A mãe do jovem Gabriel Severiano, de 26 anos, faz marmitas para vender e o rapaz é responsável pelas entregas em várias regiões da cidade do Rio de Janeiro. Essa era a rotina deles até o dia 10 de julho, quando Gabriel foi abordado por policiais militares em um ponto de ônibus, levado para a delegacia e acusado de assalto a mão armada.
A prisão em flagrante foi decretada na 11ª delegacia, que fica na Rocinha, e Gabriel, que é negro, foi acusado de participar de um assalto a ônibus. Quando chegou na delegacia, ainda no corredor, ele foi reconhecido por uma das vítimas do assalto. Os policiais disseram que abordaram Gabriel porque ele estava com um casaco preto e no ponto de ônibus. Na queixa do assalto a mão armada, um dos supostos assaltantes também estaria usando um casaco preto e seria negro.
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Preso há 54 dias, Gabriel teve a prisão preventiva decretada na audiência de custódia, que aconteceu no dia 12 de julho, e já passou por três unidades prisionais. O pedido de relaxamento de prisão, por conta da fragilidade da acusação, não foi analisado.
“Quando foi preso, ele ficou uns cinco dias em Benfica, depois foi transferido para o presídio Tiago Teles, em São Gonçalo, e agora foi transferido novamente para o presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão”, conta a tia do jovem Camila Rezende, 37 anos, auxiliar administrativa.
O assalto ao ônibus aconteceu por volta das 20h35, na estrada do Joá, na Gávea, e o motorista e os passageiros acionaram imediatamente a polícia. Os dois assaltantes armados desceram em um ponto, antes do Shopping Fashion Mal. O motorista e os passageiros foram até a delegacia da Rocinha.
Enquanto isso, os policiais em ronda identificaram Gabriel no ponto de ônibus em frente ao shopping. A testemunha que reconheceu Gabriel disse que os ladrões levaram a carteira e o relógio dele.
Por sua vez, Gabriel foi preso desarmado, sem nenhum dos pertences das vítimas. Ele esperava um ônibus para ir embora para casa.
“Quando foi visitá-lo, a irmã dele disse que ele estava bastante transtornado, dizendo que não sabia o que fazia naquele lugar, que não tinha feito nada, que não era bandido. Não falta nada para ele porque estamos nos sacrificando pra levar as coisas para ele, mas no momento ele está sem nada, pois foi transferido de presídio na última terça-feira e só pôde levar algumas roupas e cobertas”, detalha a tia do jovem.
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Família investiga o caso por conta própria para provar inocência de Gabriel
Gabriel tem endereço fixo, duas filhas pequenas e atividade comprovada. Ele nunca tinha sido preso e a família afirma que sempre trabalhou. A polícia não investigou as imagens do ônibus assaltado ou outras provas que pudessem levar à identificação dos assaltantes. A advogada e a família do Gabriel fizeram uma campanha e investigam o crime no qual ele é acusado por conta própria para provar sua inocência. A audiência para analisar o caso deve acontecer apenas no final de setembro.
“Fiz um pedido da revogação da prisão preventiva, que ainda não foi analisado. Pedi que fossem verificadas as imagens do ônibus para provar que não era ele e pedi as imagens do metrô para provar que no dia ele fez outro trajeto”, explica a advogada de defesa.
Segundo a defesa, na delegacia, não foi feito o reconhecimento dentro dos termos do Código Processo Penal (CPP). “Quando ele estava entrando, a vítima virou para trás e disse ‘esse é cara que acabou de me roubar’”, lembra.
Segundo o artigo 226, do CPP, em vigor desde 3 de outubro de 1941, “a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;” e ainda, “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.
A Alma Preta Jornalismo entrou e contato com as assessorias da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro para esclarecer os procedimentos e os desdobramentos acerca da prisão do entregador de marmitas Gabriel Severiano. A assessoria do MP pediu mais informações para analisar o caso. A PM não respondeu e a Polícia Civil, por sua vez, enviou uma nota onde diz que durante depoimento Gabriel “apresentou informações desencontradas sobre os fatos e quanto a uma possível namorada – que não foi localizada – e foi reconhecido presencialmente por uma vítima”.
Os PMs que abordaram o Gabriel são Alexandre da Silva Santos e o Renato de Souza Fernandes; a delegada que decretou a prisão preventiva pelo artigo 157, roubo com violência, foi a Mônica Silva Areal; na audiência de custódia o caso foi analisado pelo juiz Pedro Ivo Martins Caruso e a promotora de Justiça Laura Minc, do Ministério Público do Rio de Janeiro.
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