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“Ou a gente luta, ou a gente morre”, o que está em jogo para negros e pobres com a reforma da previdência?

28 de abril de 2017

Maria José Menezes, integrante do núcleo de consciência negra da USP, afirma que para a população negra não há outra opção, “Ou a gente luta, ou a gente morre”. Para ela, a proposta de Michel Temer é uma sentença de morte para negras e negros. Movimento negro organiza bloco e adere à greve geral do dia 28 de Abril.

Texto / Pedro Borges
Foto / Pedro Borges

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No dia 28 de Abril, centrais sindicais e movimentos sociais como a Frente Brasil Popular e a Povo Sem Medo organizam uma greve geral em todo o país. Na cidade de São Paulo, os movimentos sociais se reúnem no Largo da Batata e depois partem para a casa do atual presidente, Michel Temer, no Alto de Pinheiros, para protestar contra as reformas trabalhista e da previdência.

A partir das 14h, na Praça Benedito Calixto, Pinheiros, o movimento negro dá início a sua concentração para a greve geral. Os manifestantes partem para o Largo da Batata, onde se juntam aos demais grevistas. O grupo é articulado pela Frente Alternativa Preta e reúne uma série de entidades, como Kilombagem, Uneafro, Núcleo de Consciência Negra da USP, CONEN, Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, entre outras.

Em carta aberta publicada pelo movimento negro no Alma Preta, os manifestantes denunciam os retrocessos propostos por Michel Temer e avisam que as medidas aprofundam o genocídio negro e deterioram os poucos direitos conquistados pela comunidade negra nos últimos anos. “E a população negra, seguimento majoritário da classe trabalhadora é, mais uma vez, o descarte prioritário”.

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A proposta e as diferentes equações

Entre as propostas apresentadas pelo relator da reforma da previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), em último texto enviado ao Congresso, está a exigência de 40 anos de contribuição, não mais 49, para homens e mulheres adquirirem direito ao benefício integral. Outro pilar da medida é a elevação de 15 para 25 anos de tempo mínimo de contribuição para pleitear a aposentadoria. Diferente da primeira proposta, em que homens e mulheres se aposentariam aos 65 anos, o texto agora mantém 65 anos para os homens e 62 para as mulheres, e estipula a idade mínima para pedir a aposentadoria de 55 anos para os homens e 53 para as mulheres.

Equiparar ou propor uma pequena diferença entre homens e mulheres é considerada uma medida descabida em uma sociedade machista, onde as mulheres exercem dupla, ou tripla jornada, e racista, pois atinge de maneira mais sensível as mulheres negras, aquelas que ingressam mais cedo no mercado de trabalho, passam por maiores períodos de desemprego, e estão no mercado informal, de acordo com Anatalina Lourenço, integrante da Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. “Podemos considerar que esta é uma reforma machista e racista, pois aprofunda a piora das condições de vida das mulheres negras”.

A PEC, baseada nos cálculos do governo, é apresentada como a solução para o déficit da previdência. Os números mostram que em 2016, o rombo no setor chegou a R$ 149,7 bilhões, crescimento de 74,5% com relação à 2015, quando a dívida foi de R$ 85,81 bilhões. Para 2017, as projeções do governo são de um resultado negativo de R$ 181,2 bilhões. Para solucionar a situação, a proposta inicial da PEC 287 previa que, se aprovada, economizaria R$ 740 bilhões em 10 anos.

Para chegar a esses números, o governo soma as receitas da contribuição do INSS dos trabalhadores, empregados e autônomos, e soma todos os benefícios pagos para assim totalizar os gastos.

Para a constituição brasileira, a equação é mais complexa. A Seguridade Social, garantida pelo artigo 194 da Constituição Federal, e o Orçamento da Seguridade Social, artigo 195, garantem uma dotação orçamentária completa para a previdência social. Ela é composta de modo majoritário pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PAPESP).

Chamada 28.04

Ao colocar esses números na calculadora, a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) apresentou outros resultados. Se em 2015, o governo de Michel Temer anunciou déficit de R$ 85,00 bilhões, a Anfip apontou superávit de R$ 24 bilhões. Nos anos anteriores, quando as taxas de desemprego eram menores e a arrecadação maior, o saldo era mais significativo, de R$ 53,9 bilhões em 2014 e R$ 76,2 bilhões de 2013. Considerando essas fontes, a receita bruta da previdência em 2014 salta de R$ 349 bilhões para R$ 686 bilhões.

A Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite, no caso da Seguridade Social, desvio de 20% do valor arrecadado, é também importante para compreender o déficit apresentado pelo governo federal. Somente em 2014, esse desvio retirou dos caixas da Seguridade Social um montante de R$ 60 bilhões. Para agravar a situação, no dia 24 de Agosto de 2016, o Senado aprovou a ampliação da DRU para 30%. Em um ano, de acordo com a Anfip, essa decisão pode desviar R$ 120 bilhões do caixa da Seguridade Social.

Outro fator importante é a isenção fiscal enviada e aprovada em 2016 pelo legislativo. A Lei Orçamentária Anual previa, somente para a previdência, renúncia de R$ 69,00 bilhões de reais das empresas como forma de incentivo.

Para Milton Barbosa, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), a reforma da previdência visa cobrar da classe trabalhadora e da população negra as dívidas feitas pelas elites do país. “Eles querem jogar mais essa nas costas da população negra. Nós temos que nos mobilizar para garantir nossos direitos, garantir nossa aposentadoria, e temos que lutar para exigir a reparação histórica que esse país deve à população negra. E para isso, como dizia Malcom X, precisamos usar ´todos os meios necessários´”.

Mercado

A carta publicada pelo movimento negro, além de criticar as contas feitas pelo governo, também anuncia que as medidas beneficiam o mercado. Em entrevista para “O Globo”, Luís Ricardo Martins, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), disse apostar que com a reforma da previdência, o setor deve vender ao menos 3 milhões de planos para servidores públicos, e ambiciona comercializar outros 3,5 milhões de serviços para outros trabalhadores.

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Faixa durante manifestação contra as reformas trabalhista e da previdência (Foto: Pedro Borges)

Somente em novembro, mês em que a pauta ganhou fôlego no Congresso, a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) registrou aumento de 26% de procura por planos em relação ao mês de outubro. Em números brutos, o total registrado em novembro foi de R$ 11,26 bilhões, contra R$ 8,93 bilhões em outubro.

O crescimento do setor, segundo dados da Anfip, é registrado desde o final do século XX. O mercado teve um salto de 255 fundos, que movimentavam R$ 72 bilhões, em 1997, para 308 fundos, com uma reserva de R$ 685 bilhões, em 2015.

“A simples divulgação sistemática da ideia de que a previdência pública brasileira não se sustenta já gera extrema insegurança e faz muita gente deixar de pagar aposentadoria e se voltar para o setor privado, cujo objetivo principal, claro, é o lucro e não a distribuição de renda”, explica Flávio Carrança, membro do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (COJIRA). Para ele, as elites não são prejudicadas com a privatização do setor, mas sim pobres e negros, dependentes do serviço social.

População negra e a previdência

O Mapa da Desigualdade de 2016, criado pela Rede Nossa São Paulo, faz um comparativo entre as 5 maiores e as 5 menores taxas de expectativa de vida na capital paulista, com base em números de 2015 da prefeitura e do IBGE.

Os bairros onde as pessoas mais vivem são Alto de Pinheiros (79,67 anos), Pinheiros (79,15), Jardim Paulista (78,9), Moema (78,29) e Perdizes (78,05). Por outro lado, os bairros com as menores expectativas são Cidade Tiradentes (53,85), Anhanguera (54,39), Jardim Angela (54,77), Grajaú (56) e Iguatemi (57,02).

Pesquisa publicada em 2015 pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) apontou a divisão racial na cidade. Em Pinheiros e Moema, apenas 7,3%, e 7,9%, dos moradores se autodeclaram pretos ou pardos, respectivamente. Em subprefeituras como Cidade Tiradentes (55,4%), M’Boi Mirim (56%) e Parelheiros (57,1%), os números apresentam um maior contingente de negras e negros. Na cidade de São Paulo, 37% das pessoas se declaram pretas ou pardas.

A desigualdade confirmada pelo cruzamento dos dados de expectativa de vida e perfil racial nos diferentes territórios não é uma realidade restrita à cidade de São Paulo. Pesquisa publicada pelo IBGE apontou que em 2015, a liderança da expectativa de vida no país era do estado de Santa Catarina, com média de 78,7 anos entre homens e mulheres. A última posição ficava com o estado do Maranhão, com média de 70,3 anos.

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Ato contra as reformas trabalhista e da previdência em São Paulo (Foto: Pedro Borges)

O estado de Santa Catarina tem 83,97% de população autodeclarada branca, o que o concede a posição de estado mais branco da nação, proporcionalmente. O Maranhão, por outro lado, é o terceiro mais negro, com 76,2% da população preta ou parda, atrás somente dos estados do Pará, com 76,7% e Bahia, 76,3%.

Esses números confirmam a desigualdade existente no país e a tese de que a reforma da previdência vai penalizar mais mulheres e homens negros, segmentos sociais que não desfrutam de cidadania, de acordo com Maria José Menezes, integrante do Núcleo de Consciência Negra da USP. “A previdência e as garantias trabalhistas são o mínimo que o Estado brasileiro poderia nos dar. Ele nos deve muito mais. Ele nos deve educação, moradia. Eles nos devem tudo. Retirar isso é nos alijar, é nos colocar numa situação mais precarizada”.

Apesar de um momento político conturbado, Juninho Jr., presidente estadual do PSOL e coordenador do Círculo Palmarino, acredita na mobilização da comunidade negra e dos movimentos sociais para frear mais esse retrocesso. “O jogo ainda está sendo jogado. E mesmo com a mídia dizendo que não há outra alternativa senão essa reforma, a pressão popular tem feito o governo ter muitas dificuldade para impor essa agenda”.

Para Maria José, a desigualdade social do país e o projeto de reforma da previdência não oferecem outra saída para a população negra. “Essa proposta é sentença de morte para nós. A gente vai lutar com todas as formas para barrar tudo isso, porque ou a gente luta, ou a gente morre”.

Leia mais:

https://www.brasildefato.com.br/2016/07/22/esta-sobrando-muito-dinheiro-na-previdencia-entenda-os-numeros/

http://www.revistaforum.com.br/quilombo/2017/03/16/reforma-previdenciaria-e-racista/

http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/previdencia-complementar-aposta-em-novas-adesoes-para-evitar-esgotamento-de-recursos.ghtml

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