Durante uma reunião remota entre professores do departamento de Ciência Política do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o professor Wallace de Moraes, 47, ouviu de um de seus colegas que não poderia assumir um posto, para a qual estava qualificado e foi indicado, por “constantemente se vitimizar por ser negro” e ser “desequilibrado emocionalmente”. O episódio causou revolta em alunos e funcionários negros da universidade.
Moraes é cientista político e historiador, dá aulas na UFRJ desde 2012 e foi professor na UFF (Universidade Federal Fluminense). Segundo ele, foi “duro” ter que ouvir tais acusações, mas que a situação que passou talvez explique porque os alunos reclamam que o racismo é o principal problema do Instituto.
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“O IFCS e a UFRJ não podem permitir isso. Esse é o fato concreto que deve ser respondido. Qualquer outro caminho é desvirtuar do real. Enquanto isso, assumo que continuarei ‘brigando’ contra todo tipo de discriminação disferida contra qualquer corpo, e por liberdade, igualdade e autogoverno para os povos negros e indígenas”, afirmou o professor, que entrou com uma representação na UFRJ.
As ofensas foram feitas por um coordenador do IFCS e corroboradas por outros colegas. Segundo as regras da universidade, reuniões como essa deveriam ter ata e gravação, no entanto, os docentes que fizeram as acusações contra Moraes afirmaram, em nota, que a reunião não foi gravada.
“A arrogância é tanta que os chefes do Departamento não cumpriram um dever institucional e tratam isso com naturalidade. Eles sabem que a Casa Grande vai protegê-los. Eles sabem que ao dizer isso, todos os racistas, que não assumem jamais que são, vão apoiá-los, vão ponderar, vão tergiversar. Um corpo branco não sabe a dor que é ter que provar sempre 200% de capacidade para chegar em um lugar como esse”, comentou Moraes em carta enviada, nesta quarta-feira (1º), para os membros da congregação do IFCS e para os coletivos antirracistas da UFRJ.
Segundo ele, a questão não é pessoal, mas sim o racismo que atravessa todas as classes sociais. Por isso, ele espera que a repercussão do caso aumente e qualifique a discussão sobre a branquitude e o racismo.
Moraes foi indicado por cinco colegas do departamento para a vaga, ele tem formação na área e preenche as prerrogativas acadêmicas para o cargo. Por outro lado, o professor que levantou questões subjetivas e pessoais contra ele tem um cargo adjunto, está em estágio probatório e tem menos da metade de suas publicações acadêmicas.
Na internet e na mídia o caso ganhou destaque e o historiados recebeu muitas mensagens e manifestações de apoio. O documento do abaixo-assinado teve até o dia 1º de setembro mais de 2.200 adesões.
“Agradeço ao Coletivo de Docentes Negras e Negros, à Câmara de Política Racial da UFRJ, à Frente Antirracista de Servidores Negros, Negras e Negres e a todos os coletivos negros e de aliados que me apoiam nessa luta. Também quero agradecer aos colegas do DCP que indicaram o meu nome e confiaram em mim como capaz de participar de uma banca e a todes amigos e alunos que reconhecem e respeitam o meu trabalho”, disse Moraes.
Outro lado
Em resposta à Alma Preta Jornalismo, a UFRJ informou que, no dia 27 de agosto, instaurou uma comissão de sindicância para apurar com celeridade a denúncia de possível atuação imprópria e de conotação racista perpetrada por servidores públicos docentes do departamento de Ciência Política do instituto.
A universidade tem 4.218 professores, mas não tem a informação de quantos são negros. “Há um censo em andamento para realizar esse levantamento, sendo realizado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH)”, diz a nota da insituição, que foi fundada em 1920.
De acordo com a UFRJ, “esse levantamento [sobre o total de professores negros] subsidiará a distribuição de vagas de docentes e técnicos administrativos”.
“No IFCS, dentre 78 professores apenas dois são negros. É, realmente, não existe racismo aqui”, comentou Moraes.