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Racismo é responsável por mais de 60% dos casos de depressão em favelas do Rio durante a pandemia

No período, 82% das vítimas de discriminação disseram que sentiram vontade de experimentar substâncias como o álcool; meio virtual é o espaço mais citado entre aqueles que o racismo se manifesta 

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Ricardo Moraes

Morador do Complexo de Favelas do Alemão

27 de setembro de 2021

Uma pesquisa inédita, lançada nesta segunda-feira (27), explicita a desigualdade racial e social em três comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. O estudo “Coronavírus nas Favelas: Desigualdade e Racismo Sem Máscara” observou que na Cidade de Deus, no Complexo do Alemão e no Complexo da Maré 63% dos moradores que sofreram racismo desenvolveram algum nível de depressão no período pandêmico.

A análise mostra ainda que, no contexto da pandemia, 16% das pessoas afirmaram ter sofrido racismo ou discriminação durante esse período, sendo 94% autodeclarados negros. Para o pesquisador Ricardo Fernandes, além da pandemia e situações de racismo, a sociedade brasileira em si tem sua responsabilidade na saúde mental dos moradores negros das favelas citadas.

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“O racismo estrutural está em tudo. E a sociedade tem sua parcela nisso, quando permite o sucateamento da rede pública de saúde, por exemplo. A não-reforma agrária causa depressão, assim como todas as fatias do racismo estrutural”, afirma o também coordenador do Movimento Cidade de Deus.

A ansiedade é outro fator destacado, estando presente em 34% das respostas dos moradores das favelas, segundo a análise. “Identificamos um emaranhado de sentimentos citados em proporções similares: 30% sinalizaram tristeza, 29%, desânimo; 29%, insônia; 28%, cansaço; 27%, pensamentos negativos; 27%, agonia/gastura; 24%, dores; 19%, medo/pânico; 10%, depressão e 6,5%, palpitação acima da média na escala de intensidade de sintomas”, aponta o estudo

Sobre as opções em relação o local da ocorrência de racismo ou discriminação, 31% se referem à internet, com 531 respostas; 29,3% por meio de notícias, com 494 respostas; e 29% na rua, com 489 respostas.

“Cabe observar o meio virtual como local de ocorrência de violência e como veículo facilitador da mesma, uma vez que não há interação face a face entre os usuários e há dificuldades na imputação penal para aqueles que cometem crimes – especialmente de racismo – na internet, o que acaba por estimular esse tipo de ocorrência”, diz o informe.

Uso de substâncias nas favelas

O levantamento também mostra que daqueles que sofreram racismo durante a pandemia, 82% expressaram o desejo de experimentar novas substâncias, sendo o álcool o mais citado pelos entrevistados, presente em 45% das respostas. Em seguida, os remédios de tarja preta (como calmantes) foram citados em 19%, o cigarro em 18%, os inalantes (“lança-perfume”, “black lança”, “loló” etc.) em 16%, e a maconha foi citada em 12% das respostas.

Além disso, nas três favelas pesquisadas, 37% das pessoas afirmaram ter aumentado seu consumo de substâncias, enquanto 63% apontaram sentir vontade de aumentar a dose das substâncias que já utilizavam.

“Historicamente, as pessoas recorrem às substâncias que tragam algum tipo de alívio e uma sensação de leveza. Então, a população negra que tem esse desejo em específico não está oposta à toda sociedade. Mas no contexto em que essas pessoas estão inseridas, o aumento tende a ser em alguma medida algo problemático”, avalia Ricardo.

A pesquisa mostra ainda que as substâncias consideradas ilícitas não foram as mais presentes nas respostas dos entrevistados, mas que os medicamentos receberam destaque. Quando questionadas se consumiram algum tipo de remédio por conta própria, 40% das pessoas responderam positivamente. Em pergunta de múltiplas respostas, dentre as medicações mais consumidas, estão, respectivamente, os analgésicos (42%), antiinflamatórios (9%) e ansiolíticos (8%).

Movimentos sociais auxiliam na melhora, mas não são o bastante, diz pesquisador

Para o pesquisador Ricardo Fernandes faltam políticas públicas que ouçam o que os moradores das favelas têm a dizer, para que as ações políticas funcionem efetivamente. Segundo ele, a ausência de apoio às favelas fez com que os próprios complexos se unam por conta em prol de melhorar as próprias condições de vida.

“O abandono e o descaso com as favelas é tão grande que a própria comunidade se estruturou para conseguir se manter. Estamos levando para as pessoas dados e informações preenchidos de vivência”, salienta.

Sobre as prioridades dos movimentos sociais, o pesquisador aponta que o ativismo visa preencher as lacunas deixadas pelo Estado e cobrar ações efetivas para contribuir com o bem viver nas favelas. No entanto, Ricardo reforça que nenhum movimento social se iguala ao governo, portanto, o que é possível fazer é ampliar a voz desses ambientes para gerar provocações que surtam resultado.

“O Estado tem poder e soberania não para nos limitar ou cercear nossa vida, mas, sim, para nos dar a plena liberdade de ser como queremos ser, de podermos prosseguir e de podermos ter a experiência de ser humano”, finaliza.

A pesquisa foi realizada pelos membros do coletivo Movimentos, com apoio do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).

Leia também: “Qual será o papel dos negros no governo?” questionam lideranças em encontro com Lula

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