Uma análise elaborada pelo Grupo de Estudos Multidisciplianares da Ação Afirmativa (Gemaa) apontou que as ações voltadas para as comunidades tradicionais indígenas nas universidades públicas do Brasil ainda estão longe de ser ideais e inclusivas. Metade das 106 universidades públicas do país contavam com ações afirmativas formuladas especificamente para a população indígena em 2019, segundo levantamento feito em parceria com o Iesp/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Segundo o estudo, 53 instituições de ensino distribuídas em 18 estados tinham políticas afirmativas específicas para essa população. Desse total, 23 universidades federais tinham arranjos que extrapolavam o previsto pela Lei 12.711/2012, a Lei de Cotas, e outras 30 universidades estaduais haviam criado leis específicas para indígenas.
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O levantamento enfatiza que as ações afirmativas pensadas especificamente para a população indígena são necessárias porque a educação de base desses povos é diferente do modelo de ensino tradicional.
Processos seletivos específicos
Os dados do levantamento revelam que as políticas de ação afirmativa para a população indígena estão presentes em todas universidades federais em 2019, mas isso apenas por conta da existência da Lei 12.711, de 2012. Outro dado alarmante é o fato de que 44 universidades federais (de um total de 67) destinam cotas para indígenas apenas com base nessa lei, o que demonstra, por outro lado, que elas não fomentam medidas específicas para beneficiar esta população.
“Quando isso acontece, ignoram um dos principais objetos de preocupação de pesquisadores e defensores das causas indígenas: a necessidade de haver processos seletivos direcionados, posto que, em muitos casos, a educação de base dos índígenas ocorre num formato diferente do ensino tradicional cobrado no Exame Nacional do Ensino Médio [Enem], por exemplo”.
O fato de a política racial das universidades federais transferir eventuais vagas não preenchidas pelos indígenas aos negros, modelo também seguido por algumas estaduais, somente contribui para aumentar as incertezas acerca da efetividade das ações afirmativas para esse grupo da população, segundo o Gemaa.
No total, 26 universidades públicas possuem processos elaborados para contemplar os indígenas, mas apenas 3 delas levam em consideração a realidade dessa parcela da população em suas provas de seleção.
“Esses números são ainda muito baixos para fazer frente ao universalismo do Enem, método de seleção tão criticado pelos especialistas que se debruçam sobre o acesso dos indígenas à universidade”, diz a análise.
Por outro lado, 9 universidades estaduais não têm qualquer política de ação afirmativa voltada à população indígena. Assim, se há críticas quanto à efetividade da Lei 12.711 para a inclusão de indígenas, a situação poderia ser ainda pior sem a legislação.
“Isso é especialmente verdadeiro no atual contexto político do país, em que os representantes do governo aumentaram os cortes de investimentos no ensino superior – e, além disso, encaram o conhecimento científico e valores como a promoção da diversidade como inimigos nacionais”, destaca o estudo.
Início das ações
Com foco em dados coletados até 2019, a pesquisa mostra que as primeiras políticas de ação afirmativa voltadas especificamente para indígenas em cursos regulares de graduação foram implementadas nas universidades estaduais do Paraná em 2001, por efeito da Lei Estadual nº 13.134, de 18 de abril.
“A lei reservava apenas 3 vagas por instituição e foi concebida sem consultas aos(às) representantes das universidades ou aos(as) próprios(as) indígenas. Ademais, se valia de definições preconceituosas como a de índio “relativamente incapaz”, utilizada como justificativa ao longo do debate parlamentar que levou a sua aprovação”, ressalta a análise.
No caso do Paraná, a Lei Estadual, que amparou tal política, entrou em vigência antes de a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) implementarem cotas para negros(as) em 2003. Porém, essas duas universidades não criaram políticas específicas para indígenas no desenho original de suas políticas.
“Contudo, enquanto a experiência paranaense permaneceu relativamente desconhecida, as cotas para negros(as) se tornaram tópico de debates acalorados no cenário nacional por anos. Isso teve o efeito não planejado de abrir espaço para a concepção de programas de ação afirmativa para indígenas (e para outros grupos raciais como os quilombolas) nas universidades públicas”, destaca o informe.
Resultados
Em 2019, havia 53 universidades públicas com ações afirmativas desenhadas exclusivamente para indígenas. A existência desse tipo de política, segundo o estudo do Gemaa, demonstra um certo receio por parte dos representantes das universidades, e dos estudiosos e militantes da causa, a começar pelos próprios indígenas.
“Esses grupos tendem a questionar os métodos frequentemente utilizados para selecionar indígenas dentro do recorte Pretos, Pardos, Indígenas (PPI), o qual rege a política federal desde 2012, e que, em configurações similares, também encontra espaço em muitas universidades estaduais”, explica.
O temor desses grupos, de acordo com a análise, é que tal recorte não esteja contemplando efetivamente os povos indígenas, pois, de acordo com o estudo, a pauta das ações afirmativas não pode ser a mesma para todos os excluídos.
“Não existe uma única e mesma exclusão, as razões históricas são distintas, os sistemas de preconceitos idem”, finaliza o levantamento.
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