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Renda mínima prevista alivia trabalhador negro e pobre, mas é insuficiente para lidar com o coronavírus

Economistas explicam como os trabalhadores informais são afetados pelo Covid-19 e quais medidas são necessárias para assegurar financeiramente os negros e pobres

27 de março de 2020

Mesmo favorável ao isolamento social, o entregador Robson Franco, de 31 anos, precisa continuar trabalhando. Sem carteira assinada e pai de dois filhos, um de sete anos e o outro de três, o trabalhador presta serviços para uma transportadora na região metropolitana de São Paulo e já viu a demanda diminuir com o surgimento de casos do Covid-19, o novo coronavírus.

“Antes da pandemia eu estava fazendo em torno de 15 a 20 entregas. Agora, esse número já diminuiu para seis. Estou me cuidando, com o uso de álcool em gel, porque eu não posso parar. Minha preocupação é com os outros meses, pois não sabemos quanto tempo isso vai durar e um dia não trabalhado já faz falta no fim do mês”, conta. “Eu pretendia pagar o IPVA neste mês e por conta da pandemia já não vai dar porque é um valor que ultrapassa os R$1.500”, acrescenta.

Desempregada desde dezembro de 2019, Janaíne de Assis, de 33 anos, está na mesma situação. Terapeuta capilar para cabelos crespos, cacheados e ondulados, seus atendimentos feitos em domicílio foram suspensos por conta da pandemia. “Eu voltei a ser apenas mais uma pessoa à procura de emprego, como tantas outras. A pandemia tirou o pouco que eu tinha e ainda não fiz a conta exata, mas afirmo sem medo de errar que estou no vermelho”, diz.

Vulnerabilidade social

Os dois trabalhadores olharam com bons olhos a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (26), que prevê, entre outras coisas, um auxílio emergencial de R$ 600 por trabalhador e de R$ 1.200 para famílias chefiadas por mulheres como forma de diminuir os efeitos econômicos e sociais da pandemia no Brasil.

Autodeclarados negros, eles também estão dentro da estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra que negros compõem cerca de 65% dos desempregados e 47,3% dos trabalhadores informais no país.

Para Janaíne, o auxílio emergencial acendeu a importância de as pessoas desempregadas ou no mercado informal serem beneficiadas por outros programas de renda. “Acredito que a iniciativa deveria ser estendida para outros programas como o Bolsa Família, por exemplo, ou outros benefícios para desempregados que comprovem suas tentativas de se recolocar no mercado de trabalho”, sugere.

Mestra em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e proprietária da Consultoria Reconomizar, Regiane Vieira Wochler, avalia que o auxílio emergencial deve garantir um alívio para as contas das famílias mais vulneráveis, mas não deve ser o suficiente diante do isolamento social.

“É uma medida paliativa importante porque garante ao menos alimentação, embora em algumas regiões metropolitanas pode não ser o suficiente para arcar com todas as despesas de uma família como o aluguel, por exemplo”, avalia.

A proposta, encabeçada por parlamentares da oposição ao governo de Jair Bolsonaro, é voltada para desempregados, trabalhadores sem carteira assinada e microempreendedores com renda mensal de até três salários mínimos ou de meio salário mínimo por membro da família. O texto, aprovado na Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (26), ainda será apreciado pelo Senado.

Inicialmente, a equipe econômica do governo Bolsonaro anunciou um auxílio de R$ 200 para os trabalhadores informais impossibilitados de trabalhar por conta do Covid-19. O valor é menor do que o valor de uma cesta básica na cidade de São Paulo. Segundo pesquisa do Núcleo de Inteligência e Pesquisas do Procon, vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania, feita em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor médio da cesta de alimentos na capital paulista é de R$ 784,16.

Pandemia e trabalhadores informais

O Brasil registrou, até esta sexta-feira (27), 3.027 casos confirmados do Covid-19, o novo coronavírus, segundo as secretarias estaduais de Saúde. Ao todo, são 77 mortos, 58 só no estado de São Paulo.

Regiane Vieira Wochler destaca que o avanço da doença no país expõe as desigualdades sociais e raciais que permeiam o mercado de trabalho. Embora o isolamento social seja fundamental para diminuir a disseminação do vírus, os trabalhadores informais entram em desespero pela necessidade da renda.

“Apesar do risco real de morte em decorrência da pandemia, não é simples abrir mão da renda do trabalho sem que haja auxílio de políticas públicas para custear as despesas. Na realidade das periferias, o isolamento social muitas vezes representa riscos à sobrevivência, dado que a falta de um fluxo de renda traz desde insegurança alimentar à impossibilidade de manutenção da residência”, pondera.

Wochler lembra ainda que a possibilidade de isolamento social dos mais ricos ocorre em detrimento de as pessoas mais pobres continuarem trabalhando, principalmente em cargos informais, como empregadas domésticas e entregadores de aplicativos de delivery.

A necessidade do trabalho informal para a subsistência de grande parte da população deveria ser uma das preocupações da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro, conforme aponta o doutorando em História Econômica na Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcos Henrique do Espírito Santo.

“Muitas das pessoas em condições informais trabalham literalmente para garantir sua subsistência do próprio dia ou do dia seguinte. São trabalhadores que saem na rua em busca de sustento e correm o risco de contrair o novo coronavírus ou ficam em casa e morrem de fome. Por isso, o poder público deve atuar para proteger essas pessoas da pandemia”, explica.

E quando a pandemia acabar?

Os economistas ouvidos pelo Alma Preta avaliam que ainda não é possível analisar com clareza como a economia brasileira deve reagir após a pandemia do Covid-19 no país. Há entre eles, no entanto, um consenso de que está nas mãos do governo Bolsonaro a sobrevivência da população mais vulnerável.

“É difícil dizer o que vai ser da nossa economia após a pandemia. É uma situação nova e o fato é que o Estado terá que criar programas de sustentação para empresas e trabalhadores. Não sabemos se a disseminação do coronavírus vai durar três ou seis meses, mas o papel decisivo do governo é aumentar a dívida pública para que a contaminação não tome proporções incontroláveis”, pondera Marcos Henrique.

Entre as medidas necessárias para o país lidar com a crise provocada pela pandemia, Regiane Vieira Wochler cita a liberação de linhas de crédito para pequenas e médias empresas que empregam parte da população brasileira.

“Ainda com foco na preservação dos empregos, o governo também poderia pagar parcialmente os salários dos trabalhadores, aliviando os custos neste momento de impossibilidade de operação e evitando demissões. Essas medidas já teriam potencial para reduzir vulnerabilidade econômica dos mais pobres e também propiciar uma retomada econômica tão logo a pandemia arrefeça”, avalia.

  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Passagens por UOL, Estadão, Automotive Business, Educação e Território, entre outras mídias.

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