Texto: Ana Carolina Moraes
Pesquisa realizada pelo IPEA em 2013 sobre a participação das mulheres negras no mercado de trabalho entre 1992 e 2009, constatou que elas são o setor mais desfavorecido do universo trabalhista. Embora a escolaridade em nível de ensino médio entre este grupo tenha crescido quase 35% e 7% em nível superior, os efeitos dessas conquistas ainda não se refletem no mercado. Em 2009, as mulheres negras correspondiam a aproximadamente 23% dos brasileiros empregados sem carteira assinada. Maioria no emprego doméstico, seus salários também são menores: enquanto elas recebiam 73% dos rendimentos dos homens brancos, mulheres brancas e homens negros empatavam nessa estatística, com 85%.
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Fatos como esses fazem a edição de Agosto de 2015 da Revista TRIP chamar atenção. Neste mês, a capa estampa a atriz Taís Araújo nua: Uma mulher negra, no centro, em pé de igualdade às mulheres de outras raças que estão regularmente neste espaço e nesta revista. Em 2014, somente 19% das capas de revistas foram estampadas por mulheres negras, segundo um levantamento do site BuzzFeed. Em abril deste ano, a revista Vogue trouxe a primeira negra na capa em cinco anos. Para a coordenadora científica do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão (NUPE), Ana Bia Andrade, “a ocupação deste espaço por Taís Araújo e seus atributos plenos de um tipo de beleza e modelo de sensualidade, contribuem para a autoestima e para reforçar o exemplo da beleza negra”.
Mesmo assim, essa ocupação é arbitrária. A TRIP se diz diversificada e inovadora, mas a representação da nudez da atriz pode soar desfavorável por fortalecer o estigma sexualizado da mulher negra, valorizando padrões estéticos que pouco se identificam com a realidade. A blogueira Criloura, Fernnandah Oliveira, acredita que essa imagem afasta a representação social nos espaços da cidadania e da construção enquanto ser, pessoa e mulher. “Acredito que essa representação reafirma o estereótipo da mulher negra à medida que cristaliza seu lugar enquanto objeto e erotização, dificultando a atuação política na sociedade, por exemplo,” comenta.
Um dos fatores que dificultam a construção da identidade da mulher negra é a miscigenação racial, uma estratégia para embranquecer a população brasileira que abomina o fenótipo mais próximo da raça negra. A jornalista e idealizadora do blog “Que nega é essa?”, Aline Ramos explica que a pele clara, cachos definidos e traços finos de Taís Araújo assemelham-se ao ideal de branquitude, mas que, ainda assim, se identifica com a capa. “Me sinto representada porque é o sinal de que há uma ruptura e ela é o que existe mais próximo de mim nesses espaços”, declara. De fato, os “traços finos” de Taís não a tornam mais ou menos negra, conforme expõe Ana Bia Andrade, afinal “traços grossos são estereótipos, considerando a diversidade das origens dos negros africanos que povoaram o país devido à escravidão”.
Chamadas Sugestivas
Junto com a pose sensual de Taís, a capa de agosto trouxe chamadas que contribuem para reforçar paradigmas sociais quanto à situação do negro. Expressões como “Páginas Negras” para tratar sobre violências e a fala em destaque da atriz desconcertam a intenção de empoderamento vinculada à imagem.
A mulher negra é a parcela mais vulnerável da sociedade brasileira atual, porém, o fragmento da entrevista de Taís Araújo parece refutar essa realidade. Para Greice Luiz, membro do Conselho da Comunidade Negra de Bauru e turbanista, a frase fora de contexto é “a visão burguesa da situação, que acredita que o negro não tem direito e reclama sem necessidades”. Já a Criloura Fernnadah Oliveira pontua: “ter consciência do país que se nasce não significa ter consciência do seu processo histórico e social de desigualdades e racismo”.
“Fui conquistando meu espaço com diplomacia.
E sem essa de coitadinha. Eu sou negra, tinha
consciência do país em que nasci”, afirma.
– Fragmento da entrevista da TRIP com Taís Araújo.
A mensagem que a atriz tenta passar com a frase, entretanto, difere-se da primeira compreensão apresentada. Para a professora Ana Bia Andrade, a citação indica o posicionamento político dela: “considerando que, tanto ela quanto seu marido, Lázaro Ramos, são ativistas em movimentos raciais, o discurso textual reforça o discurso imagético, formando uma imagem final positiva e carregada de discurso político”.
As chamadas da capa, por sua vez, intensificam a noção preconceituosa sobre o negro na sociedade. Prisão, carcereiro, como a policia lida com a violência, sem patrocínio, na raça compõem uma linguagem que reafirma as estratificações sociais, desconsiderando os fatores que colaboram para tal.
A representação da figura negra nos extremos é um incômodo constante. Ter Taís Araújo na capa de uma revista é um avanço. De acordo com a professora doutora Ana Bia Andrade, “a escolha de Taís Araújo, neste caso, não é uma questão de representar a mulher negra, mas sim uma oportunidade de uma mulher negra com carreira em ascensão estar na mídia”. Mas, ao articulá-la a chamadas preconceituosas, torna-se mais do mesmo. Até porque, como Taís Araújo já disse em sua conta pessoal do Facebook, para “quem diz que achamos que tudo é preconceito, vai meu recado: esse país foi construído, forjado em cima do preconceito racial e social, portanto para bom entendedor meia palavra basta”.