Negro e jovem é o perfil médio das pessoas transexuais assassinadas no Brasil em 2019. Das 124 vítimas contabilizadas, 82% eram negras e 59,2% tinham entre 15 a 29 anos. De todas as mortes, 97,7%, era de mulheres transexuais e 67% sobreviviam da prostituição.
Os números são do dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019”, desenvolvido pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). O estudo, lançado em 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, alerta que a população negra é a que tem mais chances de ser assassinada.
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“Estas mortes acontecem com maior intensidade entre travestis e mulheres transexuais negras, assim como são as negras as que têm a menor escolaridade, menor acesso ao mercado formal de trabalho e a políticas públicas. Travestis e Transexuais negras são maioria na prostituição de rua. Proporcionalmente, são essas as que têm os maiores índices de violência e assassinatos”, afirma o dossiê.
Para Maria Clara Araújo, ativista do movimento trans e articuladora política da mandata quilombo de Erica Malunguinho (PSOL-SP), o número expressivo de vítimas negras é resultado da precarização da vida das populações negra e transexual.
“O transfeminicídio no Brasil faz parte do genocídio negro. O racismo e a transfobia são discussões inseparáveis, pois são fenômenos que colocam essa população em maior vulnerabilidade social e consequentemente mais suscetível à violência ao negar acesso aos estudos e ao mercado de trabalho”, explica.
Vítima mais jovem tinha 15 anos
Quinze anos foi a idade com que a mulher transexual mais nova foi assassinada em 2019, de acordo com o dossiê. Ao todo, foram três vítimas com a mesma idade. Duas foram apedrejadas até a morte e uma, além de espancada até a morte, foi enforcada e o seu corpo foi encontrado com sinais de violência sexual.
O estudo sustenta que os índices mais altos de assassinato da população trans está diretamente relacionado às questões etárias. “A morte de uma adolescente trans de apenas 15 anos ratifica o fato de que a juventude trans está diretamente exposta à violência que enfrenta no dia a dia. Nota-se que quanto mais jovem, mais suscetíveis a violência e a mortandade”, alerta.
São Paulo é o estado que mais mata transexuais
No ano passado, São Paulo foi o estado que mais matou a população transexual. O dossiê contabilizou 21 assassinatos, um aumento de 50% em relação aos números de 2018. Entre 2017, 2018 e 2019, foram notificados 466 assassinatos de pessoas trans. No ranking por estados, São Paulo também aparece em primeiro lugar, com 51 mortes.
O Alma Preta questionou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre quais políticas são adotadas para proteger a vida da população transexual e negra. Em nota, o órgão vinculado ao Governo do Estado de São Paulo afirmou não comentar pesquisas cuja metodologia desconhece e que a gestão de João Doria (PSDB) intensificou as ações de combate à violência sexual e de gênero.
Segundo a SSP, além da Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), todos os distritos policiais são aptos a registrar e investigar crimes contra vítimas LGBTIs e desde novembro de 2015 é possível incluir o nome social e a indicação de homofobia/transfobia no registro da ocorrência.Toda denúncia, no entanto, depende de representação da vítima para que seja instaurado inquérito policial e iniciada a investigação.
A pasta também informou que durante a formação, todo policial civil e militar cursa a disciplina de Direitos Humanos, na qual o tema está inserido, inclusive com discussões sobre abordagem e atendimento de pessoas LGBTIs.
Subnotificação das mortes
A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), responsável pela elaboração do dossiê, contabilizou as vítimas de assassinato no país em 2019 por meio dos casos notificados à própria instituição e os noticiados pela mídia.
Segundo a associação, uma das barreiras para a criação de políticas públicas voltadas para a população transexual é a dificuldade de registrar o nome social das vítimas e o apagamento da identidade de gênero da pessoa violentada.
Dentre as ações na segurança pública, o dossiê recomenda a garantia do atendimento adequado à população LGBTI nas delegacias, padronização de coleta de dados nas instituições policiais, nos hospitais, com respeito e uso adequado do nome social e marcação da identidade de gênero.
O estudo salienta ainda que “sem acesso à saúde no seu sentido amplo, à educação, a emprego e à renda, à segurança, à dignidade e à cidadania, torna-se ineficaz o combate à violência”.