O Observatório da Discriminação Racial no Futebol e o Manual Anti-Racismo nos Esportes são iniciativas que buscam respaldar ações contra crimes de injúria racial no Brasil; Em 2019, o número de casos dentro dos campos cresceu 235% em relação à 2014
Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: CBF/Divulgação
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A competitividade estimulada pelos esportes praticados dentro e fora do país, por muitas vezes, é usada como instrumento de propagação de discursos de ódio, entre eles o crime de injúria racial. A cor da pele, para alguns, ainda indica inferioridade em relação a outros atletas não negros, o que é usado para intimidar, ofender e até afetar emocionalmete os atletas em atividade. Atentas à questão, iniciativas como o Observatório da Discriminação Racial no Futebol e o Manual Anti-racismo nos Esportes “Quero Representar!” buscam respaldar vítimas de discriminação e denunciar os casos.
Um caso recente da prática de violência racial foi registrado ainda no último domingo (24), fora de campo, com palavras proferidas pelo escritor e jornalista Eduardo Bueno, também conhecido como ‘Peninha’. Via conversa em grupo por chat de rede social, o também ex-comentarista esportivo, utilizou de termos como “macaco” para caracterizar jogadores do time Sport Club Internacional, que saiu vencedor do último clássico contra o Grêmio. “Lembrando q macaco TEM cor e não eh prestas eh vermelha”, afirmou Bueno.
O caso de Peninha pode ser somado às estatísticas levantadas anualmente pela plataforma Observatório da Discriminação Racial no Futebol, um projeto que acredita no esporte como uma importante ferramenta de inclusão social e da luta contra a discriminação através do mapeamento e auxílio nos desdobramentos dos casos. A ação pretende utilizar a força do esporte, mundialmente conhecido, como meio de abrir discussão e de alertar sobre casos de preconceito.
Em último relatório divulgado em 2019, O Observatório, que acontece desde 2014, fez um balanço sobre os anos apurados e registrou um crescimento de 235% no número de casos. Em 2017 foram registrados 43 ocorrências no futebol brasileiro, média mantida em 2018, com 44, mas que saltou para 59 em 2019.
Esta mesma ferramenta de mapeamento deu suporte à outra iniciativa, criada recentemente, que é foi a construção e divulgação do Manual Anti-racismo nos Esportes, intitulado “Quero Representar!”, lançado no final do segundo semestre de 2020, em parceria com outra plataforma on-line, a “Primeira Pele”. Com a temática “atletas unidos contra o racismo”, a página se uniu ao Observatório para construir um guia de entendimento e denúncia de violências raciais.
Em manifesto, a apresentação do material indica que as políticas de segurança pública – como abertura de delegacias especializadas em crimes deste tipo – só são pensadas a partir dos registros oficiais de crimes. Em primeira versão, o projeto pretende informar, em uma linguagem mais acessível, atletas negros que possam identificar crimes de racismo nos esportes.
Xingamentos relacionados à cor da pele, indicação de inferioridade por professar determinada fé, ofensas proferidas contra pessoas de outras nacionalidades, indicação pejorativa de que a pessoa se assemelha a algum animal por ser de determinada raça ou etnia, gritos oriundos de “torcedores” nas arquibancadas ou entorno de locais de jogos e xingamentos de atletas adversários durante jogos são alguns dos fatores que podem ajudar na caracterização do crime, segundo material, que já circula nas redes sociais.
Para a advogada Júlia Pereira, uma das autoras do manual juntamente com mais dois colegas da área do Direito, Laerte Tássio e Marcelo Colen, acredita que a publicação ajudará a respaldar os atletas que, por muitas vezes, expressam medo ou não reconhecem em primeiro momento o grau de violência da ação proferida.
“Como advogada negra, acredito que é de grande contribuição para a sociedade como um todo. Nós esperamos que os atletas acreditem que não só podem, como devem denunciar atitudes racistas e se informarem que existe lei para apoiá-los. Não precisa ter receio. O impacto que queremos é justamente trazer uma segurança no processo de abertura de denúncia e, assim, combater o racismo, seja ele em qualquer esfera”, pontua.
A ação, que em sua primeira versão se restringe à uma orientação pautada pelo Direito Penal, passará por uma atualização nos próximos meses, segundo a advogada. O caráter Civil será apresentado, orientado as vítimas em pedidos dentro do processo, como o direito à indenização e instruções sobre mais detalhes sobre o que prevê a Justiça Desportiva, órgão ainda lido como administrativo no país.
De antemão, antes da atualização do documento, o “Quero Representar!” já alerta para os passos mais seguros do registro da denúncia. Comparecer em unidade da Polícia (civil ou militar) ou ligar para o 190, registrar a ação como racismo ou injúria racial e descrever detalhadamente a sequência dos fatos são algumas etapas que podem facilitar a culpabilização do agressor. O manual ainda informa que a denúncia deve ser feita em um prazo de até seis meses.