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RS: projeto de moradias provisórias para desabrigados gera preocupação

Para professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, experiência de agrupar várias populações distintas em um único lugar com a promessa de moradia fixa futura não apresenta sucesso no Brasil
Imagem mostra pessoas em frente à escola de samba, afetada por enchente em Porto Alegre.

Foto: João Víctor Oliveira/Alma Preta

6 de julho de 2024

Por: João Víctor Oliveira

O governo do Rio Grande do Sul anunciou que pretende construir Centros Humanitários de Acolhimento a fim de abrigar as pessoas atingidas pela crise climática que assolou os gaúchos entre abril e maio de 2024. A ideia é criar cinco instalações provisórias nas cidades de Porto Alegre e Canoas, financiadas pela Federação do Comércio, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS). Somados, os locais  teriam capacidade para abrigar cerca de 3,8 mil pessoas.

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Em Porto Alegre, os locais cotados para receber a estrutura são o Complexo Cultural Porto Seco e o Centro Vida, situados na Zona Norte da capital, e o Centro de Eventos Ervino Besson, na Zona Sul.

O professor de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Magalhães, demonstra preocupação com as condições da iniciativa. Para ele, a experiência de agrupar várias populações distintas em um único lugar com a promessa de uma moradia fixa futuramente não apresenta sucesso no Brasil.

“Não existe nenhum caso da história habitacional brasileira em que uma iniciativa provisória tenha dado certo no sentido de permitir que as pessoas que mais precisam de habitação de fato tenham esse direito respeitado. Habitação não é só uma unidade habitacional, é estar inserido em uma rede infraestrutural que permita que as pessoas tenham boas condições de vida com saneamento básico, eletricidade, equipamentos urbanos de saúde, assistência social e educação. Temos que pensar em habitação no sentido mais amplo”, explica.

Um dos locais cotados para a implementação da iniciativa provisória, o Complexo Cultural do Porto Seco, é onde está o sambódromo da cidade de Porto Alegre. No local, as escolas de samba possuem barracões, onde são confeccionadas as alegorias, fantasias e adereços ao longo do ano para o desfile de Carnaval da capital e região metropolitana. No atual momento, os espaços são usados para acolher e distribuir doações aos mais atingidos pelas enchentes.

Montanha de lixo presente no Complexo Cultural do Porto Seco.
Montanha de lixo presente no Complexo Cultural do Porto Seco. (João Víctor Oliveira/Alma Preta)

Comunidade carnavalesca vive pior momento em sete anos

O Carnaval de Porto Alegre é uma manifestação cultural difundida pela população negra da cidade. No início dos anos 2000 foi retirado da região central, onde aconteceu na avenida Augusto de Carvalho da década de 1980 até 2003, quando foi transferido para o Porto Seco, que fica no Extremo Norte da cidade. 

A comunidade carnavalesca vive o seu pior momento desde 2017, quando o prefeito Nelson Marchezan Jr rompeu a relação entre o poder público e a comunidade. O Complexo Cultural do Porto Seco hoje serve como um depósito de lixo temporário pela prefeitura, onde são colocados os materiais recolhidos das ruas destruídas pelas inundações.

As ligas responsáveis pelo carnaval de Porto Alegre, que representam as escolas, se mostram contrárias à implementação do Centro Humanitário de Acolhimento no Porto Seco. À Alma Preta, a presidente da União das Entidades Carnavalescas de Todos os Grupos e Abrangentes de Porto Alegre (UCEGAPA), Kelly Ramos, cita que as preocupações que surgiram após o anúncio foram reportadas para a prefeitura da cidade.

“Nós mostramos o outro lado dessa situação, de que não é fácil colocar muitas pessoas aqui dentro, não por conta do espaço ou pelo carnaval, no entorno temos mais de 15 comunidades, temos o problema do tráfico, a questão de dar assistência médica e criar escolas”, relata.

De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem aproximadamente 100 mil imóveis vazios em Porto Alegre. Para Magalhães, esses imóveis poderiam ser utilizados para garantir moradia aos desabrigados.

A presidente da Sociedade Beneficente Cultural Bambas da Orgia, Fátima Sampaio, diz que as escolas de samba fornecem marmitas e arrecadam agasalhos, colchões e cestas básicas nos barracões dentro do Complexo Cultural do Porto Seco para ajudar a comunidade durante o período de calamidade no estado.

“Recebemos ajuda dos carnavais de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina com carretas de doações. Estamos realizando um trabalho exaustivo que está ajudando muita gente”, conta.

Bambas, como é popularmente conhecida, é a escola de samba mais antiga do sul do país. A agremiação carrega a conquista de ser uma das maiores campeãs do Carnaval de Porto Alegre juntamente à Imperadores do Samba, ambas com 21 títulos. 

A quadra da escola ficou inundada pela lama ocasionando em perda de documentos, avarias nos troféus, instrumentos e vários outros materiais presentes na sede localizada na Avenida Voluntário da Pátria. O Ministério da Cultura visitou o espaço em junho e prometeu criar um programa para reconstruir os pontos de cultura do estado gaúcho. 

No dia 3 de julho, a ministra Margareth Menezes retornou à Porto Alegre e anunciou  o investimento de R$ 60 milhões no programa “Retomada Cultural RS”, o qual destina 150 bolsas de R$ 30 mil a grupos nas áreas de artes visuais, circo, dança, música e teatro.

“Fiquei bem feliz com a visita, pois não temos verba para nos reconstruir sozinhos. Estamos fazendo várias ações para buscar ajuda, mas precisamos do dinheiro para ontem”, afirmou a presidente da agremiação, Fátima Sampaio.

Governo estadual diz que moradias provisórias terão infraestrutura segura

O Governo  do Rio Grande do Sul formalizou a instalação dos cinco Centros Humanitários de Acolhimento em Porto Alegre e Canoas.  O documento assinado pela gestão estadual prevê “infraestrutura necessária para garantia de dignidade e segurança” para as pessoas que devem ser abrigadas nos espaços enquanto aguardam pelas moradias fixas prometidas pelo poder público.

A reportagem procurou a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social em busca de um posicionamento acerca das preocupações levantadas pelas fontes. Até a publicação deste texto não houve resposta. O espaço segue aberto.

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