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‘Tire Meu Rosto da Sua Mira’: reconhecimento facial pode ser mais uma ferramenta de violação de direitos

Campanha busca ampliar diálogo com atores do sistema de justiça sobre o uso de tecnologias digitais na esfera da segurança pública, considerando o impacto sobretudo para a população negra

Imagem de um homem negro com linhas brancas sobre o rosto em referência à tecnologia de reconhecimento facial.

Foto: Imagem: Reprodução/Olhar Digital

24 de novembro de 2022

Nesta quarta-feira (30), a campanha “Tire Meu Rosto da Sua Mira”lança o mini guia para juristas “Reconhecimento facial: e quando a máquina erra?”. O objetivo do guia é ampliar o diálogo com advogados, juízes, promotores, defensores e demais atores do sistema de justiça sobre as violações e impactos aos direitos da população brasileira causados pelo uso das tecnologias de reconhecimento facial dentro do sistema de justiça do país.

“O mini guia foi elaborado a partir de exercícios realizados durante uma oficina com membros da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e outros juristas. Queremos convidar as pessoas leitoras a refletirem sobre os impactos de tais tecnologias no sistema de justiça, como, por exemplo, a automatização no erro na identificação de suspeitos e consequentemente no encarceramento da população jovem e periférica”, ressaltam representantes da iniciativa à Alma Preta Jornalismo.

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A Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira é uma mobilização nacional da sociedade civil pelo banimento total do uso de reconhecimento facial na esfera da segurança pública brasileira. A iniciativa foi criada em dezembro de 2021 por organizações da Coalizão de Direitos na Rede e o lançamento da campanha ocorreu em junho de 2022 no Fórum da Internet no Brasil. Mais de 200 pessoas e 50 organizações da sociedade civil assinam a carta aberta da campanha.

Segundo informações divulgadas pela iniciativa, a tecnologia de reconhecimento facial, que também é utilizada para prender pessoas, custa caro, sendo que não há uma regulação de seu uso pelas forças de segurança pública e a ferramenta não funciona adequadamente. De acordo com levantamento da Folha de São Paulo, pelo menos 20 estados brasileiros já tinham implementado a tecnologia em suas instituições de segurança pública até 2021.

“Primeiramente, é importante falar sobre o que essas ferramentas são capazes: identificar, seguir, destacar individualmente e rastrear pessoas em todos os lugares aonde elas vão. O que resulta na potencial violação de direitos como: privacidade, proteção de dados, liberdade de reunião e de associação, igualdade e não-discriminação. O reconhecimento facial ainda pode fazer com que as pessoas se sintam inibidas, prejudicando o direito de exercer sua liberdade de expressão”, afirma a campanha.

Segundo a advogada criminalista do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré, Marcela Cardoso, especializada em Criminologia em intersecção de raça, gênero e classe, o reconhecimento fotográfico e eletrônico tem sido utilizado no país em larga escala como indício suficiente de autoria e materialidade para finalização de inquérito, além de consequente apresentação da denúncia por parte do Ministério Público e de seu recebimento pelo juiz da causa.

“A postura dessas instituições revelam não só o racismo estrutural de nossa sociedade – haja vista que as fotos constante de álbuns de suspeitos expostos em delegacias de polícia serem compostas majoritariamente por pessoas negras -, como também o despreparo, ineficiência e desestrutura de nossas organizações, que se colocam como perseguidoras de resoluções investigativas e processuais céleres para dar conta de suas produtividades institucionais, mas sem o devido respeito aos procedimentos investigativos, à construção, à exposição e à fundamentação de motivos a ensejar uma condenação”, explica a advogada.

Segundo informações da Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira, no ano passado, o estado da Bahia gastou R$ 665 milhões em sistemas de reconhecimento facial. Entretanto, na Micareta de Feira de Santana em 2019, conforme noticiado pelo Intercept, só 3,6% dos 903 alertas de suspeitos enviados pelos sistemas geraram mandados de prisão.

Um estudo realizado pelo projeto O Panóptico (Monitor de reconhecimento facial no Brasil), revela que, em 2019, durante uma operação policial no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, dos 11 casos de pessoas detidas com o uso da tecnologia, sete foram erros da ferramenta. Ou seja, o sistema falhou em 63% dos casos.

“No momento atual, o judiciário brasileiro e o legislativo vêm tentando mitigar os efeitos de inúmeros reconhecimentos fotográficos errôneos”, aponta a advogada Marcela Cardoso.

Em apenas um ano, entre 2020 e 2021, levantamento realizado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF) apresentou que 78 decisões tomadas com base em tecnologias de reconhecimento facial foram irregulares. As pessoas que haviam sido presas foram inocentadas, tiveram seus processos suspensos ou a prisão relaxada.

“Essas tecnologias não só trazem riscos de violação dos direitos de populações vulneráveis, como também não possuem indicativo de que auxiliam na redução da criminalidade, tampouco de que melhoram o desempenho do policiamento cotidiano”, destaca o estudo do Panóptico.

Leia mais: Uso de câmeras de reconhecimento facial pode reforçar racismo, avalia audiência pública no Recife

Viés racial

Além das falhas da ferramenta, a Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira aponta a não neutralidade da ferramenta, com grande número de erros que são potencializados para pessoas negras, trans e mulheres. Conforme noticiado anteriormente na Alma Preta Jornalismo, das 184 pessoas presas no Brasil em 2019 por reconhecimento facial, cerca de 90% eram negras.

“Um grande problema das tecnologias de reconhecimento facial é que elas dependem da classificação dos corpos. Isso pode ocorrer em função de aspectos como sexo e gênero, por exemplo, trazendo uma visão binária e baseada em estereótipos que não reconhecem a diversidade de corpos, identidades e expressões – quadro ainda mais preocupante no Brasil, país que mais mata pessoas trans”, ressalta a iniciativa.

Segundo representantes da campanha, a segurança pública no Brasil historicamente reproduz políticas de estado higienistas, de controle e ordem social, classificando quem deve morrer ou viver, seja pela omissão no cumprimento de direitos, pela ação direta na execução e encarceramento ou na marginalização de corpos pretos e pobres.

“Quando pedimos pelo banimento do uso de tais tecnologias muitas pessoas ficam chocadas e classificam a nossa posição como radical, mas diante dos riscos apresentados, banir é o único caminho possível para garantia da democracia e dos direitos constitucionais”, ressaltam.

“No Brasil, país com a terceira maior população encarcerada do mundo, o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública levaria ao agravamento de práticas racistas que constituem o sistema penal”, também complementam.

O sistema de reconhecimento facial chegou a ser proibido no Reino Unido por conta das altas taxas de erro. Da mesma forma, empresas da tecnologia como Google, Amazon e IBM também deixaram de comercializar os sistemas para forças policiais.

“As políticas de segurança pública devem ser pensadas com muito cuidado e atenção aos direitos humanos e as soluções interdisciplinares, porque o problema da violência é interdisciplinar: a proteção à infância, o acesso à educação, à saúde, ao lazer, à moradia, à alimentação, tudo isso também deve ser entendido como recurso em políticas públicas de segurança”, finaliza a Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira.

Confira abaixo o vídeo de lançamento da campanha:

Leia também: Exclusivo: em 322 municípios brasileiros, todas as vítimas da polícia são pessoas negras

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