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‘Pacote de Moro é uma licença para a polícia matar inocentes’, afirma Glenn Greenwald

Em entrevista exclusiva ao Alma Preta, um dos fundadores do site The Intercept Brasil falou sobre o ministro Sérgio Moro, a Lava Jato, o ex-presidente Lula e a falta de diversidade na mídia

13 de setembro de 2019

O jornalista norte-americano e um dos fundadores do site The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, acredita que o pacote de segurança pública proposto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, é uma das perigosas consequências da imagem construída sobre o ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato.

“Nos últimos cinco anos foi criada uma imagem de que Sérgio Moro é um homem ético e sem ideologias. Isso o levou a apresentar leis extremas como o pacote anticrime, que na realidade é uma licença para a polícia matar inocentes sem consequências”, afirma.

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O mecanismo do projeto de lei de Moro citado por Glenn Greenwald é o chamado excludente de ilicitude.

Pela legislação atual, o agente policial pode tirar a vida de alguém se alegar legítima defesa “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outro”.

O texto de Moro inclui a proposta de que a pena do crime de matar seja reduzida à metade ou, até mesmo, não aplicada, caso a legítima defesa decorra de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

No Brasil, 75,4% dos mortos pela polícia no período de 2017 e 2018 eram negros. O número consta na 13ª edição do Anuário da Violência, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP) no dia 10 de setembro.

A proposta de ampliação do excludente de licitude, entre outros pontos do projeto de Sérgio Moro, levou a Coalizão Negra por Direitos, frente composta por mais de 50 entidades da luta antirracismo no Brasil, a denunciar o pacote de segurança pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em fevereiro e participar de audiência do órgão internacional em maio, em Kingston, na Jamaica.

De acordo com o grupo, o projeto apresenta riscos à vida de jovens negros em um judiciário descrito como racialmente seletivo. A proposta de segurança de Sérgio Moro segue em tramitação na Câmara dos Deputados.

Vaza Jato

Em junho deste ano, o site The Intercept Brasil divulgou mensagens atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol. O material obtido por meio de uma fonte sigilosa inclui mensagens trocadas no aplicativo Telegram, de 2015 a 2018, quando os dois integravam a força-tarefa da Lava Jato.

Nas conversas, a dupla faz referência a casos como o do processo que culminou com a condenação e, posteriormente, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no caso do tríplex no Guarujá, litoral paulista.

Segundo Glenn Greenwald, as denúncias feitas envolvendo Sérgio Moro enfraqueceram sua atuação como Ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

“Eu acho que por causa da nossa reportagem o Moro se tornou uma figura mais fraca. Não só porque revelamos que ele é corrupto, mas também que ele é politizado. É um homem da direita extremista e as pessoas finalmente entenderam isso”, explica.

A Vaza Jato não foi a primeira investigação jornalística de grande repercussão de Glenn Greenwald. O jornalista também foi responsável pelas reportagens que revelaram os programas de vigilância usados pelo governo americano para espionar a população americana. O caso ficou conhecido como arquivo Snowden e também trouxe à tona o monitoramento dos EUA de vários países da Europa e da América Latina. Incluindo o Brasil, com a espionagem de conversas da ex-presidente Dilma Rousseff com seus principais assessores.

Visita a Lula

Cerca de um mês antes da publicação da “Vaza Jato”, Glenn Greenwald viajou para Curitiba, no Paraná, para entrevistar o ex-presidente. Lula sustenta que a Lava Jato foi uma tentativa da elite brasileira para destruir o Partido dos Trabalhadores.

Segundo um dos fundadores do site The Intercept Brasil, apesar de os mais ricos terem sido economicamente beneficiados nos dois mandatos de Lula, o ex-presidente avalia que as políticas públicas criadas para melhorar as condições de vida da população negra e pobre incomodaram a elite nacional.

Os dois mandatos de Lula duraram de 2003 a 2010. Neste período, por exemplo, foi criado o ProUni, programa de concessão de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação em universidades privadas. O Brasil também saiu do mapa mundial da fome e a pobreza extrema foi reduzida em 75%.

“Quando eu estava produzindo a Vaza Jato, busquei compreender a obsessão que havia em torno da condenação e prisão do Lula. Nesse aspecto, o que ele diz sobre a operação faz sentido. Ele era um símbolo da mudança que a elite não aceitava”, conta o jornalista norte-americano.

Diversidade na mídia

Glenn Greenwald fundou o The Intercept nos Estados Unidos, em 2013. O objetivo do jornalista era realizar um trabalho representativo e contrário ao da imprensa tradicional.

No Brasil, Glenn Greenwald logo percebeu que as redações da grande mídia brasileira também careciam de representatividade. “Quase todas as pessoas que assinavam colunas nos grandes veículos eram brancas e raramente oriundas da favela”, conta. “Como uma mídia pode reportar experiências reais sem diversidade de opinião?”, questiona.

O jornalista norte-americano vive no Brasil com o companheiro negro David Miranda, deputado federal (PSOL-RJ), e os dois filhos, também negros. Ele lembra que o marido cresceu na Favela do Jacarézinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde a desigualdade social demonstra a importância da diversidade. “O jornalismo só tem valor se estiver na luta contra os poderosos e dando voz às minorias”, finaliza.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Atua há seis anos na cobertura das temáticas de Diversidade, Raça, Gênero e Direitos Humanos. Em 2023, como editora da Alma Preta, foi eleita uma das 50 jornalistas negras mais admiradas da imprensa brasileira.

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