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Os próximos passos do caso Marielle e Anderson

Apesar da condenação de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz ser um passo importante para a democracia, as famílias continuarão lutando por justiça para que a investigação sobre os mandantes avance
Os familiares de Marielle Franco se emocionam após a condenação de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, no Tribunal de Justiça, no centro da capital fluminense, 31 de outubro de 2024

Os familiares de Marielle Franco se emocionam após a condenação de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, no Tribunal de Justiça, no centro da capital fluminense, 31 de outubro de 2024

— Solon Neto/Alma Preta

4 de novembro de 2024

O dia 31 de outubro de 2024 entrou para história política brasileira como o primeiro passo para a construção de um país que deseja ser marcado não pela impunidade, mas pela justiça. O caso Marielle e Anderson marcou nossa recente história por escancarar as rachaduras da nossa democracia e as estruturas racistas, machistas e LGBTQIAPN+fóbicas em nosso país. E na noite da última sexta-feira os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados pelo duplo homicídio qualificado de Marielle Franco e Anderson Gomes e a tentativa de assassinato de Fernanda Chaves, única sobrevivente do crime.

Ronnie Lessa foi sentenciado a 78 anos e 9 meses de prisão e Élcio de Queiroz recebeu uma pena de 59 anos e 8 meses. Ambos foram condenados a pagar uma pensão até que o filho de Anderson Gomes complete 24 anos. Além disso, os réus deverão indenizar juntos em R$ 706 mil cada uma das vítimas: Arthur, Agatha, Luyara, Mônica e Marinete, a título de danos morais.

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Esta condenação foi uma importante resposta da sociedade brasileira para a luta por justiça e para o sistema de justiça, que historicamente tem falhado em casos de vítimas da violência do Estado, de defensores de direitos humanos e no enfrentamento à violência política de gênero e raça no Brasil. Foram mais de meia década, 6 anos e 7 meses, para chegar ao primeiro passo na busca por justiça, sendo este um caso pioneiro no que diz respeito à responsabilização de agentes e ex-agentes do estado em casos de violações de direitos humanos e da letalidade policial e para o direito das vítimas.  

Na leitura da sentença do caso, a juíza Lúcia Glioche afirmou que apesar de lenta, por vezes cega, burra, injusta, errada e torta, a justiça chega, mesmo para aqueles que assim como os acusados acreditam que jamais serão atingidos pela justiça, e que a sentença deste caso também é uma mensagem para todos os Ronnies e Élcios que estão livres no Brasil. O dia 31 de outubro de 2024, assim, entra para a história brasileira como o dia em que a justiça começa finalmente a chegar para quem historicamente foi  excluído! 

Revelações durante o julgamento reafirma a busca pelas motivações do crime 

Durante o julgamento do Ronnie e do Élcio ficou claro que eles foram uma das engrenagens desse crime tão brutal, mas não a única. Os ex-policiais militares foram contratados por terceiros para matar a vereadora Marielle Franco e quem mais estivesse com ela naquela noite de 14 de março de 2018. A partir da delação e dos depoimentos tivemos conhecimento que Ronnie Lessa receberia 25 milhões de reais em loteamentos para cometer o crime. Outro elemento que chamou a atenção nos depoimentos foi a afirmação de que se não fossem eles, certamente outras pessoas seriam contratadas para tal. E isso nos mostra a urgência que interromper Marielle Franco e tudo que ela representava tinha para os mandantes

Marielle Franco foi uma parlamentar extremamente atuante, tornando-se um dos importantes quadros políticos da esquerda carioca. Destacou-se na Câmara Municipal do Rio de Janeiro – RJ por dar visibilidade à luta das mulheres negras, à luta da favela e à luta LGBTQIAPN+, pautando a centralidade de todas essas questões tanto na tribuna quanto fora dela. Além disso, Marielle era relatora da comissão que fiscalizava a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro naquele ano e no primeiro dia de julgamento, Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle e única sobrevivente do crime, relatou em seu depoimento que no dia do crime, antes de sair do gabinete, revisou um artigo de Marielle para o jornal O Dia sobre a intervenção militar na segurança pública da cidade. 

Durante o segundo dia de julgamento, o Ministério Público sustentou que a atuação política de Marielle foi decisiva para a motivação dos réus em aceitarem o “trabalho”, uma vez que se verificou que a agenda de moradia estava entre as principais pautas do mandato pela ótica do direito à cidade. Nesse sentido, Lessa, que receberia seu pagamento em terrenos na cidade, reafirmou diversas vezes o caráter de encomenda do crime, assim como o planejamento deste, que ocorreu pelo menos um ano antes, alegando que Marielle estaria atrapalhando os “negócios” daqueles que o contrataram para executá-la.

Essas e outras revelações reforçam as perguntas que estamos fazendo ao longo desses anos de luta por justiça: Quem são os mandentes do assassinato? Qual o verdadeiro motivo da morte de Marielle? Qual benefício esse crime trouxe para os mandantes? 

Próximos passos no Caso Marielle e Anderson, os autores intelectuais do crime

Em junho de 2024 a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia para tornar réus os acusados de serem os autores intelectuais dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Com a decisão, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa, o ex-policial militar Robson Calixto, conhecido como Peixe, ex-assessor de Domingos Brazão e o Major Ronald Paulo Alves Pereira se tornaram réus. 

O Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes,   foi escolhido como a corte responsável para esse caso devido ao foro privilegiado de Chiquinho Brazão. O processo de escuta dos réus começou no dia 21 de outubro e acabou no dia 29 de outubro, na mesma semana que os executores de Marielle e Anderson foram julgados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 

São réus no processo:

  • Os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, apontados como mandantes do crime;
  • O delegado Rivaldo Barbosa, que seria o mentor do assassinato;
  • O ex-policial militar Robson Calixto, conhecido como Peixe, ex-assessor de Domingos Brazão e que, segundo as investigações teria ajudado a dar sumiço na arma do crime;
  • E o Major Ronald Paulo Alves Pereira, encarregado de monitorar a rotina da parlamentar, segundo a delação de Ronnie Lessa.

As audiências de instrução terminaram na semana passada. Isso quer dizer que todas as partes foram ouvidas (testemunhas, defesa e acusação). Passada essa fase, o Supremo ouvirá as declarações finais da defesa e da acusação. É possível que ainda esse ano tenhamos a tão esperada responsabilização pela autoria intelectual deste brutal assassinato. A nossa expectativa é que todas as perguntas sejam respondidas a partir do julgamento dos mandantes no Supremo Tribunal Federal e que a justiça possa mais uma vez enviar uma resposta exemplar e extremamente necessária de não impunidade para a sociedade e a democracia brasileira.

A luta por justiça para Marielle e Anderson continua

A luta por Justiça por Marielle e Anderson não acaba neste júri, ela continua e ainda mais forte. Mesmo com toda demora, trocas no comando das investigações e vazamento de informações, as famílias se mostraram bastante confiantes nas instituições durante todos esses anos e neste momento não será diferente. Confiamos na nossa democracia e que a justiça, que começou no julgamento dos Ronnie e do Élcio, continuará sendo feita e também prevalecerá no julgamento dos mandantes.  Todas as etapas estão sendo cumpridas, já ocorreram as oitivas dos réus no Supremo e a expectativa é que a condenação saia o quanto antes e que esta condenação seja ainda mais severa. As famílias querem que o processo de justiça por Marielle e Anderson continue neste julgamento, ou seja, que os mandantes sejam responsabilizados, assim como foram os executores, e que mais uma vez seja demonstrado para a sociedade brasileira que não é aceitável interromper mulheres negras como Marielle e trabalhadores como o Anderson. 

Continuaremos lutando por justiça para que a investigação sobre os mandantes avance, para que haja o devido julgamento de todos os acusados desse crime brutal que nos tirou Marielle e Anderson e para que a sociedade brasileira finalmente tenha todas respostas às perguntas: quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes e por quê?

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  • O Instituto Marielle Franco é uma organização sem fins lucrativos, criada pela família de Marielle, com a missão de inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, pessoas LGBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário.

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