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Por que discurso e práticas conservadores não resolvem o problema no Brasil?

27 de novembro de 2018

O Brasil convive com o aumento da violência e do encarceramento de jovens negros, números que podem crescer ainda mais por conta da eleição de políticos com discurso conservador, segundo especialistas

Texto / Redação Alma Preta
Imagem / Carl de Souza / AFP

No dia 28 de outubro, após disputa acirrada, Jair Messias Bolsonaro (63), do PSL, foi eleito presidente da República, com mais de 55 milhões de votos. Ele derrotou (55) do PT com um discurso conservador em diversas instâncias. 

As propostas do militar prometem o aumento da segurança e a maior repressão sobre movimentos sociais. Especialistas e ativistas acreditam que as medidas não resolvem os problemas sociais colocados ao país e ainda podem intensificar a violência contra grupos sociais marginalizados, como a comunidade negra.

Confira abaixo algumas destas áreas citadas e possíveis consequências de um governo.

Menos escolas e mais prisões

Jair Bolsonaro prometeu em seu plano de governo que policiais, no exercício de sua profissão, seriam protegidos juridicamente e pelo estado por meio do excludente de ilicitude, que é a exceção no Código Penal, na qual alguns cidadãos podem cometer um ato proibido por lei. Se um policial cometer um crime e o juiz achar que este se encaixa no excludente, o profissional não terá punição. Isso inclui homicídios. 

Anderson Domingos, Benjamin Silva e Marcos Vinícius: são algumas das vítimas de bala perdida mortas antes dos 18 anos. E a violência não se restringe ao homicídio, muito menos à brutalidade direcionada a crianças e adolescentes negros.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, segundo o Infopen de 2016. São mais de 700 mil pessoas aglomeradas em condições precárias nos presídios que comportam pouco mais de 300 mil pessoas. 65% são negros, 6 em cada 10 analfabetos ou com ensino fundamental incompleto. A taxa de reincidência é alta. De acordo com o Ipea, um em cada quatro volta para a prisão. 

“A gente tem uma sociedade absolutamente conivente, porque pensa que para resolver a insegurança pública, precisa matar, exterminar e encarcerar.”, explicou Ester Solano, socióloga e professora da Unifesp.

Por que a violência continua?

Uma outra experiência, a intervenção federal no Rio de Janeiro, expõe uma complexa realidade. Mortes de civis e militares aumentaram, assim como tiroteios e revolta dos moradores. 

O Observatório da Intervenção mostra que entre fevereiro e outubro deste ano houve 3.747 homicídios dolosos e 40% cometidos pela polícia. O relatório publicado neste mês de novembro mostra também que 195 mil agentes realizaram 584 operações monitoradas, nas quais foram apreendidas 695 armas. Até o momento, os tiroteios perto de escolas cresceram 156% em comparação com o mesmo período do ano passado, o que impacta diretamente no rendimento dos alunos e desempenho dos professores. Foram gastos 31 milhões de reais, desde o começo da intervenção em fevereiro deste ano.

Fernanda Viana Araújo, moradora da Maré e integrante da ONG Redes da Maré, conta o cenário conflituoso em que mora. 

O Comando Vermelho, o Primeiro Comando e a Milícia convivem e dificultam o acesso dos moradores para todas as comunidades. Por isso ela explicou que moradores da Maré quando receberam a notícia da intervenção federal, acharam que iam ter paz, porque logo os cidadãos puderam circular em territórios que antes eles não acessavam. 

“Em pouco tempo, no entanto, o Exército começou a usar as mesmas violações de direito que os policiais usavam. Esse tratamento cordial ocorreu só enquanto eles se estabeleciam, coisa de dois meses depois, começaram com os mesmos abusos.”, explicou Fernanda. 

“Esse morador continuou tendo direitos violados e o próprio Exército impedia ele de circular em territórios diferentes, por meio de contenção, revistas truculentas e invasões a casas. Nada de bom ocorreu, foram gastos absurdos e que não deixaram legado nenhum.”

Além disso, a justiça se tornou cada vez mais distante. Fernanda apontou a dificuldade de se fazer justiça frente a essas violações. “A gente tem pessoas que morreram por arma de fogo do Exército e nem sequer foi socorrido. Aí os moradores foram na sede do CPOR e nem o comandante veio dar satisfação nenhuma. Para pedir reparação ou judicializar a questão, fica muito mais complicado quando é cometido pelo Exército.”, ressaltou.

Criminalização de movimentos sociais 

Em 1985 acabou a ditadura civil e militar no Brasil. A democracia, portanto, tem apenas 33 anos e ainda não alcançou a população brasileira em sua totalidade. Bolsonaro, nostálgico, defende fervorosamente a volta do regime, assim como a tortura e mais mortes. O eleito ameaça também movimentos sociais e direitos humanos.

Frases como “vamos botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil” e “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, ambas faladas durante discursos do ex-capitão do Exército, remetem a 1937, quando foi instaurado o Estado Novo por Getúlio Vargas, e 1964, com a ditadura civil e militar. O veto do acesso de jornalistas ao Congresso no dia 05 de novembro, dia no qual a solenidade marcou a volta de Bolsonaro (PSL) ao Congresso depois da campanha eleitoral, são sintomáticos de algo que já aconteceu mais de uma vez.

Nos dois períodos, houve supressão de movimentos sociais, organizações, jornais, associações, clubes, entre outras composições contestatórias ou que pudessem aglomerar pessoas com certos perfis. Pessoas negras que falavam contra o racismo, por exemplo, foram acusadas de inventar um problema que não existia: o racismo no Brasil.

“O projeto de país criminaliza os movimentos ao não entender que eles são fundamentais para a democracia e também ao culpá-los pela situação política que a gente vive hoje. Movimentos que apontaram diferenças sociais e falam de racismo, LGBTfobia, machismo, são culpados pela degradação da família e das bases morais da sociedade, também da gente não conseguir mais se reconhecer como unidade.”, explicou Lucas Vilalta, um dos coordenadores do Usina de Valores, projeto que visa articular coletivos de periferia para debater os direitos humanos.

“Estamos em um momento muito preocupante, porque as nossas linguagens para lutar contra isso também estão sendo atacadas. Todos os elementos de luta estão sob ataque.”, ressaltou a socióloga Ester Solano.

Para citar um exemplo, os bailes soul no Rio de Janeiro, foram alvos diretos investigação, privação de liberdade e tortura de seus membros, além da supressão de suas apresentações, festas e discursos a partir dos anos 70. A informação é do artigo do historiador Lucas Pedretti. 

“À medida em que as pesquisas avançavam, percebemos que não apenas os bailes eram monitorados: havia uma expressiva massa documental, produzida no curso de investigações sobre a atuação de organizações políticas antirracistas e associações culturais negras criadas durante a década de 1970.”, disse o artigo.  

A polícia vai atirar para matar quem?

Com discurso mais radical, o governador de SP, , afirmou no início de outubro, que, se eleito, as polícias Militar e Civil iriam atirar para matar.

“Segurança pública é isso. É defender o cidadão, as mães, as pessoas que são roubadas e assaltadas diariamente em São Paulo. Nós vamos combater isso com políticas duras de apoio à Polícia Militar e Civil”, finalizou.

A fala de vai em desencontro com a atuação dos policiais de São Paulo, que desde 1998, seguem um método de uso progressivo da força. Chamado de Giraldi, a orientação é que o policial cesse a ação do agressor contra a vítima, mas em caso de tiro “o disparo não deve ter como finalidade a morte”.

Apesar dessa orientação, dados do IPEA mostram que os policiais tiveram números elevados no quesito letalidade em 2015. O número de latrocínios (roubos seguidos por morte) no Brasil em 2015 foi de 2.314; as mortes por intervenção policial foram 3.320.

Segundo a investigação, entre 2014 e 2016, 16% dos mortos por policiais tinham menos de 17 anos, o dobro da proporção dos que são alvo de homicídio em geral (8%).

Além disso, 67% das vítimas fatais de ações policiais eram pretos ou pardos, contra 46% do total das vítimas de assassinatos no estado.

“Eu sempre digo que no Brasil o projeto de extermínio é um projeto de política pública, né? A letalidade policial é uma política pública. Bolsonaro na presidência e no governo do estado significa uma política pública absolutamente alinhada, que agrava o encarceramento e letalidade policial.”, complementou a socióloga Ester Solano.

Velhas políticas e um general

O general da reserva do Exército, João Camilo Pires de Campos, será secretário da Segurança Pública de São Paulo. A última vez que um militar esteve à frente desta secretaria foi na década de 70, com o coronel Erasmo Dias, de 1974 a 1979.

Em entrevista coletiva, o general João Camilo afirmou que não se pode esperar uma tropa levar tiro para “responder” em caso de ataque de criminosos.

“Esse tema [de policiais que matam suspeitos] está em estudo e deve ser amadurecido. Porque não se pode admitir uma tropa ter que levar um tiro para que possa responder. No meu entendimento é ameaça, mas [o assunto] merece ser colocado em amadurecimento”, declarou.

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Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola e Não me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento e TV Grajaú, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

Cerca de 30 reportagens serão publicadas até o final de outubro com assuntos de interesses da população das periferias de São Paulo em ano eleitoral. Acompanhe os sites e as redes sociais dos coletivos e não perca nada!

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