Favela na zona sul de São Paulo tem cerca de 100 mil habitantes e mais da metade acima de 50 anos; segundo líder comunitário, Samu não atende aos pedidos de socorro e custo mensal de serviço particular é de R$ 54 mil
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: G10 Favelas
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Se fosse uma cidade independente, a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, estaria entre os 300 maiores municípios do Brasil, mas a realidade dos 100 mil moradores é pontuada pela ausência severa do Estado. Na segunda onda da pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, a comunidade corre o risco de ficar sem ambulância, serviço que era mantido pela própria comunidade.
De acordo com Gilson Rodrigues, coordenador nacional do G10 Favelas e líder comunitário em Paraisópolis, o Samu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) não atende na favela e foi necessária a contratação particular de ambulâncias para que os moradores pudessem ser socorridos.
“No começo da pandemia, a gente decidiu contratar o serviço porque era a solução para salvar vidas. Estamos há nove meses pagando uma equipe médica e ambulância para atender 24 horas. A partir de janeiro, mesmo com a chegada da segunda onda da Covid-19, não teremos como manter o serviço”, lamenta, em entrevista à agência Alma Preta.
O G10 Favelas é um bloco de líderes comunitários, empreendedores e ativistas de impacto social de comunidades de todo país. No Brasil, cerca de 14 milhões de pessoas moram em favelas.
“Nós decidimos entrar com uma ação contra a prefeitura, que é quem faz a gestão das ambulâncias do Samu na cidade, para que o governo faça a parte dele. Nós estamos fazendo há muito tempo a nossa parte, mas sem política pública específica fica mais difícil”, complementa Rodrigues.
As ambulâncias particulares pagas pela comunidade começaram a atuar no dia 23 de março e fizeram 10.455 atendimentos, segundo o líder comunitário. “São mais de 10 mil pessoas que não tinham a garantia de atendimento do Samu. Muitas pessoas que a gente atendeu foram salvas, mas não temos mais como manter. No novo ‘normal’, as pessoas ajudam menos e a gente não tem mais como pagar”, detalha.
O custo mensal é de R$ 54 mil e já foi de R$ 150 mil quando eram três ambulâncias,uma delas com respirador e dez profissionais de saúde. Agora são duas e o serviço será encerrado na semana do Natal.
Em 2021, Paraisópolis completará 100 anos de existência. A venda do loteamento começou em 1921 junto com a criação do Estádio do Morumbi e os terrenos eram vendidos com a promessa de ser “um pedacinho do ceú”. Em 2020 cerca de 3 mil famílias vivem em cima de córregos com esgoto não-tratado.
“Existem várias situações que deixam a gente, aqui em Paraisópolis, mais exposto ao coronavírus. Tem falta de água e a questão da infraestrutura com famílias grandes em casas pequenas. Quando está calor é muito calor e quanto está frio é muito frio. Quem mais tem se contaminado e morrido são as pessoas negras da favela”, pontua Rodrigues.
Em dezembro de 2019, quando nove jovens foram mortos em um tumulto durante um baile funk, os moradores também reclamaram que o Samu não apareceu. Os feridos foram socorridos pelos próprios moradores e pela polícia.
“Não é novidade ou segredo para eles que o Samu não entra na favela. É uma realidade imposta por eles mesmo. Estamos pedindo na Justiça que seja feita a prestação de serviço como já deveria ser”, pondera o líder comunitário.
Ainda de acordo com ele, a ação contra o governo municipal pode inspirar outras favelas a buscarem na Justiça o direito de ter os serviços de resgate de ambulância.
A Alma Preta entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo para saber sobre a instalação de um posto do Samu em Paraisópolis. Até a publicação desta reportagem, a gestão municipal não respondeu.