O ajudante de pedreiro Carlos Eduardo Narcizo, de 20 anos, mora em Barretos, no interior de São Paulo, e ia negociar a compra de um automóvel quando foi abordado por policiais militares, por volta das 16h. O rapaz, que é negro, ficou sob ameaças e foi espancado pelos policiais em diversos locais da cidade até ser apresentado na delegacia, às 19h.
A família entrou em contato com a corregedoria da polícia, porque também foi ameaçada pelos PMs e temiam que Carlos Eduardo fosse executado.
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“Eles levaram o meu irmão para uma casa e espancaram ele. Não tinha nada de errado com o meu irmão. Quando a gente descobriu onde eles estavam, os policiais levarem ele para outro endereço e continuaram a tortura. Depois, por volta das 18h, levaram para um canavial, na zona rural, para bater mais nele. Eu e minha tia achamos o local e filmamos”, diz a irmã do rapaz, que pediu para não ser identificada porque sofreu ameaças. O celular da tia foi tomado pelos policiais.
Como não sabiam mais a localização de Carlos Eduardo, a família acionou a corregedoria. “Meu irmão disse que o desmaiaram por mais de 20 minutos, colocaram o revólver na cabeça dele porque queriam que ele arranjasse uma arma para negociar a liberação dele. A sessão de espancamento foi até 19h, quando a corregedoria de São Paulo entrou em contato e levaram ele para a delegacia”, explica a irmã.
Enquanto o paradeiro do ajudante de pedreiro, sob custódia dos policiais, era desconhecido, uma rede de contatos de ativistas de direitos humanos e advogados foi acionada para tentar localizar o jovem. O ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, doutor Elizeu Lopes, contou à Alma Preta Jornalismo, que foi procurado pelo advogado e professor de direito Dimitri Sales, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo), ontem à noite.
“Nesse momento falei com o Corregedor Geral da PM coronel Briciug, e minutos depois do meu contato, ele me respondeu que a viatura estava se dirigindo para Delegacia de Barretos e que seria já acompanhado por membros da corregedoria. Importante ressaltar que a intervenção do Presidente do Condepe e o imediato contato da Ouvidoria permitiram que o jovem fosse levado à autoridade policial, o que deveria ser feito conforme preconiza os protocolos da Polícia Militar”, pontua o ouvidor Lopes.
A irmã do ajudante de pedreiro contou que os policiais também acusaram o irmão dela de posse de drogas. “Antes de falar que tinha droga com o meu irmão, eles [policiais] saíram e voltaram para a delegacia. Também ameaçaram a minha tia para que não fosse feita nenhuma denúncia contra eles”, lembra.
A abordagem foi feita no bairro Enriqueta, depois os PMs seguiram com ele até o bairro Califórnia e, em seguida, para o jardim Arizona. “De lá, levaram ele para o outro lado da cidade, na zona rural, onde eu fiz a filmagem de longe. Ele ficou todo machucado e mal conseguia andar quando chegou na delegacia”, conta a familiar.
Carlos Eduardo ficou preso aguardando uma audiência de custódia. A família vai fazer o registro do crime de tortura e ameaça. O ouvidor Elizeu Lopes disse que vai acompanhar o caso. “Hoje requisitei a apuração minuciosa da corregedoria, igualmente solicitamos laudos periciais. Tendo em vista a gravidade das denúncias, requisitarei também o acompanhamento do Ministério Público”, afirma o ouvidor.
Nas fotografias feitas pela família quando o rapaz chegou na delegacia é possível notar marcas de agressão nas costelas, braços e pernas.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, na data da prisão, com o jovem foram apreendidas 59 porções de maconha e a quantia de R$1.010 em notas diversas. “O veículo conduzido pelo suspeito também foi apreendido pela Polícia Militar. O caso foi registrado pela Delegacia Seccional de Barretos e o suspeito foi autuado em flagrante, permanecendo à disposição da Justiça”, diz a nota. A pasta tambem afirmou que foram solicitados exames de perícia para tentar identifcar as causas das lesões.
Ação policial
De acordo com a defesa dos policiais envolvidos na ação que levou à prisão do ajudante de pedreiro, as lesões vistas nas fotografias e vídeos não foram feitas sob tortura, como afirma a família do jovem de 20 anos. Os policiais suspeitaram do veículo que estaria em alta velocidade e iniciaram uma perseguição, que teve um desdobramento de perseguição à pé, por várias casas e vielas. Quando foi finalmente imobilizado, o jovem já estava com os ferimentos das quedas durante a perseguição.
O advogado também justificou que os policiais não levaram o suspeito diretamente para a delegacia porque na abordagem ficaram sabendo, pelo suspeito, que havia uma arma escondida. Na busca pela tal arma, os policiais levaram o suspeito em vários endereços indicados por ele.
Segundo a decisão do juiz Luciano de Oliveira Silva, da 1ª vara criminal da comarca de Barretos do Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 17 de setembro, após as argumentações da Defensoria Pública e do Ministério Público, o caso precisa ser apurado.
“Em que pesem as fotografias juntadas pela defesa e o laudo pericial realizado no preso, há notícia de que as lesões suportadas pelo autuado ocorreram durante sua tentativa de fuga, de modo que as alegadas agressões deverão ser apuradas no expediente que culminou em sua prisão em flagrante”, escreveu o juiz.
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