O mais recente Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) trouxe informações sobre a gravidade da situação do clima no planeta. A importância de um senso de urgência em torno da limitação das emissões de gases de efeito estufa entre os países se apresenta para evitar efeitos climáticos mais extremos em todas as partes do mundo, que impactam mais intensamente, em especial, as populações mais vulneráveis.
Segundo números de 2018 do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Brasil é o 7° maior emissor desses gases no mundo. Em 2015, o país assinou um tratado internacional chamado Acordo de Paris, criado no contexto da COP-21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU) em que os países discutem o combate às mudanças climáticas. Na ocasião, todas as nações signatárias do Acordo tiveram autonomia na criação de suas próprias metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, que foram chamadas de NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada.
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De acordo com Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, o Brasil não vem apresentando estratégias suficientes para alcançar metas que realmente contribuam com a redução da crise climática.
O objetivo do acordo firmado em Paris é de reduzir o aquecimento da Terra para limitar o aumento da temperatura média global no máximo em 2°C e, preferencialmente, em 1,5°C, comparado ao registro de níveis pré-industriais. Segundo os cientistas, níveis de temperatura maiores que 2°C podem ser mais fatais e ameaçadores para a existência da vida humana.
Pedalada climática
O compromisso do Acordo de Paris foi aprovado por 195 países, em 12 de dezembro de 2015, e entrou em vigor oficialmente no dia 4 de novembro de 2016. O Brasil estabeleceu suas intenções de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, comparado aos níveis registrados em 2005 pelo Segundo Inventário Nacional, que é produzido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Além das metas de emissão, o Brasil se comprometeu com, entre outros itens, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.
Segundo Stela Herschmann, a NDC do Brasil, que foi apresentada em 2015, ainda era uma iNDC, uma intenção previamente ao Acordo de Paris e que depois foi ratificada internamente e passou a valer. “Ela foi considerada pelo mundo até como uma NDC bastante ambiciosa. Foi bem recebida porque o Brasil não está no bloco de países desenvolvidos, mas apresentou uma NDC que, por exemplo, trata sobre todos os setores da economia”, explica.
O Acordo de Paris prevê uma atualização das metas a cada cinco anos e o Brasil, no primeiro ciclo de atualização em 2020, assumiu como objetivo os mesmos índices previstos na primeira contribuição submetida. Entre a primeira NDC e a que foi submetida em 2020, entretanto, a contabilização de gases de efeito estufa registrados em 2005, ano base de comparação do Brasil, foi atualizada com a publicação de um novo Inventário Nacional.
A especialista Stela Herschmann e a professora de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da USP Ana Maria Nusdeo explicam que, como as metodologias vão se aprimorando, é normal que os inventários fiquem mais precisos nas análises e, com isso, os números mudem. Na NDC de 2015 tinha-se como referência as emissões registradas no Inventário para 2005, mas o cálculo mudou e o registro de emissões para esse ano base aumentou. Assim, de acordo com o Segundo Inventário a emissão em 2005 foi de 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), já no Inventário mais atualizado, esse número subiu para 2,8 GtCO2e.
“Quando a gente aumenta um número de uma base de cálculo, você vai fazer um cálculo de redução percentual em cima desse ano. Se você aplica o mesmo percentual numa coisa que é maior, você acaba com um resultado final maior”, complementa Stela.
A professora Ana Maria Nusdeo explica que, agora, utilizar os mesmos percentuais da NDC de 2015 nas metas de 2020, sem incorporar um ajuste proporcional com base nas novas informações do Inventário, significa emitir mais do que estava previsto. Com a nova NDC, o Brasil poderá emitir cerca de 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa a mais do que a meta submetida em 2015. “Isso está sendo chamado de pedalada climática, porque é uma forma de calcular que vai permitir emitir mais”, explica.
“Estamos em um momento de crise, de emergência climática que a gente precisa cada vez mais de compromissos ambiciosos e não menos. E o Brasil achou um jeito de se tornar menos ambicioso, então, isso é muito preocupante”, também avalia Stela Herschmann.
Impactos sobre as populações mais vulneráveis
Uma outra diferença em relação à primeira e à segunda NDC submetida pelo Brasil está relacionada à transparência em torno de como o país pretende alcançar as metas estabelecidas. Em 2015, havia um anexo com detalhes e explicações sobre como as políticas seriam implementadas para atingir os objetivos estipulados, o que não se seguiu em 2020. Embora o país tenha submetido uma nova intenção de chegar à neutralidade climática até 2060, o texto não apresenta estratégias para alcançar a meta.
Segundo Herschmann, com isso, o governo não dá nenhuma orientação para os setores da sociedade sobre o que cada um precisa fazer para alcançar as metas. “As emissões do Brasil nos últimos anos aumentaram, então, na verdade, a gente está na contramão. Isso tem muito a ver com o aumento do desmatamento no Brasil, porque o grande fator de emissão brasileiro é a mudança do uso da terra, que é principalmente, desmatamento e, principalmente, desmatamento ilegal”, comenta.
Mudança no uso da terra é a conversão de uma área que tem um ecossistema, como uma floresta, em outro ecossistema como, por exemplo, lavouras, pastos ou áreas urbanas.
A NDC de 2020 também não inclui estratégias para uma adaptação climática, que são as ações e soluções para o enfrentamento de impactos climáticos inevitáveis e que já são sentidos em todo o mundo. Segundo a especialista em política climática do Observatório do Clima, os eventos extremos estão cada vez mais presentes, intensos e vão continuar sendo mais recorrentes, fazendo com que a população mais vulnerável seja mais impactada, porque é a que está exposta a esses eventos.
“Justamente essas populações marginalizadas, que estão à margem da nossa sociedade, são os pretos, os pobres, os favelados, os nordestinos que vão sofrer os maiores impactos dessa mudança climática. Eles são os que menos dão causa ao problema e são os que sofrem em primeira mão esses impactos”, complementa.
Outra coisa que pode acontecer, caso as metas estipuladas não sejam cumpridas, é que podem ser geradas interferências nas negociações de outros tratados internacionais, além de entraves na imagem e credibilidade do Brasil perante outros países. “Não vai ter uma sanção no âmbito do Acordo de Paris, uma sanção jurídica, mas podem ter repercussões de imagem, reputacionais, que vão desencadear efeitos comerciais. Vários países estão colocando essa questão ambiental como algo que pode ensejar problemas comerciais, como deixar de comprar produtos brasileiros, por exemplo”, explica a professora Ana Maria Nusdeo.
Expectativas para COP-26
Em novembro deste ano, será realizada a 26° Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), em Glasglow, na Escócia, evento que não ocorreu no ano passado por conta da pandemia de Covid-19. Será uma oportunidade para discutir e negociar, diante à urgência do problema climático apresentado no relatório do IPCC, temas como o financiamento climático, pensando em uma promessa antiga de países desenvolvidos entregarem 100 bilhões de dólares por ano para países em desenvolvimento enfrentarem as mudanças climáticas, além da definir critérios para o chamado mercado de carbono.
De acordo com Stela Herschmann, o principal ganho da Conferência seria os países colocarem compromissos mais ambiciosos em torno do enfrentamento às mudanças climáticas. “Os compromissos que foram apresentados até agora, nesse ciclo de revisão das NDCs, não conseguem chegar nem perto das metas do Acordo de Paris, que é manter a temperatura abaixo de 2°C em relação ao período pré-industrial com esforços para ficar perto do 1,5°C. A gente está muito perto de perder a chance desse 1,5°C”, complementa.