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Os cortes na Educação e a realidade de estudantes negros e periféricos na universidade

31 de maio de 2019

Mobilizações têm tomado o país e levado estas questões para as ruas; em maio, o MEC, anunciou o contingenciamento de R$ 5,8 bilhões da pasta, sendo R$ 1,7 bi somente para o ensino superior

Texto / Simone Freire | Imagem / Reprodução

Acessar a universidade sempre foi um grande desafio para estudantes negros e periféricos. São vários os desafios para acessar locais, grana e qualidade nos estudos, bem como vários malabarismo entre cuidar de tarefas domésticas, muitas vezes cuidar dos irmãos, trabalhar, fazer “bicos”, e, obviamente, estudar.

Uma vez dentro da universidade, um outro desafio se faz presente: conseguir permanecer nela. Se por um lado, para estes alunos, nenhuma das dificuldades durante a tentativa de acesso terminam, por outro, se deparam com um choque de realidade cultural, social e econômico que, com o passar do tempo, vai permear a sua vida acadêmica. Isso, sem contar a necessidade de cruzar a cidade, ou mesmo mudar de município, porque a bolsa de estudos só foi possível na universidade mais longe de casa.

Com uma realidade já pouco favorável, as diversas ações realizadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) têm colocado ainda mais em risco o acesso e a permanência de estudante negros e periféricos nas universidades.

Neste ano, o Ministério da Educação (MEC), anunciou o contingenciamento de R$ 5,8 bilhões da pasta da Educação, sendo R$ 1,7 bi somente para o ensino superior. Um corte um pouco menor foi anunciado depois das manifestações realizadas em 15 de maio. Além disso, em maio, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) suspendeu a concessão de bolsas de mestrado e doutorado.

Riscos

Em defesa da Educação, as mobilizações que têm tomado o país neste mês de maio, têm levado estas questões para as ruas. A última, realizada nesta quinta-feira (30), mobilizou milhares de pessoas em ao menos 136 cidades de 25 estados e do Distrito Federal.

Beatriz Souza é estudante de Geografia e integrante do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, há um projeto político de um maior sucateamento da educação pública de qualidade e uma precarização dos equipamentos públicos que abastecem a população em situação de vulnerabilidade como um todo.

Tudo isso, diz ela, colabora para que jovens negros e de baixa renda tenham menos acesso ainda à universidade, uma vez que bolsas de pesquisa são canceladas, e há corte de itens que o governo diz que “não são essenciais”, como obras das universidades e compra de equipamentos.

“Isto apenas resulta em um corte de bolsas de permanência, corte e sucateamento de espaços voltados a assistência, como moradias e restaurantes universitários. Por isso, nesse momento, é inevitável reivindicar por melhorias”, afirma.

Moradora do Grajaú, na Zona Sul de São Paulo, Evelyn Arruda Silva, cursa Letras no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), em Pirituba, na Zona Norte da cidade. A distância tem sido um dos principais empecilhos para seguir estudando.

“Como mulher negra, dificuldades é o que mais achamos. A distância é perturbadora em certo ponto, de deixar louca. Isso, mais as quase dez matérias por semestre e fora o fato de trabalhar. É de afetar diretamente a saúde mental”, conta.

Trabalhando por conta para conseguir se manter nos estudos, hoje ela está no quarto semestre, mas tem receio do que as ações do governo podem interferir na sua vida acadêmica.

“Os cortes, com certeza, vão acabar com o curso. Meu campus só tem grana pra funcionar até setembro. Se os cortes prosseguirem, todos os dois anos de faculdade vão ter sido em vão”, lamenta.

Concluinte do curso de Ciências Sociais na USP, Gabrielly Oliveira atuou no Grupo de Trabalho de Permanência da universidade, na Ocupação Preta, onde onde estudantes negros ocupavam as salas de aula para falar da necessidade de cotas raciais na USP, entre outros projetos e iniciativas. “Alguns passos, e dois mundos. Percebendo as minhas dificuldades, não queria que ninguém passasse pelo que passei”, diz.

USP

Como mulher negra, a estudante tem muitas recordações sobre a dificuldade para acessar e permanecer em uma das principais universidades do país. Antes mesmo de entrar na faculdade, os estudos eram sempre feitos de madrugada já que o barulho do prédio em que morava dificultava a concentração.

Com o ingresso na universidade, precisou se mudar e foi moradora irregular no CRUSP (Conjunto Residencial da USP). Durante a graduação, trabalhou por conta para se manter. “Meus pais não têm condição de me ajudar, enviam no máximo 50 reais, o que na época (2014) já era bastante coisa para mim”, conta.

A maior parte do tempo também conseguiu se manter por meio de bolsas da universidade para desenvolver atividades de 10h ou 20h semanais. “O problema é que essas bolsas não passavam de 400 reais por mês”, diz.

Todo ano, durante o período de matrícula, a Superintendência de Assistência Social (SAS) da USP abre inscrições para os pedidos de apoio e bolsas de permanência. São quatro tipos de auxílios, com duração de 12 meses: o apoio-moradia, que consiste em vaga gratuita nas moradias estudantis da USP ou auxílio financeiro mensal de R$ 400; auxílio-alimentação; auxílio-livros, no valor de R$ 150, para serem utilizados nas livrarias da Editora da USP (Edusp); e o auxílio-transporte, no valor de R$ 200, apenas para alunos dos campi do interior. A concessão das bolsas é feita a partir de análise socioeconômica, que consiste na verificação de documentos, além de entrevista com assistente social.

Dados divulgados pela USP sobre o investimento em permanência estudantil de 2016 mostram que, naquele ano, os gastos com auxílios socioeconômicos aumentaram 3,84%. Entretanto, a variação não acompanhou o custo de vida na cidade de São Paulo, que cresceu quase o dobro no mesmo período, 6,15% segundo o DIEESE. Alguns auxílios específicos caíram ou estagnaram como, por exemplo, o número de vagas em moradia estudantil, que não mudou, e o apoio ao transporte, que diminuiu.

“As dificuldades enquanto mulher negra, é de ser ouvida, reconhecida em sala de aula. Já tretei muito com professores, por causa de vocabulário racista, por causa de defesa acrítica de teóricos racistas. Então, para mim, a minha vida na universidade está muito atrelada às lutas que travei para permanecer nela, e também nas lutas que fiz parte para que outras pessoas pudessem acessar”, diz Gabrielly.

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