O levantamento realizado pelo data_labe — laboratório de dados e narrativas na favela da Maré — na cidade do Rio de Janeiro entre os meses de setembro e dezembro de 2022, apontou alta presença de violência no processo eleitoral. Entrevistados relataram não terem vontade de ir votar no segundo turno para presidente, que marcou a disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), frente aos diversos ataques sofridos por pessoas negras LGBTQIAP+.
No estado do Rio de Janeiro, o segundo turno foi apenas para presidente da República. Segundo dados colhidos por meio de questionário, 94% das pessoas informaram que votaram no primeiro turno, enquanto o medo de votar e se manifestar foi evidenciado por conta do pavor da violência física, sexual e psicológica.
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A pesquisa Análise do Ecossistema da Informação (IEA) ouviu pessoas de diferentes locais da capital carioca de faixas etárias diferentes e vivências plurais. Segundo a equipe de pesquisadores/as, o ecossistema de informação para essa população não é saudável, diante da larga escala de violência encontradas e um grau de vulnerabilidade e desumanização de pessoas negras LGBTQIAP+.
Uma mulher cisgênero pansexual, afirmou que a eleição de 2022 foi a que ela mais sentiu medo em relação ao que poderia acontecer no futuro, caso o então presidente ganhasse. “Eu me senti muito ameaçada quando eu fui votar e ver as pessoas utilizando a nossa bandeira como um símbolo político”, relatou.
Ao responder o questionário, onze pessoas informaram não terem ido votar ou que não votaram em todos os cargos da eleição. Outra entrevistada, uma mulher cisgênero pansexual, disse que tirou o título de eleitor com 16 anos e recorda ter mencionado que nunca iria sair de casa para votar, já que nenhum político a representava.
“Agora, eu fiquei pensando assim, não vou brigar com ninguém da minha família por causa da política, que a política vai passar. Porém, eu tenho na minha família três pessoas negras que é minha prima, o esposo dela e a filha dele saindo de casa assim, rindo e comemorando, cantando, falando que ia lá votar no Bolsonaro”, ressalta.
Discurso de ódio na política brasileira
O estudo ainda mostrou que 81% das pessoas negras LGBTQIAP+ entrevistadas relataram ter sofrido violência de gênero e raça, além do contato com o discurso de ódio. O cientista social, pessoa não binária, ativista e assessore parlamentar, Gil Puri, destaca que o discurso de ódio na política brasileira é utilizado desde antes da ditadura militar iniciada 1964, com maior presença neste período da política nacional.
“Há muito em comum entre este período nefasto da história, com o período de desgoverno de Jair Bolsonaro. Mas aqui me fixo no que entendo como a principal função dos discursos de ódio: reforçar a cultura do medo”, defende.
O assessore parlamentar ainda destaca que o agravamento dos discursos de ódio provocados e praticados pelo ex-presidente, teve impacto direto no fortalecimento da cultura do medo e, ainda, gerou silenciamento dessa população diante das eleições de 2022. “O aumento da repressão contra pessoas sexo-gênero dissidentes e pessoas negras foi observada nas diversas instância da política institucional”.
Metologia considerou pluralidade do grupo
A pesquisa com o título Análise do Ecossistema da Informação (IEA) recebeu 175 respostas por meio de formulário online, mas apenas 139 fizeram parte da análise, tendo como idade média 29 anos — algumas das respostas vieram de indígenas ou brancos, deixando a comunidade em foco. O público participante apresentou identidade de gênero e orientação sexual heterogêneas, com uma maior participação de mulheres cisgêneras bissexuais, e pessoas com ensino superior incompleto.
Apesar da maior parte das pessoas possuírem alto nível de escolaridade (ensino superior incompleto), 45% dos respondentes afirmaram receber até R$1.212,00 por mês, o que demonstra uma vulnerabilidade econômica dos participantes.
Os entrevistados são pessoas negras LGBTQIAP+ que residem ou votam na cidade do Rio de Janeiro. Eles foram ouvidos pelo laboratório de dados e narrativas na favela da Maré por meio de uma metodologia que englobou grupos focais, entrevistas, questionário e bibliografia que considerassem a pluralidade do grupo.
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