As comunidades quilombolas enfrentam dificuldades financeiras principalmente pelo atraso da vacinação contra a Covid-19 em seus territórios. Com a diminuição das vendas do artesanato e do comércio de alimentos oriundos da produção agrícola e da pesca – frutos de conhecimentos ancestrais -, programas como o auxílio emergencial e o Bolsa Família são essenciais para a sobrevivência desses povos tradicionais.
No quilombo da Restinga, no Paraná, vivem em média 65 pessoas e o artesanato é o carro-chefe da economia local. Peças produzidas em crochê ou em palha de milho são divulgadas nas redes sociais com o objetivo de fortalecer a venda dos itens. Tapetes, sacolas, cestos e porta-copos são confeccionados manualmente por 10% dos quilombolas, como complemento de renda.
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A presidente da Associação Quilombola e Afrodescendente da Restinga, Cláudia Rocha, conta que antes da pandemia era possível promover feiras livres no centro de Curitiba, na praça Zumbi dos Palmares. Ela lembra que o lucro na época era de, em média, um salário mínimo com a venda de artesanatos. Agora “não está entrando quase nada”, conta a líder quilombola.
A comunidade não recebe apoio governamental para auxiliar na produção. Para transportar os itens de artesanato para outros municípios, Cláudia explica que é necessário contar com a ajuda da própria população.
No quilombo paranense, a Covid-19 também afetou as oficinas promovidas pelos artesãos mais velhos. Para evitar a contaminação dos idosos, apesar da primeira dose da vacina já ter iniciado, os cursos foram cancelados até a imunização ser concluída. A previsão é de que ocorra até o final de junho.
Itens de artesanato produzidos pelos artesãos do quilombo de Restinga, no Paraná. Foto: Acervo do quilombo
Do outro lado do Brasil, no Nordeste, o artesanato, a agricultura e a pesca são as principais atividades econômicas da comunidade quilombola Ilha da Maré – Praia Grande, na Bahia. A quilombola Lucyete Neves explica que uma das maiores dificuldades para o lucro é a falta de planejamento nas funções.
“É difícil saber a produção real e o lucro, pois não existe fiscalização ou monitoramento para essas atividades. Fazemos tudo por conta própria”, relata.
Segundo Lucyete, a pesca e a agricultura servem mais para garantir a sobrevivência interna dos cerca de 4 mil quilombolas residentes no local. A renda é complementada com a comercialização dos balaios, vendidos até hoje em feiras livres. Ela lembra que antigamente eram plantados alimentos de acordo com a época do ano e que os peixes consumidos na comunidade também eram provenientes das estações. Agora, cada um faz o seu plantio de acordo com o que as condições financeiras permitem.
Contudo, a quilombola pondera que há um senso de comunidade muito grande entre a população. “Aqui não tem emprego e sobrevivemos graças ao auxílio emergencial, que tem sido de grande ajuda para os pescadores. Contamos apenas conosco”, salienta. Por lá, a primeira dose da vacina contra a Covid-19 já foi administrada e não há previsão para a segunda dose.
Pandemia paralisa turismo em território quilombola
A atual situação do Quilombo Massarandupió, também no estado baiano, é mais um exemplo de como a pandemia afetou a economia das comunidades tradicionais. Na localidade, a vacinação contra a Covid-19 sequer começou. O quilombo exerce atividades voltadas para o turismo, como venda de artesanato e de comidas típicas, além da agricultura familiar.
Com as restrições de distanciamento social, a quilombola Neide Muniz explica que as vendas caíram consideravelmente e é impossível se manter apenas com essas atividades, o que força os quilombolas a procurarem outras fontes de renda fora do território. Segundo ela, os conhecimentos ancestrais, da pesca, agricultura e produção de farinha são essenciais para a sobrevivência dos moradores e sem eles seria impossível seguir em frente.
Outra comunidade dependente do turismo e que foi prejudicada pela pandemia de Covid-19 é o quilombo Caiana dos Crioulos, localizado na serra paraibana. A campanha de vacinação no território atendeu, até o momento, apenas remanescentes com idade acima de 50 anos.
A partir da percepção do número de visitas recebidas por ano, a associação quilombola decidiu apostar em visitas monitoradas, em que é cobrado um valor simbólico. As visitas normalmente são solicitadas para pesquisas acadêmicas.
Conforme o fluxo de visitantes aumentou, os remanescentes saídos do território à procura de oportunidades em outros municípios retornaram à sua terra natal, conta a quilombola e empreendedora Edinalva do Nascimento. Ela diz que as famílias começaram a acreditar no potencial dessas visitas e, a partir disso, iniciou-se a montagem de barraquinhas nas portas de cada casa da comunidade.
Barraca de produtos típicos do quilombo Caiana dos Crioulos, na Paraíba. Foto: Acervo do quilombo
O projeto, denominado “Vivenciando Caiana”, é composto por roda de conversas focadas nas histórias ancestrais e também por apresentações culturais, capoeira, roda de ciranda, venda de artesanato e culinária típica. No cardápio, os pratos oferecidos são: galinha de capoeira; molho de peixe com quiabo e malassada de ovo; feijoada, bolo pé de moleque, maxixada e farofa grilada.
A partir do sucesso, a ex-líder Edinalva abriu um restaurante no intuito de perpetuar a gastronomia do quilombo. “Somos uma comunidade com mais de 300 anos e que tem muita cultura a oferecer. Aí surgiu a pandemia, um período difícil que nos impede de desenvolver qualquer atividade lucrativa desse tipo, já que somos uma população vulnerável ao vírus”, pondera a quilombola.
Apesar da pausa nos eventos, Edinalva conclui que as atividades turísticas fortalecem a memória ancestral e fazem com que os quilombolas não deixem a luta e o conhecimento passados pelos antepassados escravizados caírem no esquecimento.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com as secretaria de saúde dos estados da Bahia e da Paraíba para repercutir as informações sobre a vacinação nos territórios quilombolas citados. Até a publicação deste texto, não houve resposta. Caso os órgãos respondam, o texto será atualizado.