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Promotor que não quis prender estudante da USP pediu prisão por furto de chocolates

Em 2019, o promotor Fabiano Pavan votou pela prisão de acusado de furtar produtos avaliados em R$ 49,90; ele teve outro posicionamento no caso da aluna de medicina

Colagem: Alma Preta/I'sis Almeida

Foto: Colagem: Alma Preta/I'sis Almeida

4 de abril de 2023

Fabiano Pavan Severiano foi o promotor que rejeitou a prisão de Alicia Dudy Muller Veiga, 25, ré sob a acusação de desviar R$ 1 milhão da comissão de formatura de alunos de medicina da USP  (Universidade de São Paulo). Ele, porém, deu parecer favorável à prisão de um homem negro por furtar dez barras de chocolate dentro de um supermercado, em 2019.

O caso aconteceu no bairro de Interlagos, área nobre de São Paulo, quando João* foi preso em flagrante com os chocolates escondidos na cintura, produtos avaliados em R$ 49,90 que foram devolvidos ao estabelecimento. Em depoimento policial, o rapaz, à época com 34 anos e pai de três crianças, disse que pretendia revender a mercadoria porque estava sem dinheiro e emprego desde que havia saído da prisão.

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Fabiano Pavan Severiano era promotor designado na Procuradoria Geral de Justiça e se manifestou de forma contrária à aplicação do princípio da insignificância – quando um crime não tem baixo dano material e não é violento. Conforme trechos do processo, ele argumentou que João* era acusado em outro processo e que, diante do furto, a denúncia era “indispensável”.

No inquérito, a Polícia Civil indiciou Alicia por apropriação indébita, além de citar que ela também é investigada por crimes de estelionato e lavagem de dinheiro na Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

“A indiciada, embora tecnicamente primária, é useiro e vezeiro na prática de crime, em especial os patrimoniais e por não ser punida, sente-se incentivada a prosseguir em suas práticas delituosas. A postura apresentada por Alicia é de uma pessoa que tem certeza da impunidade, a ponto de sair sorrindo do interrogatório”, cita um trecho do inquérito da Polícia Civil.

No entanto, para o promotor Fabiano Pavan as provas indicam crime de estelionato, não de apropriação indébita a prisão de Alicia era “desnecessária”, “uma vez que não há nos autos nenhum elemento concreto que indique que ela, primária, esteja colocando em risco à ordem pública, dificultando a instrução processual ou que pretenda, no futuro, se furtar a aplicação da lei penal”.

Na última terça-feira (28), o Tribunal de Justiça de São Paulo recebeu a denúncia contra Alicia Dudy Muller Veiga pelo crime de estelionato, segundo informações enviadas ao G1 São Paulo. O caso corre em segredo de justiça.

Furto de chocolates

Segundo o processo, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, a juíza Helena Furtado de Albuquerque, da Vara Plantão do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu a liberdade provisória de João* com aplicação de medidas cautelares. No entendimento da juíza, apesar de João* responder por outro processo, ele é primário, pois não foi condenado, e cometeu um crime não violento.

Ao decorrer do processo, o acusado foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo pelo furto dos chocolates, porém, a 19ª Vara Criminal rejeitou a denúncia e destacou que as mercadorias furtadas representavam cerca de 5% do salário mínimo em vigor na época.

Apesar do promotor Fabiano Pavan, à época designado na Procuradoria Geral de Justiça, ter se manifestado pela denúncia de João*, o TJSP manteve a compreensão da 19ª Vara Criminal e apontou ausência de danos materiais ao proprietário do estabelecimento já que os produtos foram devolvidos. Com isso, a denúncia contra João* foi rejeitada e o processo foi finalizado de forma definitiva em novembro de 2019.

Posicionamentos

A reportagem questionou o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) a distinção no entendimento e atuação do promotor nos dois casos citados. Em nota, o MPSP informou que, conforme a leitura dos autos, a prisão de Alicia era desnecessária porque não oferecia riscos à ordem pública e econômica, ao processo ou eventual aplicação da pena.

Já o processo do furto das barras de chocolate, o MPSP explicou que o pronunciamento do promotor foi dado em “grau de recurso”, que acontece quando uma das partes do processo solicita a revisão da decisão judicial. Nesse caso, Fabiano Pavan pediu a rejeição do princípio da insignificância por João* já ter sido preso anteriormente.

‘Nenhum dos dois deixou de ser processado pelo MP que cumpriu o seu papel. O processo de (nome ocultado para preservar a identidade do acusado) foi extinto por decisão do Tribunal, quanto à ALYCIA, ela foi denunciada como amplamente divulgado’, completa a nota do MPSP.

A Alma Preta Jornalismo também entrou em contato com a defesa de Alicia Dudy. Sobre o pedido de prisão preventiva, a defesa informou que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a medida “somente é decretável em casos de extrema necessidade” e que “os fundamentos apresentados são vagos e por isso não são válidos para justificar o pedido de prisão preventiva”.

Já em relação à denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, quanto a suposta prática de estelionato, a defesa informou que não foi comunicada de forma oficial, que desconhece a veracidade das alegações e que Alicia continua à disposição para prestar esclarecimentos à Justiça.

A reportagem também entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) em busca de informações sobre a investigação realizada pela DEIC por supostos crimes de estelionato e lavagem de dinheiro. Em nota, a SSP-SP disse que o caso é investigado pelo 6º Distrito Policial (Cambuci), que intimou a investigada para prestar esclarecimentos e realiza outras medidas para elucidar o caso.

Já em relação à investigação dos desvios na comissão de formatura dos alunos de medicina da USP, a SSP-SP disse que a investigação foi realizada por meio inquérito policial instaurado pelo 16º Distrito Policial (Vila Clementino) e comunicado ao Poder Judiciário em janeiro.

“Posteriormente, o procedimento retornou à unidade para cumprimento de solicitação do Ministério Público, que já foi cumprida e remetida novamente à Justiça no último dia 10. No total, 76 alunos (vítimas) representaram criminalmente contra a autora”, completa a nota.

*Nome fictício usado para preservar a identidade da pessoa citada

Erramos: o título foi alterado de ‘roubo de chocolates’ para ´furto de chocolates’. Furto é um crime menos grave, pois não há violência 

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  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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