A prevalência de doenças respiratórias como tuberculose e a falta de acesso à higiene e a serviços de saúde são problemas que fazem da população em situação de rua o grupo mais vulnerável ao Covid-19. É o que alerta o médico Maicon Nunes, fundador e membro da direção executiva do Instituto Equânime Afro Brasil, voltado para saúde da comunidade negra. “Isso significa que quem vive na rua possui maior risco de adoecer e morrer vítima de complicações decorrentes do novo coronavírus”, afirma.
São Paulo é o estado com o maior número de casos da doença no país. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde e o Ministério da Saúde, são 164 casos confirmados, mais de cinco mil suspeitos e uma morte – a de um idoso de 62 anos com hipertensão e diabetes. Segundo o censo mais recente da prefeitura da capital, de 2019, a população de rua é de 24.344 e composta majoritariamente por negros autodeclarados (70%).
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Maicon Nunes destaca que o risco de uma pessoa em situação de rua ter complicações provocadas pelo sempre Covid-19 é maior também pela baixa imunidade e a falta de informação sobre a doença. “Essa dificuldade faz a pessoa que vive na rua chegar ao hospital com um quadro de infecção respiratória mais grave, bem pior que o de outras populações por conta da baixa imunidade e da desinformação sobre o novo coronavírus”, explica.
Uma das recomendações do Ministério da Saúde para conter a disseminação do vírus é que os brasileiros não tenham contato desnecessário com outras pessoas. Para o jornalista, documentarista e ativista do movimento Craco Resiste, Daniel Mello, a medida não considera a situação da população em situação de rua, que depende do contato com outras pessoas para sobreviver.
“Além de não ter acesso à água para beber e principalmente para higiene, o modo de vida da população de rua depende do contato com outras pessoas, o que a deixa exposta ao risco de contaminação do vírus. Essa população precisa do contato com outras pessoas para pedir doação de dinheiro, comida e roupas. Parte dela, inclusive, está na rua por ser egressa do sistema penitenciário”, pontua.
Mello lembra que a situação das pessoas que vivem na rua está ligada intimamente ao sistema carcerário. Os egressos do sistema prisional têm a saúde debilitada por conta da precariedade dos presídios, os laços familiares rompidos e dificuldade de acessar o mercado de trabalho.
Desamparo e racismo
A Prefeitura de São Paulo declarou estado de emergência na capital e orientou os profissionais que atuam nos Consultórios de Rua e no Programa Redenção na Rua sobre como devem agir em caso de identificação de casos suspeitos do Covid-19. Entre as orientações está a de oferecer máscara cirúrgica para a pessoa em situação de rua e questioná-la sobre o local onde tem transitado e dormido.
Nunes considera que as orientações não são o suficiente para garantir a proteção das pessoas em situação de rua. “No geral, a gente percebe que há um desamparo dessa população. Os recursos destinados a elas é menor e a preocupação do poder público também. O plano de fundo desse desamparo é o racismo”, avalia.
Segundo Daniel Mello, o momento é de pressionar as autoridades para que essa parcela da população receba o atendimento adequado de saúde pública. “Mais do que ações pontuais individuais, precisamos pressionar os governos para que as pessoas em situação de rua tenham condições de higiene e moradia digna. Os albergues não atendem às necessidades dessas pessoas. Elas precisam de atendimento público positivo em vez do uso de forças policiais, como acontece hoje”, pondera.
Investimentos na saúde
Os Ministérios da Economia e da Saúde anunciaram nesta semana o remanejamento de recursos já previstos no orçamento de 2020 para o país enfrentar as consequências da pandemia.
Para Nunes, a medida principal para garantir que o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha condições de lidar com o novo vírus é a revogação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), 95. Aprovada em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), ela congelou por 20 anos os gastos do governo federal com investimentos na área da saúde.
“O SUS trabalha estrangulado e se o governo não derrubar a PEC 95, não vamos conseguir dar conta da situação. Já sabemos que 80% dos casos não terão sintomas, mas se chegarmos a registrar 45 mil casos e precisarmos de Unidades de Tratamento Intensivas (UTIs) para 5%, haverá um colapso no sistema”, analisa.
O Alma Preta procurou o Ministério da Saúde e os governos estadual e municipal de São Paulo para saber quais ações serão implementadas para proteger a população de rua da contaminação do Covid-19. Até a publicação deste texto, a reportagem não obteve nenhuma resposta.