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“Excesso de contas”: Pernambucanas é acusada de racismo religioso

Vítima teve de passar por cerimônia cristã depois de enfrentar intolerância do gerente; Pernambucanas nega a acusação e diz que ação é movida por desejo de enriquecimento

Pernambucanas é acusada de racismo religioso

Foto: Imagem: Reprodução

20 de julho de 2022

A ex-funcionária da loja Pernambucanas, Maria*, acusa a empresa de racismo religioso depois de ser instruída a “remover esse excesso de fios e coisas”, porque a gerência regional da empresa “poderia não gostar, ou que algum cliente poderia achar ofensivo”. A orientação foi dada por Fernando Mota, gerente da companhia, no dia 2 de dezembro de 2021, na loja da empresa na Avenida Conego Vasconcelos, em Bangu, Rio de Janeiro. 

“Se isso não foi intolerância religiosa, eu não sei o que foi”, diz Maria, em entrevista à Alma Preta. Ela hoje faz tratamento psicológico, psiquiátrico e tem dificuldades para exercer atividades cotidianas. “Eu não tenho condição psicológica de ir sozinha ao mercado ou pegar ônibus”.

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Maria moveu uma ação por intolerância religiosa e assédio moral no ambiente de trabalho, com um pedido de indenização de R$ 122 mil por danos morais. Ela acredita ter sido vítima de racismo religioso. O caso tem audiência de instrução marcada para o dia 13 de junho de 2023.

Depois de ter sido alvo das ofensas de cunho religioso por parte de Fernando Mota, Maria diz ter recebido apoio de uma colega de trabalho, após ter saído desolada da sala de reunião. Maria também mandou mensagem para a Ialorixá do terreiro onde frequenta.

“Eu estou péssima, não paro de chorar. Meu gerente hoje veio me pedir para tirar meus fios de conta porque vai ter visita do meu regional e ele não iria gostar e ia falar com ele, daí fiquei pior que eu já estava. Parece que tudo está dando errado pra me testar. Estou trancada no banheiro da loja chorando”. A mensagem está datada no dia 2 de dezembro, às 13h20.

A antiga funcionária da companhia também diz que no dia 24 de dezembro, poucas semanas após o fato, teve de participar da inauguração de uma nova loja, onde ocorreu uma cerimônia cristã, com a presença de um padre, que benzeu todos no local. Maria chegou a ouvir de um colega de trabalho que a ida seria uma possibilidade de causar uma melhor impressão no gerente regional, que a tinha visto com adereços das religiões de matriz africana.

Ela ainda relata que o padre presente jogou água benta nos funcionários e passou o líquido nos cômodos da filial. Vídeo disponibilizado no processo mostra os trabalhadores em roda durante uma oração cristã.

Maria foi demitida no dia 14 de janeiro de 2022. Para ela, a proximidade da data de demissão com o insulto e a atividade na nova filial dão a “entender que sua transferência fora única e exclusivamente para participar do ‘culto’ de inauguração da loja”. A defesa de Maria é feita pelos advogados Bruno Candido e Paulo Pereira.

“Pior transtorno de toda situação é o ataque a sua crença, a sua identidade enquanto pessoa. É negar o acesso à dignidade. A gente quer que a empresa seja responsabilizada pelo tratamento desumano, na era da constituição cidadã. A gente espera que a empresa possa mudar a sua diretriz política de posicionamento”, explica Bruno Candido.

A Pernambucanas nega as orientações dadas pelo gerente da empresa sobre os fios de conta e diz que a cerimônia cristã é uma praxe da empresa, cujos donos são cristãos. A defesa da companhia também sinalizou que a cerimônia teve a duração de no máximo 10 minutos e que nenhum funcionário foi obrigado a participar.

De acordo com a Pernambucanas, houve uma solicitação por parte de Maria para acompanhar a atividade. “A reclamante solicitou a seu gerente para apoiar a loja de Meriti, o que foi acolhido pelo gerente. Isto é, a reclamante jamais foi transferida, mas sabidamente, estaria dando um apoio a loja nova por 3 dias”.

A Pernambucanas sinalizou no processo que tem um canal de ética para denúncia de forma anônima e que não recebeu nenhuma das queixas por parte de Maria. A acusação diz que Maria tentou utilizar o canal interno da companhia e fez um boletim de ocorrência na 35° Delegacia de Polícia.

“Ocorre que, ao tentar, por diversas vezes, formalizar a comunicação no sítio da empresa, não obteve sucesso, pois a página da internet incorre em erro, não possibilitando a conclusão da comunicação”.

A Pernambucanas indica que, se houvesse racismo religioso por parte da empresa, Maria não teria se desenvolvido na companhia. “Se de fato a reclamada tivesse qualquer preconceito com a religião da autora, esta não teria trabalhado por mais de 1 ano, sido promovida a cargos de liderança e gestão”.

Maria foi contratada em 3 de novembro de 2020 para a função de assessora de vendas. Em 1 de março de 2021 foi promovida para líder de vendas, e em 1 de junho do mesmo ano ocupou o lugar de supervisora da área. Ela foi demitida no dia 14 de janeiro de 2022.

Apesar das promoções, Maria afirma ter sido excluída de reuniões de gestão, o que motivou a defesa da ex-funcionária a sinalizar a existência do racismo institucional. “O que a referida defesa não conseguiu compreender é o fato que as instituições atuam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios a um determinado grupo racial, no caso os brancos e cristãos”.

A Pernambucanas disse trabalhar com a diversidade no desenvolvimento de políticas para a empresa e refuta a possibilidade de racismo religioso. “Esclarece ainda que se trata de uma empresa inclusiva em todos os sentidos, possuindo em seu quadro de empregados a mais ampla diversidade de pessoas, tais como, brancas, negras, das mais diversas regiões, de distintas opções sexuais, religiosas, pessoas com deficiência”.

À reportagem da Alma Preta Jornalismo, a companhia também afirma que “a diversidade é um dos valores da Pernambucanas e, por nossa história, nossos processos e controles não compartilhamos de nenhuma ação que venha a gerar qualquer tipo de constrangimento a nenhum colaborador ou cliente”.

A empresa indica que Maria apresentou uma ação “sem qualquer base fática ou até mesmo legal” e cujo objetivo é o de “enriquecer às custas” da Pernambucanas. “Assim, é nítido que a reclamante está se vitimizando a fim de alcançar indenização por danos morais que não lhe cabe”.

*Maria é um nome fictício, utilizado para preservar a identidade da pessoa

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