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Racismo estrutural: ‘Segurança pública no Brasil é seletiva e criminaliza o negro’

Segundo especialistas, a letalidade policial, o perfil das pessoas encarceradas e o modo como a justiça criminal funciona são mecanismos de repressão e marginalização da população negra, que é desumanizada pelo Estado

Grupo de policiais com escudo disparando bombas

Foto: Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

15 de dezembro de 2021

No Brasil, o modelo de segurança pública está estruturado na proteção do patrimônio em detrimento da garantia de direitos básicos das pessoas, sobretudo da população negra, que enfrenta os impactos de quase 400 anos de escravidão sem políticas de reparações históricas.

“Além de não garantir os direitos dos negros, o modelo de Segurança Pública no país se tornou um intrumento de violação de direitos. Isso fica evidente nos índices de letalidade policial, que vitimiza em sua maioria pessoas pretas e pardas e no perfil da população prisional”, afirma o cientista político João Trajano Sento Sé.

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Segundo o especialista, que também é professor de Ciências Sociais na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a segurança pública no Brasil é seletiva e segue uma dinâmica de apartamento da sociedade.

“O país é formado por bolsões de pobreza e precariedade que cercam ilhas de ostentação e riqueza. São altos os índices de desigualdade que geram diversos tipos de tensões e a polícia age como a figura do capitão-do-mato, perseguindo e matando a população negra”, explica.

Ainda de acordo com o professor, a criminalização de corpos e da cultura negra, que permeia até hoje o modelo de segurança pública dos Estados, é uma faceta do racismo estrutural.

“Hoje estão criminalizando o funk, mas também já foram criminalizados o rap, o samba, a capoeira e as religiões de matriz africana. O racismo promove essa repressão do Estado contra o negro, sempre buscando uma justificativa para agir assim com repressão e violência. Na época do regime militar, o motivo para a repressão era a ameaça do comunismo, agora estão usando o argumento do combate às drogas para legitimar a repressão e a violência”, salienta.

Como exemplo, o professor cita as recentes chacinas do Salgueiro em São Gonçalo, no final do mês de novembro; e a do Jacarezinho, na zona Norte do Rio de Janeiro, no começo de maio. Além da morte da modelo e designer Kathlen Romeu, grávida, morta por um tiro de fuzil no peito durante uma operação policial chamada como “Cavalo de Tróia”, quando policiais se infiltram nas comunidades e provocam tiroteios para matar supostos traficantes.

Leia também: Racismo estrutural: O que significa e como combatê-lo?

Mentalidade racista

A líder do Movimento Mães de Maio, formado por parentes e amigos das vítimas dos assassinatos promovidos por agentes do Estado em maio de 2006, Débora Silva Maria, afirma que o modelo de Segurança Pública no Brasil é um desdobramento direto da mentalidade racista que perseguiu pessoas escravizadas desde o século 16.

“No Estado de São Paulo é explícito o ódio que os policiais militares têm em relação à população negra e periférica. Eles fazem um terrorismo diário. Ser negro ou ser pobre não é crime, mas a PM nos transforma em criminosos, em inimigos da sociedade”, detalha Débora.

Ela conta que dentro da estrutura das polícias militares, um dos crimes mais graves é a desobediência às ordens, porém na prática diária não é crime torturar os negros do mesmo modo que se fazia nos tempo da escravidão. “Aquele rapaz sendo arrastado pela moto do policial é uma cena chocante, mas repara que a visão de quem estava gravando a imagem afirmou que era uma cena da época da escravidão. As cordas de antigamente, agora são algemas de aço”, afirma Débora.

Outro ponto que a líder do movimento Mães de Maio destaca sobre o racismo estrutural nas forças de segurança pública é a prática das abordagens. “É constante a violação dos direitos humanos dos negros. Uma pessoa negra sempre vai ser parada como suspeita e depois eles fazem o que querem com ela, e o poder Judiciário aceita a palavra do policial, e ainda pior, condena aquele sujeito sem nem querer saber se foi forjada ou não a prisão. Se olha a cor e já vem a condenação”, diz.

Para a advogada Dina Alves, o modelo de segurança pública é um projeto genocida anti-negro. “A escravização moderna funda um tipo de Direito Policial que tem no corpo negro o seu alvo e na espetacularização da punição a sua racionalidade”, pondera Dina, que faz parte da equipe de advogados que luta por Justiça no caso do assassinato da Luana Barbosa dos Reis, morta em abril de 2016, na cidade de Ribeirão Preto (SP), por conta da brutalidade policial após uma abordagem.

“A pós-abolição, que ocorreu em 1888, transportou um regime patriarcal de direitos e de cidadania extremamente racializado e demarcou também novos rituais de desumanização e de criminalização da população negra. Por exemplo, a lei da vadiagem. Os negros eram vistos historicamente como perturbadores da ordem pública”, discorre Dina.

A advogada conclui que o modelo de segurança pública foi elaborado a partir de teorias racistas que colocam os negros com ináptos à cidadania e, ao mesmo tempo, aptos à criminalidade.

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