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Para matar o preconceito eu renasci: quatro anos de Coletivo Negro Carolina Maria de Jesus

25 de junho de 2018

Realizado no sábado (23), evento teve caráter festivo, como homenagem à escritora que dá nome ao coletivo, e de resistência, contra a tentativa de silenciamento sistemático da população negra

Texto / Marcela Lisboa e Linda Marina
Fotos / Linda Marina e Priscila Alves

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A vida contida nas palavras da autora que dá nome ao coletivo é muito mais profunda do que um olhar desumano pode julgar sobre a escassez. Mulher negra, favelada e mãe de três filhos, Carolina escrevia. Narrava suas próprias histórias em meio ao descrédito de todo o mundo. O quarto aniversário do Coletivo Negro Carolina Maria de Jesus (UFRJ) – Mostra da Fertilidade Preta, realizado na tarde de sábado (23), no alto de Santa Teresa, em parceria com o Festival Mundo Negro e com a Casa Alto Lapa Santa, fez o mesmo. Desafiou as expectativas do mundo sobre si e optou por gerar vida em meio a uma realidade de mortes brutais.

A possibilidade de não celebrar foi cotada, sobretudo em meio ao caos político, econômico, social e moral instaurado no estado do Rio de Janeiro, mas não neste sábado.

Caroline Amanda Lopes Borges, fundadora do coletivo contou: “primeiro veio Marielle, depois não comemoramos por conta da nossa irmã Matheusa e esta semana nossos irmãos da Maré. Mas, a gente falou que iria fazer de qualquer jeito. Tínhamos de comemorar”.

O que fez desta tarde um marco ainda mais significativo foi a presença de grupos para além dos muros da universidade. Saúde mental, negócios, arte, música e cinema fizeram parte da programação. Nem mesmo o cantor Criolo ficou de fora deste momento. “Até me arrepia, porque vocês estão promovendo a vida em uma sociedade toda que quer promover para nós a morte. Não a morte que a velhice oferece, que você pode ver seus familiares crescer, ter dignidade, ter tranquilidade, ter serenidade, mas uma matada, uma morte humilhante, uma morte cruel. Estes jovens querem construir encontros”, disse.

Mesmo com show marcado para poucas horas depois, o artista, cria do Grajaú, zona sul de São Paulo, compareceu e fez questão de participar deste grande encontro, pontuando a importância de falarmos sobre amor para todos. E acrescentou: “isso aqui é uma das coisas mais lindas do Brasil. […] Eu tinha que dar um jeito de vir aqui para receber esse axé.
[…] Nós temos jovens que se reúnem para costurar caminhos e costurar possibilidades de diálogo”, disse o rapper, que aproveitou a ocasião para convidar todos para a edição do próximo ano. Disse também que se mais pessoas soubessem que eventos como este acontecem, poderiam se sentir menos sozinhas no mundo.

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 Criolo (Imagem: Linda Marina)

Carolina Maria de Jesus: uma missão ancestral

Crianças corriam no chão de terra batida enquanto o griot Tom Farias, autor de “Carolina: uma biografia”, aproveitou a noite de festa para fazer o seu lançamento. Com destaque no hall dos parideiros (nome dado aos expositores presentes), ele, que foi amigo da escritora, falou dela com um olhar tão necessário quanto empático a respeito de uma heroína ocultada. “Carolina só pensou na vida. Ela mostrou isso no seu processo de existência […] em um diário que foi publicado em 16 idiomas e em 46 países. Ela transformou vidas no mundo inteiro”, disse o escritor.

Tom enfatizou uma Carolina apaixonada, que, embora marcada por uma vida dura e de ausências, foi capaz de vivenciar o amor. Uma escritora, que mesmo com publicações internacionalmente conhecidas, segue às margens em um país que tenta apagar vozes que subvertem a ordem do silenciamento e ecoam, mesmo em morte.

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Akins Kinté (Imagem: Linda Marina)

Circularidade: De rodada de negócios à roda de samba

De rodada de negócios à roda de samba é a circularidade que indica a importância do dinheiro preto girar entre mãos pretas. Na história, podem citar as quituteiras ou o black money, porque a ordem não faz diferença. Nesta tradição, o que vale é saber de onde vem e aonde vai.

Foi entre livros, filmes, acessórios e produtos holísticos que a Mostra da Fertilidade Negra reuniu parideiros dos mais diversos lugares. Robson Costa (aka Robson Good Luck), cria de São Gonçalo, é professor de educação física, produtor do baile charme da região e jogador de basquete. O dono da Usem Botton é o exemplo de que é importante estar perto de grupos de realizadores para ampliar sua rede de negócios. Seus bottons estampam siglas, personalidades negras e, inclusive, marcas. “Esta aqui é uma feira que acontece lá em São Gonçalo”, diz, apontando para o botton da Eloya – Feira Cultural Africanidade.

Não apenas o negócio, mas a ginga não poderia faltar. Parceiras do evento, as mulheres do Moça Prosa puxaram outra roda, a de samba, para lembrar de que sambar era preciso, ainda em meio às dores.

Ao entoar versos de dona Ivone Lara a plenos pulmões após uma belíssima homenagem a Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março, no Rio de Janeiro, elas reafirmaram a necessidade de exaltar a vida por meio dos corpos que dançam.
O samba de roda é uma das marcas da resistência do povo negro no Brasil e, justamente por isso, vista como “coisa de bandido” para olhares e ouvidos contaminados pelo racismo.

Relembrando as escolas de samba, o poeta Akins Kinté, de São Paulo, figura marcante na história do coletivo, destaca a importância da celebração do corpo vivo por meio da música sem deixar de lado a postura combativa. “Estou entendendo com as coisas que estou produzindo, porque sou trabalhador também. Estou na rua, ainda mais porque pelas coisas que estou escrevendo, eu estou vendo a vida. Estou sendo a contramão do sistema, mesmo que talvez seja só uma unha encravada”.

A poesia também foi representada por Samuel Mundes, o SK. O jovem, que tem se destacado nos Slams do Rio de Janeiro, passou sua mensagem no local. O estudante de ciência da computação e cineasta Hugo Lima exibiu “Desterro”, produção mais recente do coletivo Siyanda e destaque no Rio 72h.

A roda estava completa. E, como parte da tradição, o rito só termina após a comida. O bolo não faltou. De mãos dadas, funcionários da casa, membros do coletivo e todos os convidados saudaram os ancestrais dos que ali estavam em agradecimento, entendendo que viver tempos difíceis de forma plena não deve ser levado com culpa, mas como a realização de um sonho antigo daqueles que vieram antes.

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