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Trabalho doméstico: não é dedicação, é herança de um Brasil escravocrata

Relatório da organização Oxfam indica que tarefas de casa e cuidados de crianças e idosos valem mais de 10 trilhões de dólares não pagos por ano

31 de janeiro de 2020

A não valorização do trabalho doméstico é uma das heranças da escravização no Brasil e aprofunda as desigualdades de raça e de gênero, segundo a professora de economia Regiane Vieira Wochler. Um relatório divulgado pela organização Oxfam em janeiro indica que tarefas de casa e cuidados de crianças e idosos são atividades que submetem mulheres ao trabalho não pago e valem mais de 10 trilhões de dólares por ano.

“Nossa sociedade utiliza um sistema econômico que prioriza a busca de lucros em detrimento ao atendimento das necessidades humanas e que para isso se apoia em relações sociais fundamentadas em machismo e racismo para exercer exploração e não atribuição de valor a determinados trabalhos, como o doméstico. Isso certamente aprofunda as desigualdades de gênero e raça. No caso brasileiro, sem dúvida ainda temos a herança escravocrata como uma das raízes da enorme desigualdade que as mulheres negras enfrentam”, afirma Regiane Vieira Wochler.

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O relatório da Oxfam acrescenta que as mulheres mais marginalizadas prevalecem em trabalhos não pagos. Segundo a professora de economia Regiane Vieira Wochler, as mulheres negras estão na base da pirâmide social que as coloca em situações como o trabalho doméstico não pago, o que perpetua o ciclo de pobreza.

“No Brasil, o ‘chão pegajoso’ da pobreza impede famílias negras de baixa renda de sair efetivamente da pobreza. A pobreza perpetua a vulnerabilidade de mulheres negras, por isso vemos estatísticas que mostram que a mulher negra é a que mais sofre violência doméstica, violência obstétrica e omissão em serviços de saúde, além de receber menores remunerações no mercado de trabalho em comparação com outros grupos. As estatísticas evidenciam o peso do racismo estrutural nas relações sociais e de trabalho, que acabam criando barreiras à ascensão social e profissional de mulheres negras”, explica.

Valor econômico do trabalho doméstico

A organização Oxfam sustenta que o valor de 10,8 trilhões de dólares atribuídos ao trabalho doméstico não remunerado em todo o mundo é três vezes maior do que o estimado para todo o setor de tecnologia no globo. Regiane Vieira Wochler, com experiência de mais de 20 anos no mercado financeiro e fundadora da consultoria “Reconomizar – Economia do Recomeço”, explica que o trabalho doméstico possui valor econômico por suprir a carência de serviços públicos adequados como creches, centros especializados de saúde para tratamento de idosos e pessoas com deficiência.

“A ausência do Estado em fornecer serviços públicos que atendam às necessidades básicas das pessoas e promovam cidadania plena, aliada à hierarquização de gênero, acabam por forçar mulheres desde muito cedo a assumir papéis de cuidado doméstico com a estruturação da família porque ninguém mais o fará e nem o governo fornecerá os serviços que são de sua responsabilidade conforme determina a Constituição brasileira e que seriam essenciais para que essas mulheres pudessem assumir funções no mercado formal de trabalho em melhores condições”, observa.

Para Regiane Vieira Wochler, é fundamental provocar os governos a repensar suas responsabilidades com o bem-estar das pessoas diante do avanço de políticas liberais que prejudicam a população mais vulnerável.

“A maioria das lideranças mundiais continua a adotar agendas de políticas que ampliam o hiato entre os que têm e os que não têm. Os governos devem assumir suas responsabilidades no investimento de sistemas nacionais de cuidado para tentar equilibrar a questão da responsabilidade desproporcional assumida pelo trabalho de mulheres. A redistribuição de renda via tributação de grandes fortunas é um dos caminhos para a obtenção de recursos para tais investimentos”, avalia.

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  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Atua há seis anos na cobertura das temáticas de Diversidade, Raça, Gênero e Direitos Humanos. Em 2023, como editora da Alma Preta, foi eleita uma das 50 jornalistas negras mais admiradas da imprensa brasileira.

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