Um caso de racismo institucional causou o levante de ativistas e movimentos sociais no estado de Sergipe. De acordo com a denúncia, que motivou atos de protesto, um professor negro e candomblecista, mesmo sendo aprovado e convocado para ocupar uma cadeira no Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, teve a sua vaga retirada. Doutor Ilzver de Matos, que foi aprovado em segundo lugar no quadro geral de vagas e em primeiro pelo sistema de cotas no Concurso de Docente do curso de Direito, não foi efetivado pela instituição.
Mesmo com parecer favorável a Ilzver dado pela universidade, de acordo movimentos negros locais, o corpo docente votou contrário à decisão, acatando um pedido feito por outro gestor, de contábeis, que solicitou abertura de edital de remoção, diante do interesse na vaga. Ao todo, 11 votos foram contrários ao da relatora da ação, a professora Jussara Jacintho – que votou para Ilzver de Matos assumir a vaga – com apoio de apenas mais 4 votos.
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O professor substituto à vaga de Ilzver é mestre, presidente da União de Juristas Evangélicos e ex-pró reitor de extensão na época em que a universidade pública passou por intervenções à pedido do atual presidente da república, Jair Bolsonaro. A ação, considerada arbitrária pelos movimentos negros, foi alvo de críticas e atos em apoio ao professor preterido.
De acordo com o cientista social e presidente do Núcleo Sergipano da Entidade Nacional UNEGRO – União de Negras e Negros pela Igualdade, Bruno Santana, a ação corrobora com a ilegalidade no processo de efetivação do professor. “Isso é uma ilegalidade. É o que vem sendo apontado por diversas organizações, inclusive jurídicas. O curioso é que, em decisões anteriores, o colegiado votou a favor do candidato aprovado em concurso e, nesta decisão, decidiu votar contra, ou seja, o julgamento e a interpretação da lei, para eles, mudam de acordo com a situação. É um exercício de poder quem vem concorrendo para diminuir a força e a participação das pautas raciais e das pautas que consideram progressistas inadequadas para uma universidade pública”, denuncia o ativista.
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Procurada pela Alma Preta Jornalismo, a Secretaria do Departamento de Direito da UFS encaminhou um arquivo, em áudio, de uma entrevista concedida pelo chefe do setor, o Professor Doutor Ubirajara Coelho Neto, na manhã desta quinta-feira. “Um dos pontos mais abordados em cima disso tudo é a falsa notícia de que estaríamos agindo com intolerância religiosa e suposto racismo. Na verdade, de certa forma, a mídia vem replicando isso como se fosse um mantra. Primeira coisa que deve ser combatida veementemente, é que a vaga não é de ninguém, a vaga é da universidade. (…) A segunda questão é que a vaga não foi preenchida por ninguém. O processo está apenas na fase inicial”, defende o docente.
Complementando a fala, o chefe do departamento ainda afirma que não há processo convocatório em aberto e que ainda não há um edital de remoção. Questionado sobre os trâmites que aconteceram no setor, para fase inicial, ele alega que o que havia ocorrido era “apenas uma votação”.
Para o ativista da UNEGRO, as complicações no processo do departamento responsável acabam por não respeitar as políticas públicas de inserção de pessoas negras no ambiente acadêmico, como a aplicação das cotas raciais. “Se a gente deixa uma questão dessa passar, isso pode voltar a acontecer. Já vem acontecendo, na verdade. Ilzver passou em primeiro lugar pela cota racial. Com isso, a decisão do departamento acaba por desrespeitar essa política pública. É algo que a gente não pode continuar aceitando. A política de cotas precisa ser efetivada, nós temos uma necessidade histórica para isso. É um direito conquistado pelo movimento negro que nós, em hipótese alguma, podemos abrir mão”, finaliza.
O posicionamento de Bruno é semelhante à nota publicada via página oficial em rede social dos Coletivo Afronte Sergipe. “Não vamos nos silenciar diante de mais um ataque, é fundamental que essa decisão seja revista e não se abra precedente para que mais uma injustiça seja cometida contra a população negra, porque hoje é o professor Ilzver, amanhã poderão ser vários de nós”, afirmam os integrantes do movimento.
Enquanto medidas administrativas ainda não forem tomadas, ativistas e movimentos sociais de Sergipe continuam em campanha contra a postura da universidade. Uma nota de repúdio assinada por professores e pesquisadores da área de Ciências Sociais e Humanidades circula nas redes sociais e convida para que mais profissionais da área se juntem à luta. Os nomes que assinam, a titulação e as respectivas instituições serão enviadas ao Conselho Departamental de Direito, ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas e ao Conselho Universitário da Universidade Federal de Sergipe.
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