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“Os impactos são trágicos” diz professor de jornalismo da UNESP sobre a PEC 241/55

30 de junho de 2018

A PEC 55 aprovada no final do ano passado permite conservadorismo, a construção de um projeto político neoliberal de desmonte do Estado, recrudescimento das ações políticas, o machismo, a misoginia, o racismo e as ações políticas contra grupos sociais que estão construindo identidades propositivas. Isso de fato é uma tendência mundial, afirma Juarez Xavier

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Entrevista / Pedro Borges
Edição / Thalyta Martins
Imagem / Agência Brasil

Juarez Xavier, professor de jornalismo da UNESP, conversou com o Alma Preta sobre as consequências da PEC 241/55, que congela os gastos públicos por 20 anos. Ele responde como isso afeta diretamente pessoas negras no Brasil, assim como aponta caminhos para atuação política nesse período e formas de disputar narrativas em espaços de poder.

Alma Preta: Quais os principais impactos da PEC 55 para a população negra?

Juarez Xavier: Os piores possíveis. Antes de responder, eu acho que o importante é entender o que está por detrás dessa política, qual a natureza dela. De modo geral, ela avança no sentido de desmontar a ação do Estado na ação na superação da desigualdade e na construção da equidade social. A questão central é essa.

A PEC 55 tem por objetivo fragilizar o Estado. Essa estratégia fragiliza a ação política de propostas consistentes contra a desigualdade. Nos três governos petistas, onde houve fortalecimento das ações políticas do Estado no enfrentamento das desigualdades, nós conseguimos sair do mapa da fome, por exemplo. Quando você sai desse que é um ciclo virtuoso de enfrentamento da desigualdade e cria uma política de constrangimento e restrição das ações políticas do Estado de enfrentamento da desigualdade, você penaliza os setores mais vulneráveis. O mapa da pobreza, da fome, da violência, mostra que o alvo principal é horizontalmente a saúde física e psíquica população negra em todas as áreas.

AP: Quais áreas são as mais afetadas?

JX: Quando você pega a partir de 2016, quando há toda essa mudança institucional no Brasil a partir do golpe, que afastou a presidenta Dilma do governo, há um aumento nos números de violência contra a população negra. Os números declinaram, mas, quando passam de 2016, voltam a subir. Os dados agora do Atlas da Violência são assustadores: são quase 62 mil pessoas mortas por ano no Brasil. De cada 100 pessoas mortas, 71 são pessoas negras. Há também um crescimento da violência contra a mulher negra.

Na questão da educação, é extremamente sério. Se de um modo geral, você tinha na educação um foco das ações políticas do movimento negro – que nesses 40 anos de luta política foi na educação onde o movimento teve mais conquistas -, que conseguiu, por exemplo, a implantação da lei 10.639 e as cotas nas universidades públicas, agora esses feitos estão prejudicados por essa ação, porque os recursos serão tirado da educação e, particularmente, do setor onde você tem mais inclusão de pessoas negras: o ensino superior. A universidade pública em especial tenderá a ser profundamente impactada por essa política.

Os anos 90, época onde o ensino superior privado foi fortalecido, no período do governo do FHC, foram contrapostos pela política do governo do presidente Lula, quando são formadas várias universidades públicas que favorecem a população negra, como por exemplo, a Universidade Federal do Sul da Bahia, que tem um papel extraordinário na região, na formação de quadros negros naquela região. Quebrar uma dinâmica de fortalecimento da universidade pública, e, talvez agora, fortalecer a universidade particular, que tem problemas do ponto de vista de formação, de quadros administrativos, porque não tem pesquisa, é uma medida que tende a ser muito prejudicial para a população negra que vivia um avanço da ação política nas universidades.

Sem dúvida alguma a universidade tenderá a ter um regresso na suas políticas de ingresso, de permanência, de mudança das ações políticas, de financiamento de pesquisas de interesse da população negra, de definição de linhas de pesquisa de interesse da população negra, de iniciações científicas focadas em questões raciais, de trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado que poderiam e podem contribuir, num clima diferente, na compreensão dos desafios da população negra.

AP: Quais previsões o senhor faz para a conjuntura política? O senhor está otimista?

JX: Um pensador italiano do século passado, Antonio Gramsci, tem uma ideia que pode nos ajudar bastante. Segundo ele, as nossas análises devem e precisam ser pessimistas no sentido de que ela se dá no cenário do capitalismo, do nosso caso agora, do projeto neoliberal, mas a nossa ação precisa ser otimista. A nossa ação precisa ser disruptiva.

Nós estamos vivendo um momento de disputa de narrativa. Há uma narrativa que tenta fazer uma análise a partir de um cenário estático e binário. Estático que não vai mudar, que a tendência dele é piorar, e binário porque nós não temos alternativas fora desse cenário. Eu gosto de reivindicar sempre para nós uma perspectiva mais focada na experiência do pensamento africano, de que as coisas estão inter relacionadas, de modo geral, e que é possível mudá-las e transformá-las porque elas estão em um processo permanente de fluxo.

Nós estamos vendo no Brasil alguns candidatos com perfis abertamente nazi fascistas. Se você pega dentro dessa perspectiva, o cenário é bastante temeroso. Jovens candidaturas negras que dialogam com as necessidades da população negra estão surgindo e devem ser apoiadas.

A perspectiva é de um executivo que atenda a demanda da população, particularmente, a vulnerável, e a população negra, e um judiciário que não se alie às ações políticas de dar privilégios à concentração do capital, a concentração de direitos sociais a segmentos sociais restritos, mas um judiciário que possa alinhar-se às demandas dos grupos sociais mais vulneráveis.

Nessa disputa de narrativa, nós não podemos permitir que roubem, que tirem da população negra a possibilidade de desenhar seu projeto futuro e realizar seus projetos, sonhos, desejos, de uma forma efetiva, que é o que nós estávamos fazendo nos últimos 40 anos.

AP: E como que pessoas negras acessam esses espaços?

JX: Se nós trabalhássemos com as possibilidades e as brechas que o sistema tem apresentado, a gente pode avançar em mudanças importantes. Eu acho que as brechas que estão abrindo vão criando a possibilidade de uma ação de uma população que precisa de uma visão política diferente, que possa atender às suas demandas pessoais. É necessário construir narrativas que permitam à população negra, jovem em especial, se apropriar de ideias, conceitos, perspectivas, ferramentas políticas que permitam a elas ampliar a sua ação e capacidade política. É um exoesqueleto negro digital, que faz a denúncia da violência contra a população negra, e vai apresentando alternativas. É necessário que a população negra aproveite esses espaços para fazer a contra-informação e o contra-enfrentamento político.

Eu quero acreditar que nós temos hoje mais ferramentas, do que nós tínhamos no passado, para construir esse projeto, para participar desse projeto, juntar pessoas interessadas e apontar a possibilidade, senão para agora, pelo menos para o futuro, para mudanças consistentes do ponto de vista do legislativo brasileiro.

Gosto sempre de pensar como Clóvis Moura pensava. Existe uma aquilombagem em permanente processo no Brasil, que tem favorecido as lutas políticas da população negra. Por meio de uma perspectiva muito pró-ativa, muito otimista das nossas ações, das nossas formas de enfrentamento do racismo, da violência, podemos criar possibilidades para a gente num futuro próximo e retomar a linha de ascensão e ascendência das ações políticas que nós desenvolvemos nos últimos 40 anos.

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