COP27 no último final de semana trouxe alguns resultados positivos para os países e populações mais vulneráveis diante das alterações do clima. No âmbito nacional, houve um posicionamento do governo brasileiro eleito de maior proteção do meio ambiente e do território indígena, além da confirmação de que haverá um Ministério dos Povos Originários. No âmbito internacional, houve a adoção de um acordo para a criação de um fundo para perdas e danos, visando compensar os países mais vulneráveis que são e serão afetados pelos desastres climáticos.

Shirley Krenak, liderança indígena de Minas Gerais, ressalta que os indígenas continuam fazendo a sua parte para ecoar suas sabedorias e ações voltadas para questões ambientais e proteção do território.

“A gente está fazendo a nossa parte. Quando foi que a sociedade indígena parou de fazer a parte dela? Quando a gente pede demarcação das nossas terras, não é pra ter poder, é para ter um sentido de essência coletiva, porque o que a gente faz de proteção ambiental é pra proteger toda a vida. A potência dos povos indígenas é ocupar esses espaços [como a COP] falando sobre todas as ações reais e plausíveis para um equilíbrio climático real”, finaliza.

Leia também: Guajajara: ‘orçamento definirá papel do Ministério dos Povos Originários’

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