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“O suicídio envolve fatores como raça, classe e gênero” diz o psicólogo Paulo Vitor em seu livro

15 de junho de 2019

Henrique Oliveira, colaborador do Alma Preta, fez uma entrevista com o psicólogo Paulo Vitor Nasvaconi sobre um dos temas mais delicados para a comunidade negra, o suicídio

Texto / Henrique Oliveira I Imagem / Divulgação

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Paulo Vitor Nasvaconi é psicólogo, mestre e doutorando em psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (PR), atualmente é professor no Centro Universitário Cidade Verde (UNIFCV), membro do coletivo Yaolodê – Badá, que nos últimos anos vem lutando pela implementação das cotas raciais na Universidade Estadual de Maringá. Em sua atuação como psicólogo, Paulo Vitor integra a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia (Sede Paraná 08).

E como resultado dos seus estudos envolvendo as relações raciais, história da psicologia e comportamento suicida, Paulo Vitor acaba de publicar o livro “Vida, adoecimento, suicídio – racismo na produção do conhecimento sobre jovens negros/as LGBTTIS”, pela Editora Letramento, que se encontra em pré venda no site, acesse aqui. E que tem origem na sua dissertação de mestrado defendida no ano passado, com o objetivo de discutir, de que modo a literatura aborda o suicídio de jovens LGBTTIS, questionando como e se os marcadores sociais de raça, gênero e sexualidade são acionados para refletir sobre o tema. Recentemente Paulo Vitor concedeu uma entrevista a rádio CBN Maringá, que pode ser acessada aqui.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil há um suicídio a cada 45 minutos, em 2016 foram registrados 11,433 casos, um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior pelos dados do Ministério da Saúde. Um estudo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria indica que o suicídio caiu em todo o mundo, mas a taxa de suicídio dos jovens brasileiros que vivem nas grandes cidades aumentou em 24%. Dentre eles, o número de suicídio de jovens negros aumentou em 12% entre os anos de 2012 – 2016, enquanto se manteve estável entre os jovens brancos, para o psicólogo, a morte é vista como um tabu valoriza se de todo modo a manutenção da vida. Ainda mais quando essa a morte é voluntária. No entanto, é preciso perceber que o suicídio não está inscrito apenas na questão dos problemas mentais, o suicídio é um fenômeno multifatorial, quem está se matando tem cor, classe, gênero, sexualidade e o que esses elementos dizem sobre o suicídio? São essas perguntas que Paulo Vitor nos responde.

Na introdução da sua dissertação você diz que tentou suicídio, porque sentia medo, solidão e falta de amor, em meio a esse processo também tomou consciência da sua negritude e de ser bissexual. No entanto, você diz que transformou o desejo de autoaniquilamento em luta pela emancipação. Qual a importância que a militância política teve e tem para te manter vivo?

Bom, eu costumo dizer que a militância transformou a minha vida. Mas está fala não pode ser utilizada como regra ou padrão a ser seguido. Pois tenho visto que espaços de militância estão se tornando espaços de adoecimento e sofrimento. Sendo assim, a partir da minha particularidade e singularidade, afirmo que a militância teve um peso fundamental na construção de quem eu sou e das minhas produções. Como costumo dizer que meus olhos, minhas ideias, meus posicionamentos foram e são construídos através dos encontros com o Coletivo Yalodê-Badá e dos inúmeros encontros com ativistas negras e negros. Foram nestes encontros e em terapia que passei a ressignificar a minha vida e minha história. Hoje olhando para atrás vejo o quanto acreditava (e em alguns momentos ainda acredito) que meu corpo era um corpo totalmente doente, logo não teria o que ser feito. Mas foi nestes espaços de luta que passei a me ver e me aperceber de outra maneira, passei a gritar e existir. Como Audre Lorde diz: passei a romper com os meus silêncios e com os silêncios postos a mim. Podendo ampliar talvez o debate, acredito que somos sujeitos sociais, nós nos fazemos em contato com o outro.

E se este outro só me objetifica, aniquila e me invisibiliza de que modo eu irei me constituir? Do que me resta estar neste mundo se todos/as me apagam? Estas foram frases e sensações que vivenciei por muito tempo e que talvez ainda vivencio, e que acredito que muitos vivenciam. Mas faço estas indagações justamente para pontuar a importância e necessidade de estarmos em coletivo de ressginficarmos as nossas histórias, nossos corpos, e nossos desejos. Logo, esta reflexão me lembra de bell hook, onde autora afirma que chegou a à teoria “porque estava sofrendo, a dor dentro de mim era tão intensa que eu não poderia continuar a viver. Cheguei à teoria desesperada, querendo compreender, querendo entender o que estava acontecendo ao meu redor. Acima de tudo, cheguei à teoria porque queria fazer a dor ir embora. Eu vi, na teoria, um local para a cura.”

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Em sua análise o negro foi produzido, ele não existia enquanto tal precisou ser categorizado como um corpo sem alma, sem experiência, um corpo para a exploração à serviço da branquitude e do capital. Qual a influência do racismo científico enquanto saber- poder para a Psicologia?

É interessante pontuar que a Psicologia nasce e se constitui em um cenário onde as teorias raciais e o racismo científico se fazia presente e produtor de realidades e de desigualdades. Sinalizo isto, pois ainda existe uma resistência de se pensar os fatores étnico-raciais como categorias fundamentais para construção do saber psicológico. Afinal, a psicologia se constitui e se fez presente a partir destes conhecimentos e das teorias raciais, no qual pontuavam-se a existência de que haveria humanos superiores e humanos inferiores, ideia está fundamentada pelo caráter e determinismo biológico. Deste modo o racismo cientifico não só influenciou como se fez presente na constituição do saber e construção da Psicologia como e enquanto ciência, pois passa-se a construir conhecimentos, narrativas e saberes no qual associam determinadas características raciais a determinados problemas sociais, por exemplo, a associação a criminalidade aos corpos negros ou a degenerescência aos corpos negros. Portanto, os saberes psicológicos passaram a se utilizar desses conhecimentos e associações para se constituir enquanto e como uma ciência.

Por exemplo, na produção da psicometria, testes classificatórios e de inteligência justificando a inferioridade dos corpos negros e a superioridade dos corpos brancos, e afirmando a lógica de que se haveria desigualdade social seria por conta desta inferioridade dos corpos abjetos (corpos não-brancos). A partir desses conhecimentos e narrativas o corpo negro vira objeto e o corpo branco sujeito: Como Ilsidinha Baptista Nogueira afirma, o branco encarna todas as virtudes, a manifestação da razão, do espírito e das ideias, eles são a cultura, a civilização, em uma palavra: a humanidade. E corpos negros por exemplo, passam a ser inscritos como corpos e vidas subalternas e inferiores. Portanto, ao demarcar o estatuto humano como sinônimo de brancura, verificamos a redefinição de todas as dimensões humanas.

Toda esta construção influenciou e ainda influencia os saberes psicológicos, posto que, em muitos contextos ainda verificamos o corpo negro como objeto de estudo da Psicologia enquanto apenas um corpo/objeto. Portanto, historicamente temos observado e compreendido a Psicologia posicionando-se como cúmplice do racismo, tendo produzido conhecimento que o legitimasse, validando cientificamente estereótipos infundados por meio de teorias eurocêntricas discriminatórias, inclusive por tomar por padrão uma realidade que não contempla a realidade brasileira. Resultando assim na desqualificação, desvalorização, negação e no ocultamento das inúmeras contribuições do Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural por exemplo. Portanto, assim como Nogueira, Gonçalves, Santos e tantas outras afirmam que uma psicologia crítica não pode ignorar estes fatos, uma vez que a própria psicologia está atravessada por essa história, ou seja, é mais do que urgente rompermos com a lógica de que o corpo negro na Psicologia seria um emigrante de um ambiente que não é seu.

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X Congresso Nacional de Psicologia realizado em Brasília 2019

No Brasil o índice de suicídio é três vezes maior entre os homens do que entre as mulheres, contudo, as mulheres lideram as tentativas de suicídio. Como os papeis sociais de gênero se relacionam com o suicídio em nossa sociedade?

Os dados sinalizam que os homens ainda se matam mais do que mulheres, contudo, os números de suicídio aumentaram duas vezes mais. E, aqui cabe aquela pergunta: Por que? Aliás, por que homens cometem mais o suicídio e mulheres tentam mais? Eu acredito que não existe uma resposta única que dê conta dessas e de tantas outras questões. Mas me parece nítido o quanto os papéis de gênero influenciam e estão relacionados ao aumento destes números. No mundo inteiro, exceto na china, as mulheres tentam mais o suicídio e os homens consomem mais o suicídio.

Tenho abordado estes dados pensando em termos estruturais, por exemplo, quando pontuamos que nossa sociedade é machista, devemos romper com a ideia de que estaríamos falando apenas de indivíduos declaradamente machistas, ou de atitudes isoladas, individuais ou explícitas, pois, entender esta associação a “sociedade é machista” é entender e falar sobre os papéis de gênero, ou seja, o que é ser homem? O que é ser mulher nesta sociedade? É muito comum associar a categoria mulher (na maioria das vezes cisgênero e branca) características como docilidade, emotividade, passividade e com isto, naturalizamos estas características e passamos a atribui-las aos corpos femininos. Por sua vez, corpos masculinos corresponderiam aos corpos fortes, resistentes, agressivos, explosivos, valentes e etc.

Essas construções possuem impactos para todos os corpos, impactos no nascer, no viver e no morrer. Homens consomem mais o suicídio pois, utilizam-se métodos mais violentos e agressivos, já mulheres tentam mais o suicídio pois, utilizam métodos menos violentos e mais passiveis, este dado possibilita-nos a pensar e refletir sobre o quanto os papéis de gênero interferem e estão relacionados ao comportamento suicida, logo, os efeitos são diversos no fazer viver e no deixar morrer, como, por exemplo, no que diz respeito ao fenômeno do suicídio.

Os transtornos mentais e a depressão são apresentados como fatos centrais para o suicídio, imprimindo uma leitura biológica e patológica do suicídio. Em sua visão, que tipo de problema para a prevenção ao suicídio esse tipo de abordagem pode acarretar?

É muito comum associarmos a ideia de que uma pessoa que comete, tenta ou idealiza o suicídio possui algum transtorno mental. No entanto, os estudos sobre suicídio há décadas sinalizam que não podemos entender o fenômeno do suicídio de modo casualista, ou seja, toda pessoa depressiva tenta, ou tentará o suicídio. Haja vista que o comportamento suicida é um fenômeno multifatorial, sendo assim, fatores sociais, culturais, biológicos, psicológicos, étnico-raciais, econômicos, climáticos, políticos, gênero, sexualidades e dentre outros irão compor e influenciar o comportamento suicida. Sendo assim, não há um único fator determinante para a causa do suicídio, pois quando falamos, compreendemos e entendemos o comportamento suicida devemos entende-lo como um fenômeno de múltiplas causas. Contudo, em níveis de manuais técnicos e em diversos segmentos verificamos uma análise perigosa pautando-se no determinismo biológico.

Onde muitas vezes, passa-se a individualizar o fenômeno do suicídio, restringido este fenômeno social a categoria do sujeito, isto é, responsabilidade única e exclusiva da pessoa. Eu trabalho com a hipótese de que há uma tendência do que chamamos de biologização e psiquiatrização do fenômeno do suicídio, isto é, quando predomina apenas um modo de conceber tal fenômeno.

Os estudos não só atestam como garantem que os transtornos mentais não são condições para que ocorra o suicídio, no entanto, eis que surge um paradigma, pois verifica-se que, nos estudos sobre comportamento suicida, o suicídio e transtornos mentais corresponderiam a uma condição, como se pode observar nesse dado apresentado por Barraclough & cols (1974); Henriksson & cols (1993) citado por Meleiro & Teng (2004): 90% dos suicídios apresentam algum tipo de transtorno psiquiátrico, sendo que 60% a 85% dos indivíduos tinham depressão ou alcoolismo. Este dado nos mostra uma contradição, uma vez que o suicídio não tem condição no que se refere à relação suicídio e transtorno mental, isto é, os transtornos psicológicos não são a causa do suicídio, contudo a literatura científica aponta em dados estatísticos e epidemiológicos que quase 100% dos/as suicidas apresentariam algum tipo de transtorno psiquiátrico. Eis, então, uma contradição.

Portanto, esse tipo de abordagem ou leitura sobre comportamento suicida, vem ser um problema, posto que tende a desconsiderar uma série de fatores relacionados ao suicídio, fundamentando-se apenas sob e pelo o viés biologizante que permeia e produz diferentes efeitos na produção dos saberes, como, por exemplo, a exclusão de diferentes fatores que configuram o fenômeno do suicídio, tais como os marcadores de gênero, raça, classe etc.

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O Ministério da Saúde divulgou o estudo “Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros”, mostrando que jovens negros entre 10 e 19 anos são as principais vítimas de suicídio no país. Os estudos também mostram, que psicólogos não negros negligenciam o racismo estrutural em seus atendimentos, alguns psicólogos chegam a negar a própria existência do racismo. Como você avalia a formação e a prática da Psicologia em relação ao racismo?

Assim como no Brasil as pessoas brancas não assumem que são racistas, a Psicologia também possui dificuldades de assumir-se racista. Como Munanga afirma: O racismo é um crime perfeito. É um fantasma, está aqui, mas ninguém o vê. Quando vou falar sobre relações étnico-raciais e Psicologia, gosto sempre de fazer algumas perguntas: O que é conhecimento? Qual conhecimento a Psicologia reconhece como conhecimento? E quais conhecimentos não são reconhecidos como conhecimento? Quem pode falar? E sabemos que pessoas negras, povos indígenas, povos tradicionais e dentre outros povos falam há mais de 500 anos, mas porque não somos escutados? Talvez por conta do medo de ouvir o que possivelmente o que não se quer ouvir é: que sim, a Psicologia é racista. E então reprime e afasta da consciência toda e qualquer questão que possa estar relacionada ou remeter a esse fato. Em uma produção científica que temos nomes como: Virgínia Leone Bicudo, Neusa Sousa Santos, Maria Aparecida Silva Bento, Isildinha Baptista Nogueira, Alessandro de Oliveira dos Santos, Eliane Costa, Mônica Mendes Gonçalves e tantos outros porque estas e estes pesquisadores não estão nos principais currículos e planos de ensino? Não é desconhecimento. E sim, resistência e recusa de se pensar o Brasil e a Psicologia a partir de sua própria história. E aqui, é fundamental pontuar que o silêncio dificulta ações e mecanismos para o desenvolvimento de atuações e práticas antirracistas.

É evidente que a Psicologia contribuiu e ainda contribui para apagamentos e perpetuações de práticas discriminatórias, como também, contribuiu e contribui para romper com os silêncios, posto que nossa luta visa à mudança estrutural de todo um sistema seletivo que segrega e aniquila a todo o momento. Como Lia Vainer Schucman afirma não é possível construir uma Psicologia verdadeiramente transformadora se ela não for antirracista. Se pensarmos que a temática racial não se encontra ou pouco encontra-se nas grades curriculares como esta temática será discutida, dialogada e colocada em voga? Portanto, Uma psicologia crítica não pode ignorar estes fatos, uma vez que a própria psicologia está atravessada por essa história. Nós precisamos reconstruir a própria psicologia e desloca-la do lugar de acessória científica para extermínio desse povo para o lugar de acessória científica, profissional ética e política e, sobretudo para os movimentos que desestabilizam e façam barulho para assim mostrarmos que nossa sociedade é racista e genocida. E que racismo e genocídio determinam saúde, direitos e vidas.

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Segundo o relatório “Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil” produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o suicídio de pessoas LGBT aumentou quatro vezes nos últimos 2 anos. Qual o papel da LGBTfobia nessas estatísticas de suicídio. E qual a sua opinião sobre a suposta prática de reversão de sexualidade?

É interessante pontuar que os dados aumentaram não por conta da LGBTTIfobia, isto é, não foi a LGBTTIfobia que aumentou e consequentemente, os assassinatos e os suicídios aumentaram. E sim, por conta de todo um trabalho de base e rede para compilação e monitoramento destes dados. Estima-se que estes dados são de três a cinco vezes maiores, haja vista que os dados de suicídio são dados subnotificados. Portanto, reafirmo, por que as taxas de suicídio em corpos LGBTTIs estão crescendo? É por que a LGBTTIfobia veem aumentando? Tenho a premissa que não. Haja vista que podemos pensar que para além do aperfeiçoamento das notificações destes dados, o que estamos verificando é o reconhecimento destas mortes, estas mortes que até então encontravam-se como mortes invisíveis, agora passam a ganhar as redes sociais, as mídias e até mesmo as grandes mídias. Além disso, esses dados são apenas a ponta de um iceberg, uma vez que não há estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, com isso, os números são sempre subnotificados, posto que o GGB atualiza o relatório anual a partir de notícias publicadas nas grandes mídias.

Neste sentido, apreender que existe LGBTTIfobia já é um grande passo, no entanto, não basta apreender este dado, é preciso reconhecer para agir. Para que então possamos cobrarmos políticas públicas, estratégias de ação e intervenção frente a esta realidade, bem como a construção de coletas de dados e a readaptação das fichas de notificação de violências domésticas e violências interpessoais incluindo e ampliando as categorias de gênero e sexualidades. É preciso reconhecer para intervir, posto que, se eu não reconheço que estes corpos são vidas dignas de existência continuaremos mantendo-as na invisibilidade e na categoria de não humanos, ou seja, de pessoas sem direitos no viver e no morrer.

Em meu livro, “Vida, Adoecimento e Suicídio: Racismo na produção do conhecimento sobre jovens Negros/as LGBTTIs”, trabalho justamente com a dinâmica da visibilidade e da invisibilidade, ou seja, por que nos estudos sobre comportamento suicida os marcadores de raça, gênero e sexualidades encontram-se invisíveis ou pouco aparecem? Neste momento, é fundamental pontuar que esta invisibilidade é produto de uma lógica intencional e consciente de um modo organizacional científico. Logo, por que temos poucos recursos materiais, científicos e técnicos principalmente no contexto brasileiro acerca desta temática? Uma das hipóteses que trabalho é a de que a construção do saber científico favorece e corrobora para constituição e permanência de um modo de reconhecimento sobre determinadas realidades, bem como populações e grupos sociais, ou seja, o saber científico funciona como um dispositivo de produção e manutenção da hierarquização e precarização de vidas, isto é, de quais vidas serão cuidadas, visualizadas, e quais vidas serão invisibilizadas e apagadas.

Cabe sinalizar que ainda estamos lutando para afirmar que sim: pessoas LGBTTIs e negras estão morrendo por serem apenas LGBTTIs e negras. Lutando para tornar esta realidade visível. E, lutar também para não repetirmos o passado, ou seja, o entendimento que pessoas LGBTTIs seriam ou corresponderiam a corpos doentes. É sabido que hoje a transexualidade deixou de ser considerada transtorno mental para Organização Mundial da Saúde (OMS), que a homossexualidade não é mais doença e nem distúrbio de perversão, contudo, ainda vemos profissionais, órgãos e instituições oferecendo de modo ilegal terapias de reversão de sexualidade. Mesmo tendo uma Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia que alega e pontua que psicólogas e psicólogos não exercerão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Afinal, pessoas LGBTTIs não estão e não são doentes. Porém, estas afirmações feitas por profissionais de psicologia referente a reversão ou “cura gay” não só sinaliza um retrocesso, como demonstra um projeto sistêmico de invisibilizar, apagar, aniquilar certos corpos. Portanto, assim como a raça atua como um ideal regulatório e estruturante social, ou seja, corpos brancos (superiores) e corpos negros (inferiores), sexo e gênero também passam a atuar como parte de um ideal regulatório que reitera as normas sociais, ou seja, a fixação pela noção de dois sexos fixos e coerentes que se encontram no pensamento ocidental demarcado pela dicotomia: macho-fêmea, homem-mulher, masculino-feminino, pênis-vagina etc.

Nesse sentido, há uma manutenção dessa normatização através de diferentes recursos e dispositivos que passam a reforçar a construção dos corpos masculinos e femininos, ou seja, o que pode ser entendido, compreendido e visualizado como um corpo masculino e feminino. Qualquer performance que destoe dessa realidade passa a ser entendido, demarcado e rotulado como estranho, bizarro e, consequentemente, anormal. Logo é preciso, “cuidar”, acolher, mas para curar. Portanto Reversão de sexualidade é inconstitucional. Como o Conselho Federal de Psicologia e a Comissão de Direitos Humanos pontuam que é dever e obrigação de TODAS e TODOS profissionais de Psicologia lutar pela construção de uma Psicologia Plural, e consequentemente de uma Psicologia que não seja instrumento de promoção do sofrimento, do preconceito e da intolerância e da exclusão.

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