Neste dia 21 de janeiro é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil, instituído por legislação federal desde 2007. A data também marca um importante debate sobre as manifestações contrárias ao exercício das religiões de matriz africana, conhecido também como racismo religioso.
A comunidade negra reivindica a adoção do termo “racismo religioso” em razão das diferenças que sustentam a discriminação e a violência direcionada às religiões de matriz africana e seus praticantes, ligados diretamente ao sistema de opressão racial presente nas sociedades.
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Em entrevista à Alma Preta, o advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Hédio Silva Jr. explica que a definição de racismo religioso passou a ser utilizada no direito internacional no começo da década de 1970.
Silva Jr. conta que, à época, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu as primeiras punições para a intolerância religiosa baseada na supremacia racial.
“O racismo religioso passou a fazer parte da gramática do STF [Supremo Tribunal Federal] em 2003 e desde então nossa Corte Suprema vem desenvolvendo um vasto conteúdo sobre o tema, diferenciando proselitismo religioso de discurso de ódio religioso, figuras que não se confundem”, conta Silva, que também é fundador do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (IDAFRO).
‘Intolerância’ não contempla conotação racial dos ataques
Ao analisar o uso de “intolerância” na tradução da violência sofrida pelos povos de terreiro, o pesquisador e líder religioso Gabriel Henrique de Jesus defende que o termo é insuficiente por não contemplar a conotação racista dos ataques direcionados a essa população.
“Não estamos mais na esfera do tolerar ou não tolerar. A intolerância religiosa não presume uma cor. Não podemos entender como intolerância o que as religiões de matriz africana sofrem. É por ser uma religião de negros, que foi fundada nos quilombos e senzalas, pelos negros em suas comunidades. É um estigma ancestral escravista”, complementa Jesus.
Já o fundador do Idafro reforça que a intolerância remete à ideia de incompatibilidade ou dissenso, que ocorre frequentemente com outras religiões.
Hédio Silva Jr. acredita que “o discurso de ódio religioso direciona-se exclusivamente às matrizes africanas”, trazendo o caráter intrínseco da supremacia racial.
Para Gabriel de Jesus, também formado em Direito e pesquisador do tema, o racismo religioso é definido na prática de aniquilamento.
Como uma manifestação da própria violência racial, o racismo religioso ultrapassa as questões de preferências individuais ou estranhamento em relação à uma religião desconhecida e se materializa no extermínio do negro e sua cultura.
“Não é simplesmente não gostar da sua religião e não a querer aqui. É não gostar da religião e querer extirpá-la, matar sua cultura, sua linguagem, suas liturgias e costumes, para além de matar essas pessoas. Porque somos a lembrança de um povo negro que resistiu, a memória daqueles ancestrais negros que permitiram que outros negros, através de seus rituais religiosos, chegassem até aqui”, completa o pesquisador.