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Para coordenadora, ingresso de negros na universidade tem reflexo no aumento da autoestima

16 de junho de 2018

Janete Santos, coordenadora de políticas e planejamento de graduação da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), fala sobre os pontos positivos da política para entrada de pessoas negras, indígenas e quilombolas no ensino superior, assim como medidas necessárias para tornar o processo ainda mais democrático

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Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Valter Camparato / Agência Brasil

Em abril, o Alma Preta produziu uma série de reportagens analíticas sobre os efeitos dos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2010, sobre a população negra, em diversos aspectos socioeconômicos e culturais.

Uma das áreas abordadas era o ingresso de jovens negros no ensino superior. Ainda que tenha ocorrido aumento de 5,5% de estudantes em universidades em 2005 para 12,8% em 2015, esse percentual está aquém da proporção sociorracial do país – há cerca de 54% de pessoas negras no Brasil.

Para a reportagem “Qual foi o papel do governo Lula no acesso de negros à universidade?”, veiculada em 10 de abril, o Alma Preta conversou com Janete Santos, coordenadora de políticas e planejamento de graduação da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), sobre esse panorama, prós e contras de políticas afirmativas promovidas durante a era Lula e o tempo em que Dilma Rousseff esteve na presidência do país, de 2011 a 2016, e a medida usada pela própria instituição para o ingresso de alunos quilombolas e indígenas.

Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Alma Preta: Como as cotas raciais podem ser consideradas avanços no que diz respeito ao ingresso de jovens negros no ensino superior? Por quais motivos elas podem ser consideradas como instrumentos para a democratização do acesso da população negra ao ensino superior?

Janete Santos: Considerando a histórica exclusão da população negra ao acesso à educação superior no Brasil, especialmente nas instituições públicas e, sobretudo, em universidades federais, as políticas de cotas constituem um excelente ponto de partida para mudanças sociais amplas para os jovens negros.

Ao possibilitar o ingresso em cursos de significativo prestígio social, como medicina e direito, entre outros, que antes eram predominantemente ocupados por estudantes fenotipicamente brancos, a política garante certa medida de equidade e justiça social. Dessa forma, sabendo que a população negra é, na maioria dos casos, oriunda do ensino público, as cotas tornam-se o instrumento democratizador, vide a competitividade desleal no ingresso à educação superior quando se confrontam os estudantes de escolas públicas e de escolas particulares no processo de seleção.

Todavia, do ponto de vista da equidade e da igualdade, é temerário afirmar que a lei por si só assegura democratização do acesso, tendo em vista as condições de partida que ainda são desiguais, bem como a oferta de vagas que não atende a demanda reprimida dos interessados à educação superior. Contudo, não podemos desconsiderar o efeito das cotas junto com outras políticas de acesso, como a avaliação pelo Enem/Sisu, como instrumento de democratização de oportunidade de acesso.

AP: Por quais motivos o aumento de alunos negros no ensino superior tornou o ambiente acadêmico mais plural e democrático?

JS: Em relação à UFRB, que se encontra fixada em uma região que possui cerca de 80% dos seus habitantes negros (pretos e pardos), num Estado de maioria pertencente a essa mesma etnia, a pluralidade é de estudantes pertencentes a esse grupo étnico. Esse elemento se coaduna com as vivências culturais do povo negro que passaram a ser evidenciadas de forma mais abrangente, trazendo por consequência o anseio de desenvolvimento de pesquisas científicas voltadas para essa temática, inserindo estudos sobre as políticas afirmativas no ambiente acadêmico.

Em sua opinião, quais são os reflexos sociais do acesso de pessoas negras à universidade? Por quais motivos?

JS: O primeiro reflexo é o aumento da autoestima. Considerar-se capaz e sobressair-se em relação àqueles que parecem estar em posição mais avantajada socioeconomicamente – refiro-me à minoria a quem não foi negado o capital cultural e social -, sem deixar de acrescentar que esses não sofrem com o estigma do preconceito de marca – fenotípica -, que expõe as pessoas negras à constante discriminação, direta ou indireta, aberta ou velada. Ao contemplar os estudantes negros na universidade e observar seu pertencimento, posso afirmar que não há conquista maior.

Expresso-me a partir de uma realidade na qual, durante minha juventude, não me via em condições de disputar um vestibular em uma universidade federal por não me achar capaz de ser aprovada para o curso que pretendia, ao considerar que não via os meus “iguais” nesse público. Por isso, penso que os reflexos sociais, de se ver no outro, já encaminha mais estudantes negros a se sentirem capazes e conscientes de sua realidade e, portanto, a almejarem a mudança a partir da sua inserção no ambiente universitário.

De acordo com levantamento feito pela Folha de S.Paulo em 2017, o desempenho de alunos cotistas era igual ao dos demais, exceto em ciências exatas. Como esse fato derruba a tese de que cotistas têm desempenho inferior em virtude da origem social?

O entendimento do “desempenho inferior” interessa à minoria elitista que deseja manter seu status quo a partir do conhecimento, retomando o conceito do handicap social para garantir a exclusão. Essa alegação é também derrubada por pesquisas científicas que comprovam que o negro não é inferior cognitivamente. Em nossa universidade, o curso com maior prestígio social hoje, o de medicina, tem destacado os estudantes de maior rendimento acadêmico, sendo que no topo desse alto rendimento estão os estudantes cotistas. Isso referenda a pesquisa e derruba a tese de desempenho inferior.


Imagem: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

AP: De acordo com pesquisa divulgada em 2015 pelo IBGE, 12,8% dos jovens negros entre 18 e 24 anos estavam na universidade, contra 5,5% em 2005. Como esses dados mostram que houve avanços, ainda que mais esforços sejam necessários?

JS: Seguramente, os dados demonstram avanços, avanços que foram possíveis graças à ampliação das vagas na educação superior nesta década, bem como às políticas afirmativas adotadas por algumas instituições de educação superior e, sobretudo, à Lei 12.711/201, que insere os negros que concorrem às vagas em instituições federais em um mesmo ponto de partida socioeconômico.

Todavia, considerando a amplitude da população negra no Brasil, 12,8% ainda é muito pouco para uma concepção de ensino universalizada, e, nesse ponto, a educação brasileira ainda se caracteriza como uma educação de elite – faço alusão à teoria de Trow (1973), que identifica uma educação superior de elite quando essa modalidade alcança até 15% da população entre 18 e 24 anos. Muitos outros esforços do ponto de vista da política de expansão de vagas ainda são necessários.

AP: Qual é o papel do Enem na democratização do acesso ao ensino superior?
JS: O Enem, como prova de acesso à educação superior, pode ser encarado como um processo de democratização de oportunidades de acesso, na medida em que, ao ser realizado em âmbito nacional, permite aos estudantes, independente de onde se encontrem, prestar a prova o mais próximo da sua residência. Além disso, o Sisu, que utiliza as notas do Enem para o acesso às instituições públicas de educação superior é um excelente exemplo disso, sobretudo por seu caráter informatizado, pois se trata de um recurso eletrônico que gerencia o processo seletivo das instituições públicas a partir das notas do Enem. Ao poder escolher dentre diferentes cursos, em diferentes instituições esse processo assegura a democratização de oportunidade antes negada pelo concurso do vestibular.

AP: No caso da UFRB, como o vestibular especial para estudantes quilombolas e indígenas, assim como de comunidades e municípios rurais, torna o perfil dos alunos mais plural e democrático? Por quê?

JS: As políticas adotadas pela UFRB para garantir diversidade ou a inserção de diferentes públicos na universidade refletem nossa missão de inclusão social. Os cursos de educação do campo procuram garantir que não somente a comunidade urbana do interior tenha acesso à universidade, mas que esse acesso também seja concedido à comunidade campesina, excluída em razão dos desafios da dimensão geográfica o território brasileiro. Atualmente, os nossos cursos têm atendido não somente estudantes do estado da Bahia, mas, também de outros estados, alertando que essa demanda é nacional.

O ingresso de estudantes remanescentes de comunidades e indígenas ofertam vagas novas em todos os cursos para esse público, semestralmente. A procura tem sido crescente e isso evidencia também a demanda e a necessidade da política.

AP: Com base em sua experiência acadêmica, como políticas afirmativas – cotas, por exemplo – tornaram mais fácil o acesso de jovens negros à universidade?

JS: Eu não diria “mais fácil”, contudo, penso que as políticas afirmativas empoderam negro ao acesso. Sobretudo, reforça a não existência de um “lugar social” ao jovem negro, ele pode se colocar em qualquer formação profissional, como conquista do seu mérito e não somente pelo benefício da política compensatória.

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