As consequências do desmonte do sistema de aposentadorias prejudicam mais os agricultores no campo
Texto / Juca Guimarães | Imagem / Reprodução | Edição / Simone Freire
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As possíveis mudanças na Previdência Social, em discussão atualmente no Congresso, dificultam as regras para a aposentadoria rural, ampliando a idade mínima e o tempo de contribuição para os agricultores familiares.
Desta forma, os quilombolas e a população negra que vive em territórios de demarcação de quilombo não vão conseguir se aposentar, de acordo com Jesus Divino, consultor e especialista em Previdência Social.
“As consequências econômicas e sociais do desmonte da Previdência são terríveis. As pessoas que mais precisam da proteção social vão ficar desamparadas. É o caso do negro agricultor e do quilombola. O que ainda mantém o trabalhador no campo é a possibilidade da aposentadoria. Sem ela, aumenta o exôdo rural, diminui a diversidade de produção e favorece a expansão dos latifúndios”, disse Divino.
A proposta aumenta de 15 anos para 20 anos o tempo mínimo de contribuição para se aposentar no campo. Além disso, deverá ser feita uma contribuição anual, em dinheiro, no valor de R$ 600 por membro da família.
Dados apurados em abril apontam que, com as possíveis mudanças, 63.507 famílias de negros descendentes de pessoas escravizadas que vivem no campo e produzem alimentos no modelo de agricultura familiar serão impactadas.
Pela regra em vigor atualmente, a contribuição previdenciária do trabalhador do campo que atua na agricultura familiar é indireta, ou seja, é descontado uma parte da venda da produção por meio de impostos, quando ele vende a produção. E essa contribuição, que varia de acordo com o preço dos produtos que ele plantou, vale para todo o núcleo familiar.
A mulher do campo
O governo também propõe que a idade mínima da aposentadoria rural seja de 60 anos para homem e para mulheres, sem distinção. A regra atual, no entanto, é de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres.
“A mulher negra que trabalha na agricultura familiar é duplamente atacada pela reforma que vem por aí. Tem o aumento do tempo de contribuição, que é quase impossível de ser atingido. É a ampliação de mais cinco anos na idade mínima”, disse Divino.
O efeito da reforma na aposentadoria rural vai afetar também o custo de vida de quem vive nas cidades, uma vez que a agricultura familiar é responsável por 70% da variedade de alimentos que são vendidos no Brasil.
“Vai aumentar o preço dos alimentos. A saúde do brasileiro vai piorar com o aumento do consumo de produtos super processados e cheios de agrotóxicos. Essas coisas que a gente encontra hoje nas feiras e nos supermercados, essa diversidade de verduras, legumes e frutas é produzido pela agricultura familiar, essa agricultura que é feita pelos trabalhadores negros nos quilombos. O grande latifúndio, o agronegócio, não produz alface, não produz quiabo, não produz vagem”, explicou.
Processos
Os casos de demarcação e regularização de terras quilombolas também estão parados. Atualmente, apenas uma em cada quatro famílias de negros quilombolas do Brasil estão em áreas regularizadas e com título de propriedade, de acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No entanto, apenas 16.142 famílias de negros agricultores vivem em quilombos regularizados, cerca de 25% do total de famílias identificadas pelo Incra.
A maioria dos quilombolas do Brasil, cerca de 33.300 famílias, vivem em territórios já identificados como quilombos, mas ainda aguardam a portaria do governo com a demarcação da terra.
Outras 14.032 famílias negras agricultoras vivem em quilombos demarcados, com portaria de reconhecimento e demarcação do território, porém, sem a regularização definitiva da área.
Existem também 1.755 processos abertos de criação de quilombos no Brasil. A estimativa é que mais de 255 mil negros e negras cultivem alimentos em terras quilombolas.