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Professores da UFBA têm medo de se manifestar contra o racismo, diz aluno

28 de agosto de 2019

Após protestos contra a discriminação racial na instituição de ensino, alunos relatam que o problema continua

Texto / Dennis de Oliveira | Edição / Nataly Simões | Imagem / Reprodução

A Organização Dandara Gusmão, formada por alunos negros da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ficou nacionalmente conhecida pelos protestos contra o racismo realizados na instituição de ensino em junho deste ano.

De acordo com os alunos da organização, que preferiram ter suas identidades preservadas, as manifestações trouxeram avanços, mas alguns problemas persistem.

A universidade criou um grupo de trabalho para combater o racismo no segundo semestre. “Com isso, teremos cerca de 10 encontros para encaminhar nossas reivindicações à reitoria até o dia 20 de novembro”, conta um aluno da UFBA.

“Nós temos apenas três professores negros e boa parte da classe discente é movida pelo medo de se manifestar. Isso torna a luta bem mais difícil”, acrescenta.

Confira a entrevista completa:

AP: Nos manifestos da organização, vocês enfocam o racismo na escola de teatro da UFBA em diversos aspectos, em particular a pequena presença de negras e negros nos elencos, preferência por dramaturgos brancos e narrativas que privilegiam a condição de subalternidade negra na sociedade. Como este debate ocorre no cotidiano da escola de teatro, nas aulas, nos cursos?

Organização Dandara Gusmão: A organização tem em nossa vivência um peso de luta que nos conduz todos os dias a nos organizar para lutar contra a rotação das engrenagens do racismo institucionalizado na Universidade Federal da Bahia. Neste ínterim são mais de meio século fomentando a prática do ódio de raça até que se faça se tornar natural em meio a técnicos administrativos, professores, doutores e assim sucessivamente. A subalternidade é uma constante para o povo preto em qualquer lugar e não é diferente na primeira escola de teatro do país.

As aulas antes das nossas intervenções de junho invisibilizavam estrategicamente nossa vida e todos os feitos que nosso povo foi capaz de produzir. A própria dinâmica acadêmica faz com que você esqueça todos os dias de onde vem e para onde deve voltar para transformar. Por isso, é preciso se organizar.

AP: Há professores que têm uma visão menos racista?

Organização Dandara Gusmão: Nosso quadro de professores negros sempre foi pequeno. Até 2016 só tínhamos um professor declarado negro em um quadro de mais 40 profissionais. Ou seja, numa cidade majoritariamente preta como Salvador, ter essa inter relação com nossa humana realidade é impossível. De lá para cá, a realidade vem mudando a passos curtos, mas seguimos. O número de professores aumentou para três. O medo de se posicionar fortemente contra o racismo é ainda mais duro e nos deixa extremamente revoltados, por isso nos organizamos todas as semanas com a finalidade de crescer e desenvolver uma contra argumentação em cima de toda ação racista da UFBA.

Boa parte da classe discente é movida pelo medo de se manifestar e até pela falta de empatia com a nossa causa. Isso torna a luta bem mais difícil. Estamos sacrificando os nossos cursos em prol de uma causa justa e que está estagnada a mais de 50 anos. Porém, estamos prestes a completar três anos de existência e, mesmo nossas irmãs e irmãos enxergando os avanços, a mente treinada para servir ao povo branco e seus caprichos tem mais empatia. Muitos já desfrutaram de nossa luta e seguiremos com o máximo de resistência, contando com todos os apoios reais ou virtuais para enfim chegarmos numa conjuntura minimamente aprazível para pretas e pretos acadêmicos.

AP: Os estudantes negras têm se unido nas críticas?

Organização Dandara Gusmão: A gente sabe exatamente quem luta pra aparecer e quem aparece pra lutar. Essa é a parte mais difícil de se organizar. Se a luta dependesse exclusivamente da classe estudantil, apática e amedrontada da escola de teatro, nada teria seguido. Por isso a nossa trincheira é recheada com todas as pessoas possíveis. De dentro e de fora do espaço acadêmico. Assim a gente fortalece os nossos antepassados quando aquilombaram nosso povo independentemente de sua origem. Muita gente exclama bem alto: Fora isso, fora aquilo, mas na hora de estender a mão para a luta ninguém segura a mão de ninguém.

AP: Os protestos receberam críticas da corporação artística. Este comportamento decorre do fato de existir ainda no meio artístico uma postura de rejeitar qualquer questionamento ao trabalho do artista, principalmente quando se trata de acusações de racismo?

Organização Dandara Gusmão: A nossa organização vem sendo rechaçada com o linchamento virtual todas as vezes que nossa luta ganha proporção em notoriedade. Porém, não existe novidade nos nossos manifestos. São lutas que vem antes da gente, antes de iniciarmos qualquer atividade nomeada como Organização Dandara Gusmão.

Muita gente nem ao menos tinha ouvido falar de Dandara e muito menos de Gusmão. Mas nós nos dedicamos todos os dias para explicar e visibilizar essas figuras importantes de nossa história. Dandara retirou sua própria vida em prol de não se escravizar contra o regime colonialista de escravidão. Gusmão, o primeiro artista negro a se formar na UFBA, a mesma coisa. O nome dele não era citado em nenhum lugar e fomos nós que enaltecemos sua história e a de tantas outras pessoas que elevam a nossa cultura preta e nordestina.

AP: Como tem sido o diálogo com as instâncias da escola de teatro e a reitoria da universidade? E com o movimento negro?

Organização Dandara Gusmão: Os brancos continuam dominando, mas depois da criação de uma frente de apoio essa realidade tem se modificado aos poucos. O movimento negro da cidade de Salvador se aliou para criação da frente e logo após um grupo de trabalho para combater o racismo institucional na escola de teatro da UFBA foi instaurado.

AP: Quais são os próximos passos do movimento?

Organização Dandara Gusmão: Depois do nosso manifesto no dia 1º de junho de 2019, tivemos um avanço muito importante que foi a criação de um grupo de trabalho para combater o racismo institucional no primeiro dia de aula do semestre letivo de 2019.2. O eixo principal que norteia o grupo de trabalho é a moção que foi entregue ao reitor no dia 3 de julho de 2019. Com isso, teremos cerca de 10 encontros para encaminhar ponto a ponto até o dia 20 de novembro, quando o trabalho será concluído.

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