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Rapaz que começou a trabalhar com nove anos na feira é suspeito de roubar 718 kg de ouro

15 de agosto de 2019

Juca Guimarães traçou um perfil sobre Peterson Patrício, acusado de roubar uma carga de ouro dentro do aeroporto internacional de Guarulhos; O jornalista conversou com familiares e com especialistas sobre o caso

Texto / Juca Guimarães | Edição / Pedro Borges | Imagem / Acervo pessoal

Aos 33 anos de idade, Peterson Patrício já soma 14 anos de carteira de trabalho assinada. O primeiro emprego foi aos 9 anos numa feira-livre, onde também arranjava as sobras de legumes e verduras para ajudar no sustento das duas irmãs mais novas e da mãe, em moradias precárias entre favelas de Osasco e do extremo leste da capital.

Nos últimos sete anos, trabalhou na supervisão de segurança do terminal de carga no aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Antes ele já tinha trabalhado com registro em carteira na Rhodia e na loja de instrumentos musicais Contemporânea.

No dia 25 de julho, com a família sequestrada por bandidos, segundo seu depoimento à Justiça, Peterson auxiliou no roubo de uma carga de 718 quilos de ouro, avaliada em mais de R$ 110 milhões, em troca da liberdade de seus parentes. Entre eles, a mulher e dois filhos pequenos, um de um ano e três meses e o outro de quatro anos de idade.

O Alma Preta conversou com parentes do Peterson para traçar o perfil do homem negro que afirma ter feito o possível para preservar o seu bem mais valioso, e saber como ele foi tratado pela Justiça.

Peterson é órfão de pai e a mãe é diarista em casa de família. Ela nunca deixou faltar nada em casa, mas teve que contar com a ajuda de Peterson no sustento do lar. Segundo uma irmã,Peterson assumiu a posição deixada pelo pai muito cedo.

Para progredir na vida, Peterson estudou bastante e fez duas faculdades. O curso de logística, concluído com muito esforço e sempre trabalhando, foi fundamental para conseguir o emprego no aeroporto.

No primeiro depoimento à polícia, após o roubo, Peterson relatou o que aconteceu e como foi coagido a participar da ação criminosa. De acordo com a família, a mãe de Peterson tentou ver o filho no Deic e os policiais não deixaram.

Ao longo da investigação, segundo o relato da família, ele foi ouvido sem a presença de um advogado e mal teve tempo de ver a mulher e os filhos. Em notícias divulgadas pela imprensa, e que dão como fonte a polícia, Peterson teria caído em contradição nos vários depoimentos que deu e também existem divergências em relação a provas encontradas na perícia feita na casa dele.

O advogado de defesa de Peterson, José Henrique Bello, atesta que a defesa vai seguir o primeiro depoimento dado pelo acusado, já que o segundo relato foi feito sem a presença de advogados e com pressão policial, o que explicaria e que tem diferenças entre os depoimentos.

“Ele dizia que nasceu para trabalhar, que gostava de trabalhar e que o trabalho fazia muito bem para ele. Para a mãe, ele dizia que nunca iria fazer nada de errado, independente da vida que viveu, o enobrecia por ser justamente de cor. Por ter crescido na favela ele tinha orgulho de ter vencido”, disse a irmã Catarine.

Peterson e a mulher foram sequestrados no dia 24 de julho. A irmã recebeu um telefonema da creche onde a cunhada, a mulher do Peterson, trabalhava perguntando porque ela não estava indo trabalhar.

Caterine ligava para a cunhada e para o irmão, mas o telefone deles caia sempre na caixa postal.

No dia 25, Catarine ligou de novo para o irmão e conseguiu falar rapidamente com ele. No telefonema, Peterson disse que a sua mulher estava com uma infecção e estava internada. Na verdade, a família já estava nas mãos dos sequestradores.

“Eu achei estranho. Ele estava apreensivo. Todas as vezes que a gente conversava, independentemente da situação, ele dizia que me amava e conversava naturalmente. Naquele dia eu achei que ele estava apreensivo”, disse.

Nos dias 24 e 25, data do roubo, Peterson ficou refém de dois sequestradores. Eles o levaram para casa onde fizeram de refém a sogra, os dois filhos, o cunhado e a cunhada; e uma sobrinha.Só mais tarde, no dia 25, a mulher de Peterson, que estava em outro cativeiro, foi liberada em Itaquaquecetuba, na região metropolitana.

Na sexta-feira, dia 26, Peterson e a família foram almoçar na casa da irmã e contou tudo o que aconteceu. No dia anterior, a casa dele foi toda periciada pela polícia logo após o roubo ter sido descoberto.

No sábado, 27, Peterson foi levado por policiais para um novo depoimento e refazer o trajeto onde a família tinha sido sequestrada. Desde então, ele continua preso.

“Os princípios do contraditório e da ampla defesa são fundamentais ao processo judicial moderno já a condenação sumária de pessoas negras é antiga no processo de formação da sociedade brasileira”, afirmou a psicóloga Ivani Oliveira, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e integrante da organização negra Kilombagem.

Após 18 dias do sequestro família, o Ministério Público de São Paulo acatou a indicação do inquérito policial e denunciou Peterson Patrício pelos crimes de roubo qualificado e formação de quadrilha.

“Aconteceu o que já ocorreu muita vezes em diversos bancos. Familiares do gerente são sequestrados para que ele facilite a atuação dos criminosos. Eu nunca vi um gerente de banco, que são sempre brancos, preso por causa disso. Mas no caso do Peterson, que é uma pessoa negra, ele está preso, mesmo com diversas provas que a família estava sequestrada”, defende Regina Lúcia dos Santos, coordenadora do MNU (Movimento Negro Unificado).

“A Justiça brasileira é seletiva. Ela só é incisiva com negros. Isso acontece sempre. A gente não vê jovens brancos serem presos sem provas, só por convicção. Com os negros são muitos casos. Ela prende jovem, negro e periférico”, completa.

Segundo dados de 2018 do Infopen, o banco de informações do sistema penal brasileiro, do Ministério da Justiça, dos cerca de 700 mil detentos do país, 61,7% são pretos ou pardos.

Como foi a ação da polícia

No dia seguinte ao roubo do ouro, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo publicou uma nota informando sobre o caso. Naquele momento, a polícia suspeitava que a quadrilha era formada por dez pessoas e que era bem organizada e tinha sequestrado a família de um funcionário para garantir o acesso ao local onde estava o ouro.

Além de ter o Peterson Patrício como refém, segundo a polícia, a quadrilha usou duas caminhonetes caracterizadas como veículos da Polícia Federal. A artimanha de que se tratava de uma operação de investigação de tráfico de drogas também facilitou o acesso da quadrilha.

No dia 6 de agosto, a polícia realizou uma coletiva de imprensa para falar do caso. Os delegados do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) disseram então que a quadrilha tinha 14 pessoas e que o “grupo é uma ramificação de uma organização maior com suspeita de participação em outros roubos”, de acordo com a nota publicada no mesmo dia e que também sustentava a versão do sequestro.

Já no dia 13 de agosto, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo, ofereceu a denúncia contra seis pessoas, entre elas o Peterson, com base no inquérito policial, pelo crime de roubo e formação de quadrilha armada.

Quanto ouro foi roubado?

Nas informações oficiais da Polícia e da Justiça chama a atenção as contradições em relação ao total de ouro roubado. Nas notas do dia 26 de julho, era 718,9 kg. Já no dia 6 de agosto, a quantidade anunciada era era 770 kg no título da nota e de “quase 720 kg” no texto. Na nota do Ministério Público, do dia 13 de agosto, a quantidade voltou a ser de 770 kg.

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